30/05/2019

A Gente Somos Inútil

Por Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, Escritor, Palestrante, Articulista, Colunista, Docente, Consultor de Projetos Educacionais e Gestão do Conhecimento na Educação – www.wolmer.pro.br

 

            A música Inútil gravada em 1983 e tocada pela Banda Ultraje a Rigor no ano de 1985, retrata a realidade de nossa sociedade ainda hoje. A letra por meio de uma licença poética enfatiza que “a gente não sabemos escolher presidente [..;], tem gringo pensando que nóis é indigente”.

            Interessante perceber que a música estourou na época das Diretas Já e como se passaram mais de 33 anos ela continua sendo o tema de uma sociedade que reflete o alheamento ou desinteresse pelas questões políticas.

            Ao analisarmos o ano de 1985 até 2019, perceberemos que estamos com o nosso 8º presidente e cada um teve a sua característica, que o primeiro presidente conhecido como José Sarney, representou uma frustração político-ideológica como retomada a democracia, entretanto no campo da educação, este governo garantiu o acesso à educação, visto que nas regiões mais periféricas, menos de 30% de crianças com idade escolar freqüentavam as escolas e tinha também um gritante déficit de escolas e professores, desta forma, o projeto João de Barro foi executado levando a cada canto uma escola improvisada com professores recrutados nas comunidades, principalmente na região do Maranhão.

            Em sua gestão, a nova Constituição Federal foi aprovada, e entre as conquistas, o reconhecimento da Educação como direito subjetivo de todos foi o cerne para a busca de uma educação de qualidade, já que esta idéia era muito defendida pelos escolanovistas na era Vargas.

            Outro fator relevante nesta constituição foi a providência para abertura de mais escolas e formação de professores já que o projeto João de Barro foi uma medida paliativa, o que dava força a fala de Darcy Ribeiro quando afirmava que "a coisa mais simples que tem é criar boas escolas (...) para que cada criança tenha diante dela uma professora capacitada para alfabetizá-la.".

            O governo seguinte, tendo Collor como presidente instituiu O Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania – PNAC (1990) o que propunha em reduzir em até 70% o número de analfabetos no país, e isso seria feito em 5 anos.

            Com a posse de seu vice que era Itamar Franco, foi fincada a bandeira de novas diretrizes governamentais que foram denominadas Plano Decenal de Educação para Todos, que foi efetivado de 1993 a 2003 e este Plano foi fruto de negociações com a UNESCO com o intuito de dar sequência a compromissos internacionais a serem assumidos pelo Brasil, todavia, como a política no país não é tão levada a sério pelas classes políticas, este plano não saiu do papel, pois foi apenas um método para atender as condições internacionais e obter financiamento para educação através do Banco Mundial.

            Com a posse do governo Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu-se um mecanismo de arrecadação e repasse de recursos mínimos para as escolas. Este governo reduzia as responsabilidades do MEC como instância executora e literalmente empurrava tal responsabilidade para os Estados e Municípios.[1]

            Vale lembrar que muitas Secretarias de Educação passaram a avaliar faculdades e assim, algumas receberam título de universidades. A corrupção na área da educação era o carro forte. Cursos sendo avaliados por Secretarias de Educação representadas por profissionais corruptos que davam notas máximas nas avaliações, fazendo vista grossa para alguns quesitos relevantes, ou seja, os critérios não eram os mesmos para as instituições avaliadas. O que falava mais alto era o preço disposto a pagar no poder da canetada, e isso foi tudo reflexo da descentralização, abrindo desta forma um abismo entre a qualidade do ensino superior de uma instituição privada e uma pública.

            Na Gestão de Luis Inácio conhecido como Lula  houve um grande investimento na Educação, e este investimento representava 75% dos royalties da exploração do petróleo, e nesta gestão foi reforçado o compromisso com as crianças.

            Vale lembrar que neste período, o Brasil foi o país que mais aumentou o investimento público no setor educacional de acordo com o relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[2].

Nos governos Lula/Dilma o Programa de Acesso a Educação Superior teve seu revés eclodindo assim a ambigüidade que de acordo com Marques,; Ximenes e Ugino (2018), ela se caracterizou pela demanda por cursos superiores sem precedentes e em contrapartida um expressivo domínio de instituições superiores no setor privado e com baixa qualidade na oferta educacional, visando assim apenas os lucros com tais investimentos do governo para as pessoas autodeclaradas negras, pardas e indígenas e de baixa renda[3]..

No governo Temer começam os ataques à educação, propondo 40% do ensino médio à distância e “derrubando a portaria que definia o investimento de cerca de R$ 50 bilhões por ano em melhorias nas condições de ensino por todo o país”[4] e empurrando consequentemente a Emenda Constitucional 95, que limita por 20 anos os gastos públicos, que terá forte impacto na educação.

E quando se imagina que as coisas não podem piorar, chega o novo governo e mostra que sim, principalmente na educação, cometendo uma estultice atrás da outra.

Desmandos na área da educação passaram a ser a palavra da vez. Ora com o seu primeiro ministro Ricardo Vélez Rodrigues ora com o atual ministro Abraham Weintraub. Difícil saber quem é mais incompetente nesta pasta.

Cabe ressaltar que nenhum tem experiência com educação pública e para complicar, este último é formado em economia, isto é, nunca atuou como profissional de educação em uma escola pública.

Abraham Weintraub começou a sua gestão cometendo erros crassos como querer desconstruir a imagem do Educador Paulo Freire questionando o seu legado para educação, afirmando que os militantes da direita deveriam se “adaptar as teorias de Olavo de Carvalho para vencer os embates teóricos com os militantes de esquerda, inclusive adotando o seu jeito de falar com xingamentos”[5].

Como se não bastasse o parágrafo acima, o ministro mostra-se ser bom em falar e fazer estultices. Dentre as teorias que ele quer que nos adaptemos estão o terraplanismo que simplesmente nega o heliocentrismo levantado por astrônomo grego Aristarco de Samos no século III a.C e desenvolvida com fundamentação científica por Nicolau Copérnico (no século XVI) e Galileu Galilei (no século XVII). A simples teoria do terraplanismo põem também em queda a ideia do espaço sideral e até mesmo a lei da gravidade.

Abraham Weintraub justifica o corte de 30% para as faculdades que causam “balbúrdia” e coloca em descrédito cursos ligados a ciências humanas, como história, filosofia, sociologia, antropologia dentre outros, afinal de contas, para o então ministro, estes cursos não acrescentam em nada o desenvolvimento do país, outro erro crasso.

Interessante perceber que os absurdos são comuns para o ministro da educação, a ponto dele afirmar que o “Brasil tem doutor demais”. Esta fala foi para justificar cortes de investimentos na área de Educação e principalmente em pesquisa, ciência e tecnologia.

Percebe-se que pesquisa é o grande problema para o Brasil, a ponto do ministro Osmar Terra que representa o ministério da cidadania engavetar pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz. Instituição esta renomada e referência internacional em pesquisas da área de saúde. Uma pesquisa que custou aos cofres públicos mais de 7 milhões, o então ministro alega viés ideológico.

Ora, as pesquisas podem ser negativas para um governo que denominam pessoas que pensam como “idiotas úteis”, é o caso de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Goiás (UFG) comprovar que agrotóxico fungicida penetra além da casca da maçã. Isso pode ser uma pedra no sapato do governo já que este mesmo aprovou desde 1º de janeiro, 197 agrotóxicos, dando uma média de mais de um por dia e destes, 48% são classificados como alta ou extremamente tóxicos, considerados cancerígenos e prejudiciais a saúde humana, sem contar que tais produtos foram banidos dos EUA e da Europa.

Cabe ressaltar que o intuito deste texto não é fazer apologia a nenhuma política e/ou partido, apenas esclarecer que em termos de governos, “a gente não sabemos escolher presidente”, pois educação nunca pode ser visto como gasto, sempre como investimento, mas para quem é considerado idiota útil, para quer investir na educação já que ter massa de manobra é bem mais rentável para os desmandos?

            Podemos apontar culpados para a atual situação e os culpados foram e serão sempre os que investem em educação, pois como diz a frase, “tempos difíceis geram pessoas fortes, pessoas fortes geram tempos bons, tempos bons geram pessoas fracas e pessoas fracas geram tempos difíceis”, e politicamente somos fracos, pois estamos criando novamente uma geração de pessoas alienadas, que não sabem escolher seus representantes o que consequentemente  trarão tempos difíceis, e que venham agora os homens fortes, pois 90% da vida é o que a gente faz dela e apenas 10% é o que acontecem com a gente.

            Como diz a letra que começou todo o texto “nóis não é indigente”.

 

[3] MARQUES, Rosa Maria; XIMENES, Salomão Barros; UGINO, Camila Kimie. Governos Lula e Dilma em matéria de seguridade social e acesso à educação superior.Brazil. J. Polit. Econ.,  São Paulo ,  v. 38, n. 3, p. 526-547,  set.  2018 .   Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572018000300526&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  28  maio  2019.  http://dx.doi.org/10.1590/0101-35172018-2784.

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