04/05/2018

A Escola Partida

Nilton Bruno Tomelin

O aprofundamento do fosso produzido pela desigualdade social suscita muitos debates que atingem o viver o humano em sua ampla expressão. Se por um lado a humanidade jamais viu-se capacitada a produzir e gerar tamanha riquezas e conhecimentos, por outro, sua concentração e a incapacidade de distribuição e socialização nunca conheceram sua marca mais expressiva. Apensar da massiva produção a desigualdade distributiva relega a muitos a condição subumana de subsistir, vendo necessidades humanas básicas sendo negadas. Nega-se alimento, teto, cultura e educação. Acerca desta última a regra da subsistência é garantida por uma forma(ta)ção constituída por um treinamento em que o reflexivo tende a ser substituído pelo repetitivo, em que a dicção da palavra (oficial) é privilégio do treinador, cabendo ao treinado a reles condição de ouvinte.

Se hoje aparentemente, a autoridade para definir o que acontece ou não na escola é papel do Estado burocrata por meio de leis, decretos portarias e normativas, caminha-se para uma verdadeira anulação do poder político do estado. Há uma vinculação ou quase fusão do poder político com o poder de grandes grupos econômicos, que transformam agentes do Estado e o próprio Estado em capital imaterial. O acúmulo de poder econômico associado ao político em um reduzido número de mãos, impõe uma acentuada desigualdade que tem por consequência a condenação a um verdadeiro estado de miserabilidade há milhares de seres humanos. Mas houve um momento em que a grande massa percebeu-se confrontada com a necessidade de estabelecer uma nova “ordem”, na qual sua subserviência poderia e deveria ser questionada.

Este questionamento convertido numa mudança significativa de paradigma gerou, o que aos olhos das classes dominantes, tornou-se insuportável: ampliação da liberdade de mobilização de movimentos sociais e culturais na luta pelos direitos, dos até então treinados e submetidos à subserviência. Isto choca-se com a histórica consolidação de um sistema social acentuadamente cruel e desigual, em nome da garantia do lucro de minorias , sustentada pela manipulação da grande massa pelo monopólio da mídia empresarial. Ocorre que para a materialização e cristalização deste monopólio, é preciso treinar as pessoas à acriticidade e à submissão por meio de uma pedagogia do medo e da violência.

Não por outra razão a educação escolar é forçada a deixar de ser considerada um direito humano/social e passa a ser reconhecida como investimento em capital humano,  e passa a ser orientada por critérios do mercado (capital). A exemplo do que ocorreu na ditadura militar, onde ralizaram-se reformas desde a pré-escola até a pós-graduação, no presente não está sendo diferente, obedecendo por óbvio os mesmos princípios do capital. Todas as reformas, flagrantemente sem a participação dos principais atores do processo (alunos, professores, gestores e pais) aprofundam a ideia de uma educação bancária, expressão cunhada por Paulo Freire, e que se imaginava erradicada das pretensões de nossos dirigentes políticos/econômicos. Para minimizar o impacto desta intervenção do ponto de vista moral, criou-se a expressão e o movimento “Escola sem Partido”.

Ao contrário do que se anuncia, tal movimento assume claramente uma ideologia (toma partido), desqualificando qualquer tentativa de fazer da escola, um espaço de promoção da liberdade, da justiça e da dignidade humanas. Ao contrário, prega uma falsa neutralidade, assumindo uma postura inquisidora em relação à professores(as) que são sorrateiramente mistificados como sujeitos doutrinadores, dominadores e potencialmente ameaçadores à uma certa moral instituída. Exige-se uma gestão afeta ao denuncismo, disciplinas (e disciplina) castradoras de qualquer indício de criatividade, visto que cabe à escola, apenas transmitir saberes. O currículo torna-se apenas um acessório ao afã adestrador dos que “pensam” a nova escola.

Independentemente do resultado final de tudo isso, é óbvio e visível o quanto este momento histórico tem justificado divisões desnecessárias no interior da escola. Se antes as divergências cabiam em discussões civilizadas e próprias de um ambiente que abriga uma diversidade de ideias e concepções, agora as discussões asseveram-se em torno de que comportamento deve o(a) professor(a) adotar diante do provável denuncismo de pais, alunos e até mesmo colegas. Se antes o desafio era fortalecer argumentos, agora caminha-se para a construção de meios para camufla-los. O movimento pretende estabelecer uma “Escola Partida”, mutilada e toscamente limitada, a margem das reais demandas e necessidades para uma formação autenticamente libertadora.

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