02/01/2023

A HISTÓRIA DE PATRYCK E A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA - ESCOLAR

RESENHA
A HISTÓRIA DE PATRYCK E A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA - ESCOLAR
Willian Xavier Lopes
Introdução
O documentário é sobre um aluno que possui dificuldades de alfabetização, em uma Escola
de Santa Maria, do ano letivo de 2004, na primeira série do fundamental. Algumas coisas são
destacadas como fundamentais para o “fracasso” escolar de Patryck, primeiro a culpabilização na
Escola e professores que não cumprem e não constroem as condições necessárias para
aprendizagem do aluno, segundo atribuem a condição social e econômica da família de Patryck; por
não fornecerem os meios necessários para que este chegue na escola em “situação de igualdade”
dos colegas, outrora, uma professora atribuí alguma patologização ao próprio educando,
terceiramente professoras destacam que o próprio aluno não apresenta interesse e motivação para o
trabalho em sala de aula, e diante disso a culpabilização cria significados violentos. Mas cabe
caracterizar e mostrar coisas necessárias em relação a Patryck, primeiro que reprovou três vezes no
primeiro ano do ensino fundamental e ainda está em processo de alfabetização, por esse motivo, já
não é próximo dos amigos que entraram na vida escolar junto a ele, e dessa maneira não possui
mais uma rede de amigos, diante disso implica nas suas relações dentro e fora da escola, outro
aspecto são suas diversas dimensões: Patryck gosta da escola, em brincar, jogar futebol, pintar e
trabalhar na escola, e vê nesse ambiente um lugar para aprender. Analisando as suas dimensões, faz
perceber que Patryck é uma criança com potencial, possui diferentes habilidades e entende o que a
escola quer com ele. Fazendo essa descrição do educando, cabe pensarmos que “Escola é essa?”
“Que professores são esses?”. Já no início uma criança afirma que o seu sonho é ser professora,
Patryck afirma que “ser professor é chato” porque implica ter gritar com os seus alunos. Já em outromomento, o entrevistador pergunta ás crianças: “tu gosta da Escola?”. As respostas giram em torno
de que “não aprendem na Escola porque é o lugar de castigo, de cobrança, que quando estão de
castigo não sobra tempo para aprender”. Ainda no sentido dessa pergunta, é relatado diversas
agressões físicas e morais. Isso é perplexo e precisa ser dado a devida atenção. Quando pensamos o
texto Em defesa da escola: Uma questão pública (J Masschelein, M Simons – 2017) pensado esse
espaço como um lugar de suspensão e profanação, onde os indivíduos teriam a potencialidade de
ressignificar o seu mundo, “para dar a todos, independentemente de antecedentes o espaço para sair
de seu ambiente conhecido”. Nesse contexto onde a Escola na verdade é sinônimo de violência de
todos os tipos, me propus a investigar a capacidade da violência simbólica - como isso ocorre com
os indivíduos de classes socioeconômicas desfavorecidas - inculcar uma culpabilização na família
do indivíduo, no próprio indivíduo e nas categorias da escola. Frente a duas ideias: de que o
fracasso escolar é intencionalizado – projetado - perspectiva abordada pela psicóloga Maria Helena
Souza Patto, e a segunda da incompreensão do universo cultural dos estudantes, uma prática antiga
da educação escolar: a educação bancária criticada por Paulo Freire. Farei isso analisando os
discursos e narrativas apresentadas pela família do estudante, o educando e a Escola neste
documentário.
I.
Primeiro focamos no aluno, vale lembramos que ele reprovou três vezes no primeiro ano,
sob a justificativa que:
- professora a: “um aluno sem hábitos”, “nenhuma formação social”, “criança inquieta”.
Mas que entendia situação “desfavorável” pelo o que tinha acontecido com a família, algum
problema de criminalidade com o irmão mais velho. Ainda nesse sentido a professora afirma ter
compreendido a situação depois que ficou sabendo do fato anterior. Outra justificativa direcionado a
alguma patologização para Patryck:
- entrevistador: “Por que alguns alunos conseguem aprender e outros não?”
- professora b: “eu penso que o Patryck seja mesmo, por caso da doença do ano passado, porque
esse tipo de doença, vermes, irrita muito a criança, deixa desatento”, “então ele não queria fazer
nada”.
Esse tipo de atribuição é muito comum, quando abrimos o documentário na Plataforma no
YouTube, e alguns usuários também atribuem deficiências e patologias para o aluno, são as quais:
“Alguém teve um olhar mais atento ao Patrick? - pode ser dislexia”.Para quem vive a escola, isso parece ser afirmações corriqueiras, mas se olhar historicamente,
ilustra modos racistas e biopsicológicos de explicações desses estudantes. A psicóloga Maria Helena
Souza Patto afirma, diante desse problema do fracasso escolar, surge na virada do século, diversas
explicações – inspiradas nas teorias racialistas e médicas – de o porque essas pessoas não atingiram
melhores status e posições na sociedade Norte-Americana (EUA), fazendo uma comparação de o
porquê essas pessoas não atingem a mesma escolaridade dos brancos, e dado a o “óculos teórico”
inspirados na “antropologia funcionalista”, de que negros e minorias latinas são portadoras de
deficiências físicas e psicológicas contraídas no seus ambientes de origem, nas suas próprias
famílias, grupo social e classe social, segundo a autora, esse óculos deu origem a teoria da diferença
cultural, na qual as pessoas de classe trabalhadora, pardos e negros estariam numa subcultura muito
diferente de classes acima, porém os programas escolares – conteúdos e formas – estariam
inspirados na classe média, nas palavras de PATTO (1992, pg: 3):
[…] as crianças das chamadas minorias raciais não se sairiam bem na escola
porque seu ambiente familiar e vicinal impediria ou dificultaria o
desenvolvimento de habilidades e capacidades necessárias a um bom
desempenho escolar. […]
O que podemos destacar é atribuir nas diversidades desses alunos, é de situar as dificuldades desses
estudantes ás suas famílias e a si próprio. O processo de violência simbólica é quando, olhando para
o caso Patryck, não só sua família, mas sua classe social é estereotipada, sob algumas classificações
de signos. Isso fica evidente na fala da professora a:
- “eu acho que é exemplo familiar, de informação e cultura, que a maioria das crianças do km 3
(localização geográfica) não tem em quem se inspirar, eles não tem o exemplo….”
A família aqui é concebida de maneira naturalista, e a-histórica, o que não leva em conta a questão
da materialidade, o que faz percebemos que a significação do grupo mencionado (crianças do km 3)
estão penetradas por uma concepção de indivíduo que não tem cultura, não tem hábitos e valores.
De modo violentamente esteticizados e desumanizados por signos apresentados pelas comunidade
docente entrevistada, cabe não talhar a professora, mas de perceber os processos violentos de uma
fala que tem suas origens pseudocientíficas, históricas e ideológicas.
A escola em que está sendo inculcada nesses significados violentos, é uma escola que tá lá para
moldar as formas de ser, que não está preocupada com esse espaço voltado as construção de ser,
mas em delimitar um indivíduo único, idealizado pela escola burguesa, com valores burgueses, coma cultura imperialista e colonialista. Não serve aos interesses dessa classe hegemônica que a
educação de qualidade forneça uma escola como espaço vivo, que seja ativa no processo de
construção de novas formas de conceber o homem e a mulher, por não ser de interesse, há de
produzir o fracasso escolar para classes subalternas e com interesses divergentes a valores
burgueses. Cabe não responsabilizarmos por completo, os professores e as professoras envolvidos
na educação básica, seja porque a reprodução desses signos violentos é também intencionalizado
pela classe hegemônica que se diz querer resolver os problemas educacionais do país, mas é uma
preocupação aparente, visto que esses problemas são inconciliáveis entre as classes convergentes. A
Escola que tem um espaço vivo não possui em seus pressupostos indivíduos aculturais, a-históricos,
mas com um universo cultural único e singular. Agora podemos investigar essa incompreensão do
arcabouço cultural dos estudantes – e o porquê o método bancário da educação pode ter prejudicado
a relação pedagógica com Patryck.
II.
Segundo, outro aspecto são as narrativas da família de Patryck sobre a carências
profissionais e técnicas dos professores envolvidos na alfabetização, segundo a fala do pai:
- “a professora chegava na sala de aula, eu junto, ela ao invés de colocar um A, um B, um C...ela
escrevia uma palavra no quadro, “Dado”, como ele vai escrever? Ainda mais emendado”
A reclamação do pai é que Patryck não teve a devida atenção, da professora constatar e saber que
nível da alfabetização ainda está, para trabalhar o conteúdo a partir do universo dele, não admitido
isso, o Patryck falhará e ficará para trás dos outros. Nesse mesmo sentido, a mãe aponta para uma
situação de tratamento desigual com o seu filho, podendo ser caracterizado como uma violência
simbólica, efeito da estereotipamento social de sua família. Fala da mãe:
- “Então toda a semana tinha uma reclamação pra mim, que o Patryck não queria fazer nada, daí
um dia eu fui na Escola, escondida, não deixei a professora me ver, e lá eu observei que a
professora atendia os outros (alunos) e o Patryck ela mandava sentar…”
Isso deveria marcar a todos que leem, pela grotesca forma violenta, a professora descrimina o
processo do aluno e nem mais olha seu caderno porque o já coisificou-o sob o aspecto daquele que
não tem capacidade de aprender. A relação entre educandos e educador tenha uma característicacontraditória; um por ser ativamente no momento pedagógico e outro por ser passivo, um detém do
poder de ensinar e o outro nada sabe. Um que domina a produção do conhecimento historicamente
construído pela sociedade e o outro que possui uma baixa carga cultural. O sujeito que detém dos
meios de produção e o sujeito que detém da sua força de trabalho. Pensando na contradição
educando-educador, afirma que há uma anomalia em sua fase de superação, diz FREIRE (1974, pg:
79):
[…] quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os
oprimidos, em vez de buscar a libertação na luta e por ela, tendem a ser
opressores também, ou subopressores […] poder-se à dizer - e com razão -
que isto se deve ao fato de que a situação concreta, vigente, de opressão, não
foi transformada. E que, nesta hipótese, o capataz, para assegurar seu posto,
tem de encarnar, com mais dureza ainda, a dureza do patrão. Tal afirmação
não nega a nossa - a de que, nestas circunstâncias, os oprimidos tem no
opressor o seu testemunho de "homem” […]
Isso significa que os professores, no caso Patrcyk, também estão sendo suprimidos, também estão
sob circunstâncias de dominação, e que de alguma forma, pelo testemunho de correto, acabam
reproduzindo as formas de violência, isso fica claro, quando questionado a professora a se a escola
é esse espaço de motivação e quais as demandas das crianças, ela fala:
-”Não é pelos professores, é por aqueles que regem a educação, no Brasil a educação é feita assim,
é prédio, é professor, é o aluno e caderno e está feita a escola, e o resto ? E essa criança não vai
ser adolescente? Não vai ter um “nome”? […] pior do que está, e o que será? Eu fico me
perguntando… se agora muitos saem sem ter um domínio.. eu sinto que muitos anos que passa o
nível de exigência das crianças vai diminuindo, mas vai diminuindo não é porque os professores
não tem uma boa vontade, é porque o contexto administrativo político assim está exigindo, é
alguém que cobra não sei da onde, e no fim ninguém sabe o que fazer…”
Está declaração da professora faz entendermos a fala de alguém que é massacrado pela burocracia
escolar, e se sente impotente em solucionar as mazelas da escola por “esses” que regem a educação
e entende o processo educativo petrificado, “no Brasil a educação é feita assim, é prédio, é
professor, é aluno e caderno e está feita escola”. A violência simbólica faz parte do organismo
escolar, como forma de prática social, se os docentes inculcam e preconizam o modelo de opressão
em seus discentes, os discentes preconizam entre si e, da mesma forma, o aparato estatal inculca
essa simbologia nos professores e profissionais escolares. O modo petrificado do organismo escolarengloba o carácter marcante nas relações educador-educando, por se construirem relações
fundamentalmente narradoras e dissertadoras, por exemplo, a narração de conteúdos se torna a
principal referência no ato educativo, que envolve o narrador – educador - e objetos que
inativamente ouvem – os educandos. Na maioria das vezes é falar da realidade de modo estático,
parado, ajustado, inativo, bem-comportado. Esse ato educativo é uma coisa alheia a realidade dos
estudantes, cria-se uma problemática de representação e vivacidade, e não colhe as verdadeiras
inquietações, demandas, curiosidades dos educandos e educandas, ainda na obra Pedagogia do
Oprimido, investigando a concepção “bancária” e a contradição educador-educando, Freire
afirma uma prática de dominação, o desenvolvimento da necrofilia, citando Fromm:
[…] se caracteriza por el crecimieto de una manera estructurada, funcional,
el individuo necrófilo ama todo lo que no crece, todo lo que es mecánico. La
persona necrófila es movida por un deseo de convertir lo orgánico en
morgánico, do mirar la vida mecánicamente, como si todas las per sonas
vivientes fuezen cosas. Todos los procesos, sentimentos y pensamientos de
vida se transforman en cosas. La memoria y no la experiencia; tener y no ser
es lo que cuenta. El individuo necrófilo puede realizarse con un objeto -una
flor o una persona- única mente si la posee; en consecuencia una amenaza a
su posesión es una amenaza a el mismo, si pierde la posesión, pierde el
contacto con el mundo. E, mais adiante: Ama el control y en el acto de
controlar, mata la vida. […]
A simbologia da opressão é esmagadora, é necrófila, pois vê o aluno, a Escola, o professor como
meras coisificações, exotizadas, e estereotipas, também assim como Patryck, como um indivíduo já
dado, acabado, inconcluso, inativo e apático. A violência simbólica é característica primordial da
concepção bancária da educação e percussora de uma produção do fracasso escolar. Quando
olharmos para o Patryck, olhamos um menino que gosta de brincar, que possui diversos afetos e
perceptos, possui habilidades sociais e físicas, possui capacidades de entender o organismo escolar.
Patryck e sua família são coisificados e desumanizados, porque sua classe social, em determinado
tempo e espaço, implica essa condição de opressão e afastamento do saber acumulado pela
humanidade.
III.
Aqui cabe problematizarmos se a Escola é só isso, e se os professores estão destinados a
inculcar essas opressões em seus alunos. Como visto no inicio desse texto, a Escola pode serentendida pelo lugar onde se suspende as coisas externas da realidade, da sociedade, dos
preconceitos, de outras formas de ser, e perpassa um processo de reflexão desses saberes para
construir uma nova forma de ser – constitui de natalidade (2017). Sendo assim, a questão da
problemática do fracasso escolar passa por uma longo processo de reflexão e prática da sociedade,
da Comunidade Escolar e dos órgãos competentes a compor o universo escolar, de qual a finalidade
desse espaço, o que é inerente a Escola, o que está em jogo em não reproduzir as violências
inculcadas e historicamente situadas. Essa reflexão também é papel e responsabilidade dos novos
educadores, funcionários e técnicos escolares, da sua própria concepção de docente, de ensino e
aprendizagem, de educação, de “seres”, dos processos de violência que chegam hoje a classes
menos favorecidas, de pobres, negros e mulheres. Quais são os signos de violência praticados com
esses grupos. De acordo com esse processo de reflexão, pensar na superação das suas práticas
pedagógicas e profissionais, uma prática que respeite o outro em todas as suas dimensões, da sua
humanização, da sua vivacidade, e de suas diversas “faces”, primeiro identificar como ocorre essas
violências e de que forma isso implica no ato educativo é um passo para não mais a culpabilização
das famílias da classe trabalhadora.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão pública.
Autêntica, 2017.
PATTO, Maria Helena Souza. A família pobre e a escola pública: anotações sobre um
desencontro. Psicologia USP, v. 3, n. 1-2, p. 107-121, 1992.

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