27/05/2025

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS NA CONTEMPORANEIDADE: DESAFIOS, TENDÊNCIAS E PRESSUPOSTOS FORMATIVOS

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS NA CONTEMPORANEIDADE: DESAFIOS, TENDÊNCIAS E PRESSUPOSTOS FORMATIVOS

Peterson Ayres Cabelleira
Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).
São Borja, Rio Grande do Sul, Brasil.
E-mail: petersoncabelleira@hotmail.com

Resumo
O presente artigo analisa criticamente a formação de professores de Ciências na contemporaneidade, destacando seus desafios históricos e atuais, as políticas públicas envolvidas e os fundamentos epistemológicos e pedagógicos que orientam essa formação. Parte-se do pressuposto de que ensinar Ciências exige, além de domínio conceitual, uma compreensão ampliada do papel social da ciência e da educação. Assim, propõe-se uma reflexão sobre a necessidade de uma formação docente que articule conhecimentos científicos, didáticos, culturais e ético-políticos, em consonância com os princípios da alfabetização científica, da abordagem CTS-A e da educação inclusiva e crítica.

Palavras-chave: formação docente; ensino de Ciências; políticas públicas; alfabetização científica; educação crítica.

1. Introdução

A formação de professores de Ciências, em suas múltiplas interfaces com as políticas educacionais, os currículos escolares e os contextos socioculturais, tornou-se objeto de intensas discussões nas últimas décadas. Em uma sociedade marcada por avanços tecnocientíficos acelerados, crises ambientais e profundas desigualdades educacionais, os professores de Ciências têm papel decisivo na formação de cidadãos críticos e atuantes. Contudo, a formação inicial e continuada desses profissionais ainda enfrenta uma série de desafios, como a fragmentação do saber, a ausência de articulação entre teoria e prática e o enfraquecimento das políticas públicas de valorização docente (TARDIF, 2002; CARVALHO, 2012).

O objetivo deste artigo é refletir sobre os fundamentos, tensões e possibilidades da formação de professores de Ciências na contemporaneidade, considerando os marcos legais, as contribuições teóricas relevantes e as demandas da educação básica brasileira. A análise é pautada na defesa de uma formação crítica, ética e comprometida com a transformação social por meio da alfabetização científica e da pedagogia emancipatória.

2. Concepções e fundamentos da formação de professores de Ciências

A formação docente não pode ser compreendida como mera capacitação técnica, mas como um processo complexo, contínuo e situado historicamente. Tardif (2002) destaca que os saberes docentes são construídos a partir da articulação entre saberes acadêmicos, experienciais e curriculares, os quais devem ser considerados em sua pluralidade e historicidade. No caso da formação de professores de Ciências, essa complexidade se intensifica pela natureza interdisciplinar e socialmente situada do conhecimento científico.

Segundo Carvalho (2012), formar professores de Ciências requer considerar, além do domínio conceitual dos conteúdos, a compreensão dos processos de produção do conhecimento científico, sua historicidade, suas implicações éticas e políticas e sua relação com as questões sociais e ambientais. Isso implica desenvolver competências que permitam ao futuro professor atuar com criticidade, sensibilidade social e abertura ao diálogo com outras áreas do saber.

A Base Nacional Comum para a Formação de Professores (Resolução CNE/CP nº 2/2019) reforça essa perspectiva ao estabelecer que a formação docente deve promover o desenvolvimento de competências pedagógicas, científicas, comunicativas e éticas, ancoradas no compromisso com a aprendizagem dos estudantes e com a justiça social (BRASIL, 2019).

3. Desafios da formação de professores de Ciências no contexto brasileiro

No Brasil, a formação de professores de Ciências é marcada por contradições estruturais e políticas. Entre os principais desafios, destacam-se:

  • A dicotomia entre licenciatura e bacharelado, que historicamente fragmentou a formação docente e desvalorizou os cursos de licenciatura em Ciências da Natureza;

  • A ausência de articulação entre teoria e prática, especialmente nos estágios supervisionados e nas atividades de iniciação à docência (PIMENTA; LIMA, 2017);

  • A fragilidade da formação continuada, muitas vezes pautada em modelos tecnicistas e descolados da realidade escolar;

  • A precarização das condições de trabalho docente, que afeta diretamente a atratividade e a permanência na carreira;

  • As desigualdades regionais e institucionais, que dificultam o acesso a uma formação de qualidade em todo o território nacional.

Esses desafios são agravados por um cenário de desmonte de políticas públicas de valorização do magistério, como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e a Residência Pedagógica, que vêm sofrendo cortes orçamentários e instabilidades na implementação.

4. Tendências e perspectivas formativas: alfabetização científica, CTS-A e inclusão

Diante dos desafios apontados, diversas propostas vêm sendo defendidas por pesquisadores e educadores para a reconfiguração da formação docente em Ciências. Uma das mais relevantes é a alfabetização científica, entendida como a capacidade de compreender e usar o conhecimento científico para tomar decisões fundamentadas, resolver problemas e participar de debates públicos (SASSERON; CARVALHO, 2008).

Outra proposta em destaque é a abordagem Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTS-A), que propõe uma formação crítica e contextualizada, centrada na problematização dos impactos sociais e ambientais da ciência e da tecnologia. Segundo Auler e Delizoicov (2006), essa abordagem favorece a construção de currículos interdisciplinares e socialmente comprometidos, capazes de conectar os conteúdos escolares com as realidades dos estudantes.

Além disso, a educação inclusiva e a formação para a diversidade são temas centrais na contemporaneidade. Professores de Ciências precisam estar preparados para atuar com estudantes com deficiência, com diferentes repertórios culturais e realidades socioeconômicas, o que demanda práticas pedagógicas diferenciadas, acessíveis e equitativas (MANTOAN, 2006; CARVALHO, 2021).

5. Considerações finais

A formação de professores de Ciências na contemporaneidade exige um olhar atento às transformações sociais, políticas e epistemológicas que atravessam o campo educacional. Não se trata apenas de preparar professores para transmitir conteúdos científicos, mas de formar educadores críticos, comprometidos com a justiça social, com a equidade e com a democratização do conhecimento científico.

É fundamental que a formação docente seja concebida como um processo contínuo, crítico e colaborativo, que valorize os saberes da experiência, promova a reflexão pedagógica e esteja alinhada às demandas do mundo contemporâneo. Para isso, é imprescindível o fortalecimento das políticas públicas educacionais, a valorização da carreira docente e a articulação entre universidade, escola e comunidade.

Referências

AULER, D.; DELIZOICOV, D. Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA) e o Ensino de Ciências. Revista Ciência & Educação, v. 12, n. 1, p. 1-18, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº 2, de 20 de dezembro de 2019. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores para a educação básica e para a formação continuada. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 2019.

CARVALHO, A. M. P. de (Org.). A formação de professores de Ciências: desafios e alternativas. São Paulo: Cortez, 2012.

CARVALHO, R. E. M. de. Educação inclusiva: com os pingos nos “is”. 10. ed. São Paulo: Loyola, 2021.

MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.

PIMENTA, S. G.; LIMA, M. S. Estágio e docência: a relação necessária. São Paulo: Cortez, 2017.

SASSERON, L. H.; CARVALHO, A. M. P. Alfabetização científica no ensino fundamental: estruturas e dimensões para um ensino por investigação. Investigações em Ensino de Ciências, v. 13, n. 2, p. 333-352, 2008.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

 

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