12/08/2020

A gestão de Carlos Sampaio e o legado da Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922 para a cidade do Rio de Janeiro

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FERNANDA DE AZEVEDO RIBEIRO

Arquiteta e Urbanista. Mestre e Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/UFF – Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo.

Resumo

A Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922 representou um importante marco no processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro, então capital Federal. São analisados o seu papel nesse processo, durante a Primeira República (1889-1930), que ocorreu através de transformações do espaço urbano e de forma mais acelerada nas primeiras décadas do século XX, com modificações significativas na estrutura e no ambiente construído da cidade, que contribuíram para alguns aspectos da sua configuração atual. A análise da produção do espaço, destacando a atuação do Engenheiro Carlos Sampaio junto a outros profissionais, no processo de modernização da cidade e em sua preparação para o evento. O legado da Exposição, suas representações simbólicas –  que se estendem para além do fato de ter representado a primeira exposição internacional realizada no país para exibir o progresso e o seu potencial –  e sua contribuição para as transformações na estrutura espacial da cidade, com consequências para a sua imagem e paisagem.

Palavras Chave: Carlos Sampaio; Exposição Internacional do Centenário da Independência de 1922; Rio de Janeiro; Intervenções Urbanas; legado

 

Abstract

The International Exposition of the Centenary of Independence of 1922  represented an important milestone in the process of modernization of the city of Rio de Janeiro. Its role in this process during the First Republic (1889-1930), which occurred through urban space transformations and more rapidly in the first decades of the twentieth century, with significant modifications in the structure and built environment of the city, Which contributed to some aspects of its current configuration. The analysis of space production, highlighting the performance of Engineer Carlos Sampaio along with other professionals, in the process of modernizing the city and in its preparation for the event. The legacy of the Exposition, its symbolic representations - which extend beyond the fact that it represented the first international exhibition held in the country to show the progress and its potential - and its contribution to the transformations in the city's spatial structure, with consequences for Its image and landscape.

Key-words: Carlos Sampaio; International Exhibition of the Centennial of Independence of 1922; Rio de Janeiro ;Urban Interventions;  legacy

 

 

Introdução

Em 7 de setembro de 1922 foi inaugurada na então capital federal, a cidade do Rio de Janeiro, a Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil. A primeira Exposição Internacional realizada no país e na América Latina, como evento principal na comemoração da Independência Política do Brasil em relação à Metrópole Portuguesa (1822-1922). Para a sua realização, a cidade foi preparada durante a administração do prefeito Carlos Sampaio (1920-1922), através da execução de um plano de obras, que previa, entre outras realizações, o desmonte do Morro do Castelo. Na área proveniente do aterro ao mar foram construídos os pavilhões. Encerrada oficialmente em 2 de julho de 1923, teve como objetivo mostrar os progressos da nação e contou com a presença de pavilhões nacionais e a participação de 14 pavilhões estrangeiros, construídos ao longo da Avenida das Nações, aberta em área antes ocupada pelo mar, e também em alguns quarteirões do antigo bairro da Misericórdia.

As comemorações do Centenário da Independência sob a forma de uma Exposição Internacional  representam um importante marco, que se traduziu em avaliação e demonstração de progresso do país e em idealizações quanto ao seu futuro. Ao mesmo tempo, simbolicamente a Exposição acenava para os outros países com o potencial desenvolvimento brasileiro, descortinando-o e criando visibilidade para os investimentos externos.

Refletimos aqui sobre o processo de modernização urbana pelo qual a cidade passou através de intervenções radicais e muitas vezes polêmicas, motivadas pela necessidade de modernização em nome do progresso. Buscaremos compreender o papel da Exposição nesse processo, acentuado no período da Primeira República (1889-1930), caracterizado por inúmeras intervenções urbanas, muitas delas monumentais, onde se destacam a administração dos prefeitos Francisco Pereira Passos (1902-1906) e Carlos Sampaio (1920-1922), que contribuíram significativamente para a transformação da cidade sob o aspecto urbanístico, político, social e econômico.

Analisaremos a produção do espaço durante a administração de Carlos Sampaio (1920-1922), também presidente da Comissão da Exposição do Centenário, destacando sua atuação no processo de modernização da cidade e preparação para o evento. O legado da Exposição. Suas representações simbólicas e sua contribuição para as transformações na estrutura espacial da cidade.

Buscaremos esclarecer as motivações e os fatos que concorreram para a realização da Exposição bem como seu papel no processo de modernização da cidade, em curso através da análise das transformações do espaço urbano, sobretudo na área central com modificações significativas na estrutura e no ambiente construído da cidade e que contribuíram para alguns aspectos da sua configuração atual.

A preparação para a comemoração do Centenário

A virada da década de 1910 para a de 1920 foi marcada por um sentimento nacionalista pós Primeira Guerra Mundial. A política externa do Brasil havia levado o país à participação na guerra, assegurando um lugar na Conferência de Paz de Paris e na Liga das Nações. Em maio de 1919, Epitácio Pessoa, chefe da delegação brasileira à Conferência de Versalhes, convidou os reis da Bélgica Alberto I e Elizabeth, para uma visita ao Brasil, onde seriam recepcionados no ano seguinte.

Este convite representou uma oportunidade de estreitar os laços diplomáticos entre os dois países e trazer visibilidade internacional para o Brasil após a guerra. A presença dos nobres hóspedes na capital federal se tornaria um “evento” motivador de melhorias para a cidade, com a justificativa de recebê-los dignamente.

A aproximação do Centenário da Independência levou vários jornais cariocas a darem início a uma campanha que objetivava vigiar e pressionar o governo a adotar medidas para a realização de uma grande comemoração.

Na década de 1920, o novo parâmetro de modernidade, pautado na rejeição ao passado recente, foi absorvido por grande parte da intelectualidade brasileira. A avaliação dos cem anos de independência política do Brasil à época das comemorações do Centenário , em 1922, revelou as condições de atraso da sociedade e a necessidade de um novo modelo de nação moderna (MOTTA, 1992). Era clara a preocupação em se discutir a identidade e os rumos da nação, o que significou “repensar a cultura, resgatar as tradições, costumes e etnias que haviam permanecido praticamente ignorados pelas elites”.

A ideia da realização de um grande evento começou a tomar forma em 1920 com o projeto do deputado Costa Rego autorizando o Poder Executivo a realizar a Exposição, a princípio concebida para ser nacional (LEVY, 2013). Apesar das dificuldades econômicas enfrentadas pelo país, o presidente Epitácio Pessoa decidiu pela celebração, sediando na capital federal a Exposição Internacional do Centenário – que não por acaso recebeu o mesmo nome da “Exposição Internacional do Centenário” de Paris, de 1899 –, para demonstrar a participação do Brasil no mundo civilizado.

A Exposição teve como objetivos comemorar os cem anos de independência política do Brasil, mostrar ao mundo os progressos da nação e nossa potencialidade na promoção de intercâmbio cultural e comercial e, assim, valorizar nossos produtos e ao mesmo tempo trazer ao conhecimento do povo as novidades dos outros países (MARTINS, 1987).

Além de marco na renovação da cidade, ela significava, do ponto de vista político, a consolidação da República criada ainda no século XIX. No âmbito nacional e, no internacional, o estreitamento de relações políticas e diplomáticas com países de diferentes continentes. Do ponto de vista econômico, o estreitamento comercial, especialmente a nível internacional, através da produção de “uma imagem própria, capaz de atrair capitais através da impressão oferecida de grande estabilidade e riqueza” (CHIAVARI, 1985), que trariam ao país a possibilidade de reerguimento em meio à crise.

No âmbito cultural, a inserção de novas influências – além da forte presença francesa – nos hábitos e costumes. No campo simbólico, significava a inserção definitiva do país na nova modernidade e na sociedade internacional, assim como a primeira Exposição Internacional realizada no país e na América Latina.

A decisão no último momento pela comemoração do centenário sob a forma de um grande evento representou pouco tempo para os preparativos. Assim como as outras cidades que sediaram Exposições Universais, a cidade do Rio de Janeiro deveria ser saneada e embelezada. Tinha a obrigação de estar preparada. Assim, a nova concepção de modernidade também começou a se refletir no espaço através da reforma urbana empreendida a partir de 1920.

A nomeação de Carlos Sampaio para prefeito

Diante da polêmica gerada em relação aos gastos para as obras, levantaram-se opositores aos planos do governo e estabeleceram-se tensões políticas, pois em tempos de crise isso significava a contração de dívidas para que a conta fosse paga.

Em junho de 1920 o Jornal do Brasil publicou a notícia da demissão do prefeito Sá Freire pelo presidente Epitácio Pessoa. Sá Freire recebeu críticas em relação ao seu posicionamento quanto aos gastos com o dinheiro público, considerados desnecessários. Esse tipo de pensamento representava um entrave na realização de melhoramentos na cidade para a recepção dos reis da Bélgica e para as comemorações do Centenário, que corriam o risco de se converter em vergonha, segundo impressões publicadas em periódicos diversos.

A escolha do engenheiro Carlos Sampaio para a administração da cidade – que até então não tinha ocupado cargo político –, indicava interesses além do de acelerar a preparação da cidade para esses dois eventos, pois ele, desde o final do século XIX, vinha participando de intervenções importantes na capital federal, como engenheiro e como agente na intermediação de contatos entre empresários estrangeiros e setores da administração pública para obtenção de concessões nos serviços públicos e em indústrias, acreditando que a defesa dos interesses estrangeiros em nosso país se constituía em um meio de atrair capitais.

Ele fazia parte de uma elite profissional de engenheiros que atuaram em diferentes níveis como agentes das reformas urbanas, que acarretaram transformações não apenas na paisagem e na imagem da cidade, mas também na sociedade, na política e na economia. Junto a Sampaio se destacaram Francisco Pereira Passos e Paulo de Frontin, que participaram das principais intervenções urbanas na cidade do último quartel do século XIX até as primeiras décadas do século XX, seja como técnicos, prefeitos ou intermediadores com o capital estrangeiro.

No âmbito do pensamento sobre a cidade nesse período, o enfoque foi construído sobre duas óticas: a que qualificava a vida urbana por sua dimensão pública e a que pretendia reorganizar a imagem da cidade hierárquica. Esta última privilegiava a relação entre ordem urbana e domínio da natureza e contou com a contribuição do pensamento higienista – presente nas discussões desse tema desde o final do século XVIII – como suporte para a compreensão do racional e urbano, tornando-se o pensamento dominante sobre a cidade até a realização do Congresso de Engenharia e Indústria em 1900, na comemoração do IV centenário do descobrimento do Brasil entre dezembro de 1900 e janeiro de 1901. (TAVARES, 2008).

O processo de modernização da capital federal refletia a necessidade de projetar o país no cenário internacional e a participação do Brasil nas Exposições Universais se constituiu em um dos meios de medir sua internacionalização econômica e cultural, já que elas propiciavam contatos e intercâmbio entre diferentes regiões do mundo.

Segundo Chiavari (1985), as reformas sociais, políticas, econômicas e urbanas contribuíram para o ingresso dos países e cidades em diversos setores da vida social. Ao nível externo, a criação de uma imagem formal tinha a capacidade de atrair capitais, através de da impressão oferecida de estabilidade e riqueza. Nas etapas de renovação das cidades, as Exposições Universais representaram um importante papel como veículo publicitário, e corresponderam “ao baile de ingresso oficial na sociedade internacional”.

Sampaio administrou a cidade entre 1920 e 1922, afirmando[1] seu apoio a um Estado promotor de intervenções urbanas, justificadas pelo conhecimento científico. Revelou ainda, sua intenção de realizar reformas urbanas da mesma magnitude das concretizadas por Pereira Passos.

 

A preparação da cidade

A cidade do Rio de Janeiro foi preparada para a comemoração do Centenário da Independência, através da execução de um plano de obras, que previa, entre outras realizações, a finalização do desmonte do Morro do Castelo, em 1922, em nome da higiene e da realização da Exposição do Centenário no local.

Com a visita dos reis da Bélgica em 1920, a cidade começou a ser transformada[2]. No sistema viário se destacaram as obras da avenida de contorno do Morro da Viúva (atual Avenida Rui Barbosa), com o objetivo de ligar as zonas do Flamengo e Botafogo pela orla, promovendo o desafogamento do tráfego que já era intenso, pela Avenida da Ligação, que mais tarde ficou conhecida como Avenida Osvaldo Cruz, aberta em parte na rocha e feita sobre o aterro.

Em 1922, começou a ser pensada a aceleração das obras de saneamento e do melhoramento dos terrenos que circundavam a lagoa Rodrigo de Freitas e toda a zona do Leblon. Para esse fim, o Governo Federal transferiu os terrenos de sua propriedade para a Prefeitura. O engenheiro Francisco Saturnino de Brito, considerado a maior autoridade brasileira em saneamento na época, foi o responsável pelas obras, que exigiram a retificação dos cursos de água, a reforma dos serviços de águas pluviais e canais de concreto a céu aberto.

Por ser uma enorme área de terrenos alagadiços, foram realizadas simultaneamente, como complemento às obras de saneamento, obras de melhoramento e embelezamento, com base no aproveitamento de estudos preliminares de urbanização, feitos na administração do general e engenheiro Bento Manuel Ribeiro Carneiro Monteiro (1910-1914) na Prefeitura da cidade. Também foram aproveitados os trabalhos começados por ele e continuados pelo Prefeito Paulo de Frontin[3] (1919).

Assim, o novo projeto organizado pelo Dr. Alfredo Duarte Ribeiro, pôde ser executado com maior rapidez. Foram realizadas as seguintes obras: Avenida Epitácio Pessoa; o cais de contorno da lagoa; aterramento das margens baixas ou dos terrenos alagadiços; canalização e regularização dos rios, córregos e águas pluviais em direção à lagoa;  calçamento e arborização de todas as vias públicas da área aterrada e a fixação do regime de comunicação entre as águas do mar e da lagoa.

Entre as obras urbanísticas de destaque, relacionadas ao sistema viário, estão: a reconstrução da Avenida Niemeyer; a melhoria da Avenida Vieira Souto e sua ligação com a Avenida Atlântica (Avenida Rainha Elizabeth), com o objetivo de evitar a passagem pela Rua da Igrejinha. Abertura de avenidas: Avenida do Arpoador; Avenida Henrique Dumont, em Ipanema; Avenida das Nações, atual Avenida Presidente Wilson, ligando a Avenida Rio Branco ao Bairro da Misericórdia; Avenida Portugal, ligando a Praia Vermelha à Fortaleza de São João, onde teve origem o bairro da Urca; a Avenida do Exército, para facilitar o acesso ao campo de São Cristóvão, onde eram realizados os desfiles militares; a Avenida Maracanã, para facilitar o tráfego da zona Norte para a Praça da Bandeira. Abertura das ruas Azevedo Lima (Rua México) e Alcindo Guanabara. Prolongamento das ruas: Machado Coelho, Benedito Hipólito (até a Afonso Cavalcanti) e Mariz e Barros, estabelecendo ligação entre estas e a Praça Saenz Pena e originando a rua Almirante Cochrane. Alargamento das ruas do Estácio, Aqueduto, Machado de Assis, Santa Ana, Frei Caneca, Senador Eusébio e Visconde de Itaúna.

Foi realizado o serviço de retificação e recebimento de novo calçamento em inúmeras ruas e praças. A atenção foi voltada para os grandes logradouros. Foram remodeladas as praças: Mauá;  Ferreira Viana, mais conhecida como Cinelândia; Cristiano Ottoni, entre a Estação Central da Estrada de Ferro Central do Brasil e o Quartel General do Exército; as Praças Serzedelo Correia e Coronel Franco, em Copacabana; Praça Vieira Souto, na Esplanada do Senado; o Largo do Machado (no Catete) e o Largo do Moura, no bairro da Misericórdia.

Destaca-se a remodelação da área da Praça Ferreira Viana (Floriano Peixoto), quando o Centro Republicano começou a receber a configuração atual. Sampaio efetuou o recuo nos terrenos do Convento da Ajuda e acelerou a construção do novo edifício do Conselho Municipal (Palácio Pedro Ernesto), com  inauguração programada para fazer parte das comemorações do Centenário, e aconteceu em 21 de julho de 1923.

Até então, a arquitetura permanecia influenciada por modelos do passado e o novo projeto, dialogava de maneira mais harmônica com os edifícios monumentais do entorno. Essa nova relação, consequentemente se refletiu na ambiência local, modificada pela escala monumental do novo projeto, pela substituição das tipologias e pelo novo traçado que resultou em uma nova configuração da praça. O edifício representa o último de escala monumental, símbolo do poder público, completando o conjunto da Praça Floriano.

Foi realizado o prolongamento do Cais Del-Vecchio, próximo ao Mercado Municipal, até o armazém da Companhia Cantareira. Diversos trabalhos no corte da Rua Guanabara, atual Pinheiro Machado. Importantes obras na rua do Aqueduto: cortes em rocha e terra, demolição do antigo aqueduto, construção de muralhas de sustentação, execução de parapeitos e calçamento. Foi concluída mais da metade do túnel João Ricardo e levantadas muralhas de sustentação nas bocas. Foram construídas pontes nas Avenidas Francisco Bicalho e Maracanã, Rua Figueira de Melo e sobre o Rio Trapicheiro.

A partir da compreensão pela municipalidade de que uma grande cidade deveria possuir “casas de diversões”, a Prefeitura adquiriu o teatro São Pedro de Alcântara (atual João Caetano), construiu o Teatro Rio-Cassino, no Passeio Público.

Nesse período a cidade apresentava um déficit no setor hoteleiro em relação ao porte de um evento como a Exposição. A preocupação do governo com a acomodação dos visitantes durante as comemorações do Centenário foi um dos assuntos abordados pela imprensa.

Por conta da proximidade da Exposição, três hotéis de grande porte foram construídos. O Hotel Sete de Setembro, na Avenida do Contorno do Morro da Viúva, atual Avenida Rui Barbosa e inaugurado em 15 de julho de 1922. Sua implantação foi designada pelo do prefeito Carlos Sampaio e para a sua construção foi necessária a desapropriação dos prédios das oficinas do conhecido construtor italiano radicado no Brasil, Antonio Januzzi (HERMES, 2007).

O outro motivo para a construção do Hotel Sete de Setembro neste local teria sido o de acabar com as moradias precárias existentes no Morro da Viúva, ocupadas por população de baixa renda, para criar uma área valorizada, negociada pela prefeitura, que a transformaria em um endereço nobre da cidade, estimulando a construção de edifícios com vista para o Pão de Açúcar (LEVY, 2010).

Os dois outros hotéis de grande porte foram o Glória, que hospedou chefes de Estado e celebridades durante a Exposição e, o Copacabana Palace, inaugurado próximo ao término do evento.

Os três hotéis apresentam em comum uma tipologia predominantemente horizontal, voltada para o mar, promovendo a interligação do interior com o exterior. Eles destacam-se como marcos na paisagem litorânea, privilegiando as belezas naturais da cidade.

A ação do governo sobre a cidade também procurou atender ao setor da educação. A prefeitura adquiriu prédios para escolas primárias, reformou as existentes e construiu as escolas Epitácio Pessoa, Bárbara Ottoni, Pereira Passos, Celestino Silva e Floriano Peixoto. A escola profissional masculina Visconde de Cairu recebeu sede própria e o internato da escola masculina Visconde de Mauá.

O desmonte do Morro do Castelo e as obras da Exposição

No processo de renovação urbana, o arrasamento do Castelo foi uma das ações que mais gerou polêmica e este fato acabou se tornando mais lembrado e estudado que a própria Exposição. A imprensa carioca se encarregou do debate, sustentado em diferentes interpretações “do que seria uma cidade sintonizada com a modernidade do século XX”. De um lado estavam os “sacrílegos” representados pela Revista da Semana com apoio da Careta e do Correio da Manhã, do outro os “tradicionalistas”, representados pelo Jornal do Brasil. (MOTTA, 2013)

Carlos Sampaio comparava o Castelo a um “dente cariado” na linda boca que era a Baía de Guanabara. O Jornal do Brasil defendia que “o Rio de Janeiro deveria se mirar no exemplo dos países modernos e civilizados, onde a natureza era protegida dos interesses “utilitários” e preservada na sua “exuberância”.” (MOTTA, 2013)

A visão do Castelo como símbolo degradado do passado colonial português, aliado à necessidade de situar a Exposição do Centenário em um local que impressionasse os visitantes, encobriam as razões econômicas relacionadas à criação de terrenos na área supervalorizada do centro, que por si só justificariam o arrasamento, decretado em 1921. A obra monumental consumiu grandes somas de dinheiro, além do que estava previsto, o que levou o Estado a contrair dívidas para a sua realização. Carlos Sampaio foi acusado de corrupção, por ser um dos donos da empresa que recebeu, no final do século XIX, a concessão para a demolição. Além disso, estudos feitos na época mostravam que a realização de “obras de embelezamento no morro custariam bem menos, cerca de um terço do valor gasto no desmonte.” (BARROS, 2002)

Com o Castelo, desapareceu um importante patrimônio religioso: a Igreja de São Sebastião, o Colégio dos Jesuítas, além de outros símbolos como as “casas dos pretos”, onde eram realizados cultos de origem africana, o relógio da torre e o observatório astronômico, que indicavam o significado histórico do lugar.

Higienizar e modernizar a cidade significava a eliminação dos lugares insalubres e também da cidade colonial e seus “valores culturais relacionados ao período imperial, valorizando a inserção cultural e econômica europeias, principalmente pela absorção da visão do mundo francês.” A construção de um “novo centro mais moderno, significaria a construção simbólica de um novo país, instaurado pela ordem republicana” (BARROS, 2002). Visão presente nos discursos higienista e estético  que legitimaram as reformas de Passos e Sampaio.

Na área resultante do arrasamento do Castelo foram construídos os pavilhões da Exposição, movimentando intensamente o centro do Rio de Janeiro, particularmente na área que viria a ser a Cinelândia pouco depois.

A implantação da Exposição conexa ao centro republicano certamente não se deu por acaso, nem a articulação entre o evento e o desenvolvimento urbano da área central da cidade e isso já era percebido pela imprensa da época.

O talento do sr. dr. Carlos Sampaio consistiu, principalmente, em confundir num só os dois problemas da Exposição e da ampliação da urbs, tornando-os dependentes de tal modo que para erigir os palácios do grande certamen se tornava previamente indispensável derruir o velho bairro da Misericórdia, prolongar a terra firme para dois ou três quilômetros além do litoral, e arrasar conseqüentemente o morro para aterrar a faixa litorânea.

Esta hábil correlação dos fatores do problema deu em resultado a ampliação da zona central do Rio em centenas de milhares de metros quadrados, a edificação de uma nova Avenida, projetada desde uma praça esplendida até, futuramente, Botafogo, improvisando uma outra avenida litorânea, conquistando novas áreas destinadas a construções de caráter monumental. Carlos Sampaio, realmente, criará uma nova cidade, em pouco mais de dois anos! (Revista da Semana, n. 31, 29 jun 1922)

Assim como na abertura da Avenida Central, a Avenida das Nações e a inserção dos pavilhões nessa área, também representa uma ruptura com a arquitetura e com o tecido urbano pré-existentes e expressa a expectativa futura de desenvolvimento acompanhando esse padrão.

Encerrada a Exposição, um trecho de nova cidade permanecerá, com seus palácios, as suas avenidas, o parque de diversões, a sua vasta praça. Pode profetizar-se que, em meia dúzia de anos, os terrenos obtidos com a demolição do morro do Castelo estarão edificados; e esperemos que não sejam com prediozinhos de sobrado, mesquinhos e inestéticos, de vila sertaneja, mas ao estilo e nas dimensões apropriadas a uma capital da hierarquia da nossa. (Revista da Semana, n. 31, 29 jun 1922)

A visibilidade das obras e da cidade

Seguindo o padrão das exposições internacionais, foi elaborado um programa das comemorações do Centenário, onde estavam incluídos atividades e eventos paralelos em diferentes pontos da cidade. Embora a Exposição fosse o foco, o programa foi pensado para que de alguma forma os eventos remetessem a área da Exposição e, ao mesmo tempo, destacassem os pontos da cidade representativos da cultura, ciência e da modernização urbana.

Fazia parte do programa dos congressos, roteiros científico-culturais que tinham início na visita aos pavilhões da Exposição e seguiam para as instituições científicas na Zona Norte e Zona Sul (SANTOS,2010). Na Zona Norte, eram realizadas visitas ao Museu Nacional, localizado no bairro de São Cristóvão, e ao Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos. Na Zona Sul o principal destino era o Jardim Botânico.

Foram realizados dois eventos esportivos internacionais. Os Jogos Latino-Americanos, considerados como precursores dos Jogos Pan-Americanos. As competições contaram com o apoio do Fluminense, Derby Club, e com as instalações das Forças Armadas. O Campeonato Sul- Americano de Seleções Nacionais foi realizado no Fluminense Football Club, reformado e ampliado para o evento, com elevação de sua capacidade de 18.000 para 24.000 espectadores (MASCARENHAS, 2011), e contou com a ajuda do governo.

Assim, o estádio do Fluminense passou a representar um dos elos entre os esportes e a reforma urbana, mas não foi o único. Para a maratona dos Jogos Latino-Americanos foi pensado e executado um roteiro[4] de 42 quilômetros, que destacou os palácios da Exposição, os pontos recém-urbanizados da Zona Sul, e outros que ressaltavam o desenvolvimento da cidade e as “novas regiões adotadas pela elite carioca como destino” (SANTOS, 2011). Entre eles: o Estádio do Fluminense, ponto de partida; a Avenida Beira-Mar, que tinha recebido novo aterro após o arrasamento do Morro do Castelo; a Exposição do Centenário passando em frente ao Palácio Monroe; o Passeio Público reformado, onde havia sido inaugurado o Teatro-Cassino Beira-Mar; a nova Avenida do Contorno; praias de Botafogo e da Saudade, na Urca, que pouco tempo antes havia passado por nova urbanização[5]; Túnel Novo em direção ao Leme; Praça da Vigia, atual Julio Noronha; praia do Leme; Avenida Atlântica; Copacabana Palace; Ipanema, recentemente urbanizada; Avenida Vieira Souto; Lagoa Rodrigo de Freitas, passando pela Ponte da Lagoa, recém-inaugurada; Avenida Epitácio Pessoa; ruas Jardim Botânico e Humaitá.

Outro evento paralelo chama atenção, a Quarta Exposição Nacional de Gado, realizada junto à Avenida Maracanã e ao Derby Club[6], uma área que tinha recebido, pouco tempo antes, importantes melhoramentos, como a abertura desta via e a canalização dos rios. O que nos leva à hipótese de que sua implantação em uma área da cidade próxima ao centro, recém estruturada e, consequentemente, valorizada, teve como objetivo atrair visibilidade para seu potencial como área de expansão do centro.

A visibilidade da cidade também se deu através da mídia impressa. Antes e durante a Exposição do Centenário ela representou um dos maiores meios de crítica, documentação, divulgação e promoção do evento e da imagem da cidade e do país.

Assim como através do cinema foram apresentadas imagens escolhidas que representavam ideais de riqueza, beleza, progresso, cultura, civilização e modernidade, da mesma forma a mídia impressa oficial nacional procurou reproduzir os mesmos aspectos, textualmente e iconograficamente.

Em relação à imagem da cidade do Rio de Janeiro, o Guia da Exposição, o Álbum da Cidade do Rio de Janeiro commemorativo do 1º Centenário da Independência do Brasil e o periódico A Exposição de 1922 destacaram as belezas naturais junto à ação transformadora do homem sobre a natureza e a cidade, como sinal de civilização e modernidade durante os 100 anos de independência.

É frequente nessas publicações a presença de imagens de paisagens naturais, especialmente de áreas da Zona Sul, como a enseada de Botafogo, a Baía de Guanabara ou o Pão de Açúcar, fixando-as como imagens referenciais da cidade.

Prédios públicos em estilo arquitetônico clássico e igrejas, aparecem frequentemente nessas publicações como representantes de uma aproximação com os parâmetros europeus de cidade e arquitetura, que desde o século XVIII eram considerados sinônimos de modernidade e civilidade. Nas imagens urbanas das primeiras décadas do século XX até a Exposição, destacam-se imagens da Avenida Rio Branco e as praças públicas, parques e jardins remodelados à moda europeia.

O legado

As exposições universais em certo momento tomaram tal proporção que passaram a dar maior atenção à infraestrutura necessária à realização do evento e à questão da efemeridade das edificações, sobretudo dos pavilhões, o que demonstra a preocupação em se deixar um legado, mesmo que nesse período não houvesse exigências formais a esse respeito, da maneira como acontece hoje quando cidades se candidatam a sediar um megaevento.

Porém, a intenção de legado pode ser percebida, em diversos momentos, nos depoimentos de Carlos Sampaio. Após o mandato como prefeito, declarou:

Estou certo de que hoje ninguem (...) pode negar que foi por mim attingida a méta desejada, (...) pois deixei a Cidade em condições elogiadas por todos, inclusive estrangeiros, que também foram os maiores admiradores das obras. (SAMPAIO, 1924)

De acordo com as palavras de Sampaio, podemos afirmar que foi deixado um legado não apenas urbanístico, mas também simbólico, político e cultural, relacionado à imagem da cidade e do país, mesmo que aparentemente motivadas, em grande parte, por sua vaidade em suas atividades como engenheiro e administrador.

Em sua visão, ele ainda destaca as principais realizações durante a preparação da cidade para as comemorações do Centenário:

Não foi senão em consequencia de um estudo cuidadoso que fiz da Cidade do Rio de Janeiro, desde a minha mocidade, quer sob o ponto de vista technico em relação a seus principaes problemas de engenharia, quer sob o ponto de vista hygienico, (...) sob o ponto de vista esthetico, que resolvi, alem de muitas outras obras de menor importância, enfrentar, no governo municipal, os problemas do morro do Castello, o da Lagôa Rodrigo de Freitas e o das inundações da parte da Cidade Nova (...).(SAMPAIO, 1924)

Em relação às obras, um fato interessante a ser ressaltado ao final de sua atuação como prefeito, foi a preocupação que teve – em virtude do curto período de mandato para a realização delas e da tradicional descontinuidade administrativa em relação aos projetos –, em apressar o andamento de diversas obras, de modo que seu sucessor não deixasse de concluí-las.

Quero aqui patentear (...) a necessidade que tive, mesmo sob o ponto de vista das finanças avariadas da Municipalidade, de levar todas essas obras a bom termo, ou atacal-as de maneira a que nem mesmo o mais retrogado ousasse paral-as, impedindo a sua terminação. (SAMPAIO, 1924)

Assim, Sampaio assegurou também o seu legado profissional e a memória sobre ele, registradas nas obras que realizou e na mídia impressa, através dos periódicos e também no livro em que ele mesmo escreveu sobre as obras de sua administração como prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, durante sua preparação para as comemorações do Centenário.

Quando se fala em legado nos estudos sobre a Exposição do Centenário, na maior parte das referências consultadas ele é mencionado de maneira geral, dando maior atenção aos vestígios arquitetônicos ou urbanísticos.

Estudos recentes[7] sobre megaeventos têm apresentado a multidimensionalidade do legado e seus efeitos, como, por exemplo, no urbanismo, na política, na economia, etc. De acordo com essa concepção identificamos os legados no período da Exposição.

O legado arquitetônico compreende os edifícios que fizeram parte da exposição e, após sua realização foram destinados a outros usos; os edifícios que, durante o período de preparação da cidade, foram construídos, pela iniciativa pública ou privada, para atender às necessidades políticas, sociais e econômicas, como, por exemplo, edifícios públicos: o novo edifício do Conselho Municipal, as escolas, os postos de saúde e hospitais; os hotéis Glória, Sete de Setembro e Copacabana Palace, encomendados especificamente para a recepção dos visitantes mais ilustres que visitariam a Exposição; o Rio Casino (demolido); o Posto de Socorro de Copacabana, o Hospital Municipal, Estações de Limpeza Pública (do Rio Comprido, do Encantado e do Méier).

O legado urbanístico compreende as intervenções urbanas, todas as obras de infraestrutura realizadas na cidade anteriormente citadas, como, melhorias na estrutura viária, que envolveu desde a abertura, prolongamento, alargamento de vias, até o asfaltamento, recuperação e substituição de asfalto de 158 logradouros.

As obras relacionadas a saneamento, arborização e iluminação; o arrasamento do morro do Castelo e as novas áreas criadas pelo aterro proveniente do material do morro neste local e na orla marítima; reforma e construção de praças (Mauá, Marechal Âncora, Christiano Ottoni); canalização de rios (Tijuca); saneamento e aterro de grande parte da área ao redor da lagoa Rodrigo de Freitas, hoje Avenida Epitácio Pessoa; criação do bairro da Urca (resultado de uma parceria público-privada); reconstrução da Avenida Atlântica e Beira-Mar, destruídas por ressacas, e tentativa de resolução do problema também na Gloria com a realização de obras de engenharia; construção de pontes (sobre o Canal do Mangue, do Rio Maracanã e do rio Trapicheiro); construção de mais da metade do Túnel João Ricardo, o Cemitério de São João Baptista.

O legado simbólico da exposição foi o reconhecimento da capacidade técnica e administrativa do país, especialmente em relação ao acontecimento do arrasamento do morro do Castelo, pois as realizações do governo em prol da exposição provocaram admiração no exterior, alcançando assim um dos seus principais objetivos, que foi a promoção da imagem da cidade do Rio de Janeiro e do país tanto a nível nacional quanto internacional.

O legado econômico, segundo Raeder (2009) “é de difícil mensuração em virtude dos efeitos multiplicadores”, não se restringindo a uma leitura monetária quando considerados os efeitos do evento sobre diversos circuitos da economia.

Como porta de entrada e vitrine do Brasil, a exposição produziu efeitos na economia no setor do turismo, através dos melhoramentos urbanos que realçaram o espaço turístico carioca, destacando-se as obras realizadas na Zona Sul, onde surgiu nesse período um ícone da cidade e da hotelaria nacional, o Copacabana Palace, além do Hotel Glória e do Hotel Sete de Setembro.

A propaganda da exposição e da cidade do Rio de Janeiro através de estampas e cartões postais também contribuiu para o desenvolvimento do turismo, pois durante a Exposição a prática de estampar a paisagem da cidade adquiriu maior importância, passando a circular em todo o mundo como até esse momento não havia acontecido. Junto das belezas naturais já reconhecidas passaram a ser apresentados os atrativos da modernidade.

Como palco para a realização de importantes acontecimentos, tais como, os congressos científicos, religiosos e comerciais, a Exposição deixou um legado cultural, ao estimular a mobilização da intelectualidade brasileira das principais cidades do país para a participação na discussão e produção de estudos em diversos campos. Outro legado cultural importante foi a fundação, em 1922, do Museu Histórico Nacional, um dos mais importantes do país.

Considerações Finais

A Exposição Internacional do Centenário de 1922 representou um momento significativo da aceleração do processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro.

Na preparação da cidade, os projetos do governo priorizaram as áreas mais valorizadas da capital republicana. Em especial o do arrasamento do Morro do Castelo, onde foram erguidos os pavilhões da Exposição. Interesses políticos e econômicos – representados pelo capital imobiliário –, certamente estavam por trás dessa escolha, pois além de ser um projeto antigo, o morro estava localizado próximo ao centro do poder político do país, na Praça Floriano Peixoto, junto à principal Avenida da cidade, a Rio Branco.

Havia uma preocupação em apresentar uma imagem adequada da cidade para a recepção dos visitantes estrangeiros e – assim como ocorreu na Reforma Passos –, a criação de uma imagem moderna e civilizada para dar a impressão de estabilidade e riqueza, seria um dos instrumentos utilizados para atrair investimentos do capital internacional e, assim, restabelecer e desenvolver a economia, além de promover uma visibilidade do Brasil na política internacional através das relações diplomáticas estabelecidas com grandes potências mundiais durante o evento.

A construção dessa imagem se estendeu a outros campos. No das ciências, os congressos e conferências cumpriram um importante papel simbólico em diferentes áreas do conhecimento ao estimular o debate e a circulação de ideias a nível nacional e internacional, como lugar de troca de produtos e de conhecimento – contribuindo assim para a ampliação de mercados – e como meio de afirmação do status de capital moderna para a cidade do Rio de Janeiro.

Simbolicamente os eventos esportivos se constituíram em um espaço social de negociações em diversos níveis e de representações de uma identidade cultural brasileira.

Os eventos paralelos, de alguma forma, estabeleceram uma relação com as reformas urbanas e/ ou com a apresentação da cidade. Contribuíram na atração de público para áreas que tinham sido remodeladas ou que tinham significado cultural e/ ou científico, simbolizando progresso e modernidade, através de seus roteiros de atividades. Funcionaram como lugares de trocas em diversos círculos contribuindo para a divulgação da imagem de progresso do país em diversas áreas. A estrutura construída para servir aos eventos contribuiu para melhorias em algumas áreas da cidade.

A mídia representou um importante papel em relação ao evento e ao processo de modernização da cidade sob diferentes aspectos. A própria Exposição desempenhou o papel de mídia ao conferir visibilidade ao país divulgando culturas, além de estimular a economia através de negócios e do turismo.

A mídia impressa foi importante como registro de uma época; como divulgadora do evento; como meio de projeção da imagem da cidade a nível nacional e internacional; como instrumento de crítica, denúncias e cobranças da sociedade – seja na aceleração de obras durante a preparação da cidade ou de reformas na estrutura política e econômica. Junto ao cinema, foi responsável pela massificação de imagens selecionadas da cidade e de paisagens naturais, como a Avenida Rio Branco, a enseada de Botafogo, a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar, fixando-as como referenciais da cidade e do país.

O legado simbólico da Exposição foi inegável, especialmente o esperado reconhecimento da capacidade técnica e administrativa do país no exterior, através das realizações do governo em prol do evento, que contribuiu para a elevação da cidade e do país no cenário internacional. Entretanto, mais que isso, promoveu em sua estrutura espacial, modificações em sua imagem e paisagem, sobretudo no centro. Desapareceu o Morro do Castelo – importante marco físico, histórico e simbólico – e, junto com ele, edifícios significativos. Foram criadas novas vias e áreas de expansão para a cidade, provenientes das áreas do morro e do aterro da orla. Rios foram canalizados, túneis abertos e edifícios marcantes construídos. Muitas das realizações desse período mantém sua importância na dinâmica atual da cidade e representam um importante legado arquitetônico e urbanístico. Algumas se tornaram marcos referenciais na história e na paisagem da cidade, a exemplo do Hotel Copacabana Palace, Palácio Pedro Ernesto e a Lagoa Rodrigo de Freitas.

Na administração Carlos Sampaio, as ações sobre a cidade permaneceram com a base de pensamento predominante do século XIX. Marcadas pela busca constante por uma modernidade e civilidade inspirada em modelos europeus visando transformar a Capital Federal em símbolo da civilização através da transformação de sua imagem, que se refletiu em diversos momentos na preocupação com o embelezamento e a circulação, para isso fazendo uso do pensamento higienista como instrumento para a realização de reformas, caracterizadas pela negação da cidade existente com a prática de um urbanismo de “tábula rasa” que recusava toda a herança colonial, considerada como sinônimo de atraso.

A imagem de progresso e modernidade que se pretendeu transmitir ao resto do país e ao mundo não correspondeu à verdadeira realidade da cidade. Durante o processo de modernização se desenvolveram paralelamente duas cidades. Uma convertida no lugar de representação da modernidade, do progresso e do espetáculo, refletindo os ideais da população mais abastada. E outra, na qual esse mesmo ideal excluiu a maioria da população, fazendo crescer uma cidade caracterizada por condições insalubres de vida e pela precariedade de serviços essenciais como transporte, iluminação e saneamento.

No contexto das intervenções, a mobilização da paisagem através da atuação do Estado se reveste de significativo conteúdo simbólico na reforma Carlos Sampaio, que sob muitos aspectos complementou as intervenções de Passos, responsável pela construção do novo centro republicano.

Parece evidente, durante todo o processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro, o caráter destruidor das intervenções. A negação dos aspectos culturais, sociais e naturais, resultou em uma paisagem expressivamente alterada, especialmente com o desaparecimento dos morros e os sucessivos aterros na orla, revelando ainda um projeto de cidade excludente e elitista. As classes sociais mais altas foram as principais beneficiadas, já que as reformas privilegiaram as áreas mais nobres da cidade ou com potencial de valorização, visando especialmente os interesses políticos e econômicos. A parcela mais pobre da população foi excluída, através de políticas de remoção ou da elevação do custo de vida, da valorização do solo ou pela implantação de habitações populares em áreas distantes do centro, sendo constantemente obrigada a se afastar para os subúrbios ou ocupar os morros.

A Exposição do Centenário representa, ainda, o fechamento de um ciclo, especialmente na política do país. A crise política iniciada nas eleições de 1922, que daria origem à crise militar e ao movimento tenentista, culminara com o fim da Velha República na Revolução de 1930, com a tomada do poder por Getúlio Vargas. O quadro de dirigentes do país muda e a influência política dos grupos oligárquicos é transferida para os grupos tenentistas. A partir de então, buscou-se a construção de uma nova nação, o que gera reformas em diversos setores como os de educação, saúde, finanças, administração pública e gestão urbanística.

Para a arquitetura a Exposição irá significar um momento de experimentação, no qual os anos de 1920 serão identificados como um período de transição do ecletismo para o modernismo. No urbanismo, a Exposição faz parte das grandes cirurgias e projetos urbanos, a derradeira da Velha República.

 

REFERÊNCIAS

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[1] SAMPAIO, Carlos. Obras da Prefeitura do Rio de Janeiro: 8 de junho de 1920 a 15 de novembro de 1922. Lisboa: Lumen, 1924.

[2] As informações sobre as obras foram retiradas das seguintes referências: SAMPAIO, 1924; MORALES DE LOS RIOS FILHO, 1966; INSTITUTO PEREIRA PASSOS, 2008.

[3] O engenheiro e professor André Gustavo Paulo de Frontin assumiu o cargo de prefeito da cidade do Rio de Janeiro de 23 de janeiro a 28 de julho de 1919, nomeado pelo presidente Delfim Moreira. Durante sua atuação, iniciou as obras de canalização do Rio Comprido com as duas avenidas marginais, as obras das Avenidas do Leblon, Niemeyer e da Lagoa Rodrigo de Freitas; duplicou a largura da Avenida Atlântica e refez a muralha destruída naquele ano pelo mar; deu início à abertura do túnel João Ricardo e concluiu o alargamento das ruas Senador Eusébio e Visconde de Inhaúma. (MORALES DE LOS RIOS FILHO, 1966).

[4] Reconstituído a partir de Santos (2011) e da notícia “Como foi disputada a prova clássica da Marathona” ( O Paiz, de 3 de outubro de 1922).

[5] Neste mesmo ano, foi aprovado o plano geral de arruamento e loteamento desta nova área, que teve as obras iniciadas no ano seguinte, caracterizado o interesse de exploração imobiliária. Também foram inauguradas nessa região as avenidas Pasteur e Portugal (SANTOS, 2011). 

[6] No local atualmente está o Estádio do Maracanã.

[7] RUBIO, 2007; MATIAS, 2008; LO BIANCO, 2010; MASCARENHAS, BIENENSTEIN E SÁNCHEZ, 2011; RAEDER, 2009. 

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