27/02/2020

A ESCOLA NEO E A SOCIEDADE VIOLENTA: UMA RELAÇÃO POSSÍVEL

*Prof. Dr. Dênio Mágno da Cunha

Infelizmente falta-me tempo para a realização de pesquisa profunda e inquestionável sobre o tema desta pequena provocação. Peço aos leitores, caso tenham conhecimento, informem sobre esta relação hipotética entre a implantação de um modelo de escola neo-liberal e a formação de uma sociedade cada vez mais violenta e violentada. Vamos a provocação de pesquisa.

Vejo através do rádio e da televisão, uma mudança estarrecedora. Mulheres necessitando dizerem que “Não, é não”. Fico pensando sobre essa necessidade e a primeira conclusão é, do outro lado existe um indivíduo ou indivíduos que não sabem ouvir e com viver. Parece uma situação extrema da comunicação entre seres, necessariamente humanos.

Junto a esta constatação vem os fatos que vou enumerar como peças de reforço a hipótese:

  • 2006 – Institui-se a Lei Maria da Penha (11.340/2006), que caracteriza formas de violência contra a mulher: física, sexual, psicológica, moral e patrimonial.
  • 2015 - a Lei 13.104 altera o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o inclui no rol dos crimes hediondos.
  • Com uma taxa de 4,8 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a quinta posição em um ranking de 83 nações, segundo dados do Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso).
  • Ainda segundo O Mapa da Violência 2015 (Cebela/Flacso) entre 1980 e 2013, 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato. Além de grave, esse número vem aumentando – de 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino cresceu de 3.937 para 4.762, ou seja, mais de 21% na década.
  • Mais da metade dos homicídios (51,54%), segundos dados do Painel de Violência Contra Mulheres, do Senado Federal, foram cometidos contra mulheres na faixa etária entre 20 e 39 anos. 18,81%, contra mulheres com idade entre 15 e 19 anos.

Esse quadro, mesmo em um País que não se preocupa com suas estatísticas, se repete no ambiente escolar. Não quanto a violência contra a mulher, especificamente (seria muito ter tal refinamento estatístico) mas no quadro geral:

  • 2002 - Relatório da UNESCO, Violência nas Escolas” em um cenário que envolvia escolas de 14 grandes cidades brasileiras, mostrava uma escola cercada de violência e violentada em seu interior. 65% das escolas públicas eram consideradas como tendo um ambiente de insegurança e 53% das escolas particulares, da mesma forma.
  • 2013 - Levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), concluía que 12,5% dos professores ouvidos no Brasil, disseram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação dos alunos pelo menos uma vez por semana. Este era o percentual mais elevado entre 34 países pesquisados (índice médio, 3,4%).
  • 2016 – Becker & Kassouf apresentam resultado de pesquisa e apresentam a seguinte constatação:

 “As agressões interpessoais tem se tornado cada vez mais frequentes nas escolas brasileiras e, além dos danos físicos, podem ter consequências negativas sobre os resultados escolares e sobre a formação social dos alunos. Os indivíduos e as características que compõem o ambiente onde o jovem está inserido podem ter influência sobre o seu comportamento; logo, alunos em escolas com traços de violência podem também se tornar violentos”.

  • 2017 - Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva e do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), a violência contra professores e estudantes cresceu nas escolas públicas paulistas nos últimos anos. De acordo com os dados, cinco em cada 10 professores da rede (54%) já sofreram algum tipo de violência nas dependências das escolas em que lecionam. Esse número era de 51% em 2017 e de 44% em 2014.

Obviamente, não há uma relação de causa e consequência direta. Seria um absurdo afirmar que todo aluno violento na escola, será violento no ambiente social, especificamente, violento conta mulheres. No entanto, não deixa de ser preocupante observar que o aumento da violência nas duas realidades – na escola e na sociedade – ao mesmo tempo. Sem contar que este aumento da violência, estende-se a outras relações sociais, minorias oprimidas.

Se agregarmos a estes dois conjuntos de informações, o posicionamento do Brasil nos rankings internacionais da educação, podemos começar a estabelecer outra relação, mais precisa. Veja a sequência deste posicionamento de 200 a 2018[i]:

2000 e 2003 – 37ª Posição

2006 – 48ª. Posição

2009 – 53ª. Posição,

2012 – 55ª. Posição

2015 – 59ª. Posição.

2018 – 57ª. Posição.

Por mais que exista uma restrição contra estes indicadores e sua utilização, eles não deixam de ser um indicativo sobre as consequências da aderência a um padrão educacional global. Isto é, para o Brasil o efeito tem sido nefasto, tanto para as escolas quanto para a sociedade que dela emerge. Isso porque, como sabemos, os índices surgiram para atender a uma aspiração de visão globalizante de um sistema de mercado, formador de mão-de-obra para um mercado desejoso de constante expansão. E se temos uma realidade violenta, com índices de qualidade educacional baixo, a consequência é um agravamento da situação.

A solução, não resisto, é uma mudança radical, rápida no tempo, profunda no conteúdo. Mais do que provado está: o conteúdo e a forma utilitarista que a educação básica tem adotado no Brasil, não tem produzido resultados, seja no seu objetivo principal – formação de mão de obra qualificada – seja na formação do aluno crítico, conscientemente crítico a respeito de sua evolução e de seu papel social. Estamos perdendo tempo. Ao invés de ficar tentando sair da posição 57, melhor assumir a primeira posição em formação humana, criativa e evolutiva de nosso aluno. Ficar marcando passo nessa competição mundial é assinar o atestado de subserviência nacional aos interesses de dominação internacional. Os diversos ministros que comandaram a educação nos últimos anos, apenas ocuparam cargos administrativos, preocupando-se eminentemente na atuação fiscalizadora dos processos de avaliação, não propuseram nada de novo que mudasse o panorama educacional brasileiro. Foram seres inúteis, nada pessoal, apenas uma constatação diante da obra (sic) que produziram.

Os caminhos já são conhecidos e ambos, a formação técnica e a formação humana, exigem políticas educacionais de médio a longo prazo. Sem uma política defina, levando-se em conta os objetivos de nação, não avançaremos no tempo e nossos talentos continuarão voando rumo a Europa, Estados Unidos, Portugal e Canadá. Não encontram aqui, na idade adulta, um ambiente melhor do que viveram no ensino básico e médio. E como temos gerações e gerações formadas na linha abaixo da crítica, achamos que estamos bem na fotografia. A crítica a nossa situação é restrita á academia. A grande maioria da população pensa que temos uma educação de qualidade, essa também localizada, pontual.

Por fim, encerro essa provocação conclamando novamente a indicação de trabalhos acadêmicos ou não, demonstrando os danos que o nosso formato e o nosso conteúdo escolar tem causado a nossas crianças, a nossos adolescentes e aos adultos, parte deles incapazes de compreender que “não, é não” e que professor é para ser respeitado em sua nobre função de transformar o País pela educação.

*Doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba. Aluno de Pedagogia (Claretiano) e Alfabetização (Instituto Paulo Freire).

 


[i] Folha de São Paulo -Brasil é 57º do mundo em ranking de educação; veja evolução no Pisa desde 2000. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/12/brasil-e-57o-do-mundo-em-ranking-de-educacao-veja-evolucao-no-pisa-desde-2000.shtml Acesso em 24 FEV. 2020.

 

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