07/06/2022

A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA: PRINCIPIOS E DESAFIOS

RESUMO

 

O presente artigo discute a Educação Escolar Indígena, sob o âmbito da legislação brasileira, procurando diferenciar a Educação Indígena da Educação Escolar Indígena, ressaltando o valor que os saberes indígenas têm para a Educação Escolar, na contextualização e interculturalidade como formas de fomentar o resgate da cultura indígena. Destacamos o papel do legislador pátrio que buscou garantir os direitos dos indígenas a uma educação diferenciada, que garante o respeito a sua cultura, mas ao mesmo tempo, o direito a uma educação formal que lhe permita continuar a defender seus direitos e interesses. Resultado de uma longa luta dos povos indígenas, a conquista do direito a uma educação diferenciada, embora tenha avançado significativamente, muito há para ser feito.

 

Palavras-Chave: Contextualização, Interculturalidade, Saberes

 

INDIGENOUS SCHOOL EDUCATION: PRINCIPLES AND CHALLENGES

 

ABSTRACT

 

This article discusses Indigenous School Education, under the scope of Brazilian legislation, seeking to differentiate Indigenous Education from Indigenous School Education, highlighting the value that indigenous knowledge has for School Education, in context and interculturality as ways to foster the rescue of indigenous culture. We highlight the role of the native legislator who sought to guarantee the rights of indigenous people to a differentiated education, which guarantees respect for their culture, but at the same time, the right to a formal education that allows them to continue to defend their rights and interests. As a result of a long struggle by indigenous peoples, the achievement of the right to a differentiated education, although it has advanced significantly, much remains to be done.

 

Keywords: Contextualization, Interculturality, Knowledge.

 

 

EDUCACIÓN ESCOLAR INDÍGENA: PRINCIPIOS Y DESAFÍOS

 

RESUMEN

 

Este artículo discute la Educación Escolar Indígena, en el ámbito de la legislación brasileña, buscando diferenciar la Educación Indígena de la Educación Escolar Indígena, enfatizando el valor que tiene el conocimiento indígena para la Educación Escolar, en contexto e interculturalidad como formas de propiciar el rescate de la cultura indígena. Destacamos el rol del legislador nativo que buscó garantizar los derechos de los pueblos indígenas a una educación diferenciada, que garantice el respeto a su cultura, pero al mismo tiempo, el derecho a una educación formal que les permita seguir defendiendo sus derechos. e intereses. Resultado de una larga lucha de los pueblos indígenas, la conquista del derecho a una educación diferenciada, aunque ha avanzado significativamente, queda mucho por hacer.

 

Palabras-Clave: Conocimiento, Contextualización, Interculturalidad

 

INTRODUÇÃO

 

            Este texto aborda a Educação Escolar Indígena sob o âmbito da legislação brasileira, seus princípios, como se dá essa educação nas etnias do estado da Bahia, seus processos educativos, considerando a ocupação espacial no sertão nordestino, buscando refletir as questões que envolvem mais precisamente os processos educativos dos povos indígenas do sertão da Bahia.

            Os desafios que a educação brasileira tem enfrentado têm sido intensificados na última década pelas políticas públicas formuladas, que visam garantir direitos conquistados por vários grupos sociais, através de um processo de luta, e embora estejam na legislação, não são integralmente efetivados, pois ou continuam ausentes nos currículos e no cotidiano das escolas, ou quando estão, são trabalhados de forma inadequada. Assim se dá com a Lei 11.645/2008, que tornou obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio do país o ensino da cultura e história indígena (JESUS, 2016).

            Para melhor compreensão do tema abordado neste estudo, adotaremos o conceito de Educação Escolar Indígena proposto por Luciano (2006), tendo seu foco nos processos de transmissão e produção dos conhecimentos não-indígenas e indígenas a escola, sendo esta um espaço que foi e é apropriado pelos povos indígenas com o objetivo de reforçar seus saberes e práticas, além de facilitar a apropriação e apreensão de conhecimentos necessários que possam contribuir para responder às demandas geradas a partir do contato com outras culturas indígenas e com a sociedade não indígena.

Temos como princípios norteadores da Educação Escolar Indígena, garantidos pela Constituição Federal de 1988 e regulamentados pelo Comitê Nacional de Educação Escolar Indígena, através do documento, Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, lançado pelo Ministério da Educação em 1993, o qual “estabelece, como princípios do trabalho pedagógico em comunidades indígenas, o respeito às diferenças, a produção coletiva de conhecimentos, a interculturalidade, a utilização das línguas maternas, a autonomia” (BONIN, 2012), princípios esses que buscam construir e fornecer instrumentos de fortalecimento de culturas únicas e para formação do cidadão indígena brasileiro.

Assim, este artigo tem como objetivo principal, discutir e diferenciar a Educação Escolar Indígena da Educação Escolar não indígena, com ênfase nos princípios que norteiam a EEI, a partir da reflexão das leis que asseguram o direito a uma Educação Escolar Indígena, diferenciada, intercultural, formativa e construtora de espaços de empoderamento dos povos tradicionais no sertão baiano.

 

1 EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO INDÍGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

                 

Para adentrarmos mais especificamente nas discussões sobre a Educação Escolar Indígena, cumpre-nos fazer uma breve diferenciação entre a Educação, a Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena. Segundo Luciano (2006), a Educação é definida:

 

“...como o conjunto dos processos envolvidos na socialização dos indivíduos, correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer sistema cultural de um povo, englobando mecanismos que visam à sua reprodução, perpetuação e/ou mudança.” 

                             

Nessa mesma esteira de pensamento, Werneck (2004), afirma que em sentido lato, admite-se a educação “como qualquer processo de desenvolvimento humano, no aspecto físico ou no psíquico, na sensibilidade, na racionalidade ou na vontade, enquanto no sentido restrito, seria definido como o processo de apreensão e hierarquização de valores de modo próprio e adequado à realização do homem enquanto pessoa e enquanto personalidade.

A Educação Indígena, só é praticada e vivenciada pelos índios, em sua maneira e local onde vivem, sendo uma educação bem mais abrangente do que ocorre no contexto escolar, pois é composta de processos educativos não formais, proveniente das relações socioculturais históricas, vivenciadas de geração em geração entre grupos e indivíduos indígenas (SILVA, 2015), portanto, “a educação indígena refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos indígenas.” (LUCIANO, 2006, p. 129).

De acordo com o Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação,

 

“... todos os povos indígenas, independentemente da instituição escolar, possuem mecanismos de transmissão de conhecimentos e de socialização de seus membros e que a instituição da escola é fruto histórico do contato desses povos com segmentos da sociedade nacional. Assim, é preciso distinguir claramente dois termos: educação indígena e Educação Escolar Indígena.” (BRASIL, 1999, p. 3).

 

Compreende-se dessa forma, que a Educação Escolar Indígena, por levar em consideração sua característica de interculturalidade, é aquela em que a transmissão e a produção dos conhecimentos indígenas e não indígenas é feito por meio da escola, que deve ser apropriada para reforçar os projetos socioculturais indígenas, contribuindo assim para propiciar a abertura de novos caminhos que levem a outros conhecimentos universais, que possam contribuir para uma melhor qualificação para atender as demandas geradas pelo contato com a globalização da sociedade em que está inserido (LUCIANO, 2006, p. 129).

Segundo Silva (2016), os povos indígenas e quilombolas, utilizaram-se da interculturalidade, como ferramenta pedagógica para uso no âmbito educacional, reivindicando uma educação específica e diferenciada, que tenha como principal característica o respeito à integridade das suas diferentes identidades, crenças valores e tradições, resultando assim numa Educação Intercultural, ou numa Educação Bilíngue para os povos indígenas.

Definida por Bergamaschi (2010), essa modalidade de ensino seria um espaço de fronteiras que estabelece um diálogo entre os saberes considerados tradicionais diferenciados e os saberes ocidentais, o que possibilitaria relações igualitárias entre os povos indígenas e a sociedade local, e porque não dizer global, já que vivemos num mundo interconectado, onde o conhecimento já não se restringe apenas as comunidades locais.

Cohn e Santana (2016), nos apresenta que, a luta dos povos indígenas pelo direito a uma educação escolar diferenciada é antiga, porém os avanços conquistados são muito recentes, vez que só a partir da Constituição Federal de 1988 é que garantias foram instituídas, resultando na edição de leis que abriram caminhos e possibilidades para que os indígenas tenham uma educação escolar específica, diferenciada, contextualizada, respeitando-se sua característica intercultural e bilíngue, assegurando-lhes ainda o direito de manter suas identidades étnicas, utilizando suas línguas maternas e seus próprios processos de aprendizagem.

Há que se considerar que até algum tempo atrás, a educação escolar era vista pelos povos indígenas do Brasil, com desconfiança e repulsa, considerando que era tida como um meio exclusivo de aculturação (LUCIANO, 2006).

Justificável receio provém dentre tantos outros, do fato da historiografia brasileira, entre os séculos XIX e XXI ter produzido um discurso sobre esses povos, perfeitamente conectado com as políticas indigenistas, especialmente no âmbito da formação do Estado Nacional, cujo objetivo era apagar a diversidade que caracteriza as variadas etnias presentes no território nacional, e afirmar uma pretensa homogeneidade (JESUS, 2016), podemos perceber que, os projetos para a Educação Indígena não atendiam a sua finalidade, fato é que,

 

“Até os anos 70, podemos identificar um projeto claro, explícito e pragmático que norteou a Educação Indígena no Brasil: catequese e socialização para a assimilação dos índios na sociedade brasileira, já que a tradição indigenista se pautava no estímulo a formas sociais e econômicas que geravam dependência e subordinação da terra e do trabalho indígena a uma lógica de acumulação. O lema era integrar, civilizar o índio, concebido como um estrato social submetido a uma condição étnica inferior, quando vistos nos moldes da cultura ocidental cristã” (KAHN; FRANCHETTO, 1994).

 

Os desafios são muitos, para que a Educação Escolar Indígena seja vista e efetivada com todas as características mencionadas anteriormente, quando ainda temos tantas críticas dos povos indígenas quanto aos processos pedagógicos adotados pela escola formal, as quais são resumidas por Luciano (2006: 134/135), como:

 

“- O modelo de ensino das escolas indígenas reproduz o sistema escolar da sociedade nacional.

- Normalmente, as diretrizes, os objetivos, os currículos e os programas são inadequados à realidade das comunidades indígenas.

- O material didático-pedagógico utilizado é insuficiente e inadequado, prejudicando as ações educativas.

- Não existe supervisão pedagógica adequada e eficaz nas escolas.

- As atividades educacionais são prejudicadas diante da dificuldade de fixar os professores nas comunidades, fato que se deve à ausência de moradias dignas, transporte e alimentação para os mesmos e falta de programas de formação de professores indígenas locais.

- O material didático e a alimentação recebidos são insuficientes e não-convenientes, e o seu fornecimento não segue uma programação sistemática.

- Devido à barreira linguística, os professores encontram dificuldades no desenvolvimento de seus trabalhos didático-pedagógicos e, consequentemente, o processo de alfabetização é prejudicado”.

           

Segundos dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), baseados nos resultados preliminares do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, a atual população brasileira soma 190.755.799 milhões de pessoas, dentre essas 817.963 são indígenas, dos quais 502.783 vivem na zona rural e 315.180 habitam as zonas urbanas brasileiras, representando 305 diferentes etnias e foram registradas no país 274 línguas indígenas (IBGE, 2010).

Este censo revelou ainda que em todos os estados da Federação, inclusive do Distrito Federal, há populações indígenas. A Funai também registra 69 referências de índios ainda não contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista (BRASIL, 2010). A Figura 01, apresenta a distribuição populacional indígena pelas regiões do Brasil.

 

Figura 01: Distribuição da população indígena nos estados federativos do Brasil.

 

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

 

Cerca de 25,5% da população indígena do Brasil se encontra no Nordeste (Quadro 01) e possui no estado da Bahia a sua segunda maior concentração.

 

 

 

 

Quadro 01: Distribuição da população indígena na região Nordeste do Brasil

Estados

População

Maranhão

       38.831

Piauí

         2.944

Ceará

       20.697

Rio Grande do Norte

         2.597

Paraíba

       25.043

Pernambuco

      60.995

Alagoas

      16.291

Sergipe

        5.221

Bahia

      60.120

 

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

 

Nesse censo, também foram avaliados os níveis educacionais básicos, a alfabetização e analfabetismo da população indígena e constatou-se que a taxa de alfabetização das pessoas indígenas de 15 anos ou mais de idade revelou-se abaixo da média nacional, situada em 90,4%, sendo que nas Terras Indígenas 32,3% ainda são analfabetos, demonstrando assim, que a expansão das políticas públicas na área de educação indígena se constitui um desafio permanente, com destaque para a população que vive nas Terras Indígenas (IBGE, 2010), conforme visualizamos com mais detalhes na Figura 02.

 

Figura 02: Distribuição percentual das pessoas indígenas de 15 anos ou mais de idade, por localização do domicílio segundo a condição de alfabetização – Brasil 2010.

 

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010.

 

Desta forma, identificamos que nas terras indígenas, de acordo com o Censo 2010, o percentual de alfabetizados de 15 anos ou mais de idade, é de 67,7%, enquanto fora de terras indígenas esse percentual sobe para 85,5%.

 

2 LEIS QUE AMPARAM A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

 

Com a promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, rompeu-se com uma política estatal indigenista de caráter integracionista e homogeneizadora, instituída desde o período colonial. Novas referências políticas e conceituais são afirmadas pelas definições presentes no seu texto, as quais serviram de alavanca em um processo histórico para os povos indígenas no Brasil, dando lugar a um novo paradigma, no qual esses povos passam a ser considerados como sujeitos de direito, reconhecendo-se a pluralidade cultural e linguística da sociedade brasileira, característica essa, tida até então, como um obstáculo para a formação e desenvolvimento do Estado-nação (CADERNO SECAD 3, 2007, p. 16) e assegurada no § 2º do artigo 210, da Carta Magna que determina o ensino fundamental regular ministrado em língua portuguesa, sendo assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem (BRASIL, 1988).

A Constituição Federal assegura ainda, na primeira parte do Art. 231 que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições...”  (BRASIL, 1988).

Segundo Bonin (2012), o significado da utilização de processos próprios de aprendizagem dos povos indígenas quando se trata de educação escolar é, que a escola terá que ser recriada em cada localidade, pois somente poderá levar em conta as maneiras próprias de educar se for incorporada e transformada pelas pedagogias indígenas, pois não existe uma educação indígena única, genérica, aplicável em qualquer contexto. O referido autor alerta que a escola precisa se abrir para as maneiras distintas de educar, bem como para as diferentes culturas indígenas, exigindo-se da instituição escolar uma nova postura diante dessas diferenças.

A Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDBEN), e atribui à União a tarefa de organizar a educação escolar indígena, assim como a responsabilidade de assegurar proteção e respeito às culturas e modelos próprios de educação indígena. Podemos observar uma nova postura do legislador, já no § 4º do art. 26 da referida lei, onde estabelece que o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia (BRASIL, 1996), reconhecendo assim, a importância dessas culturas e etnias, levando para a sala de aula, a verdadeira importância desses povos na História do Brasil.

Já no § 3º do artigo 32, da LDBEN, é assegurado às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, ressalte-se que há ainda, nessa mesma lei dois artigos que tratam especificamente da educação escolar indígena, são os artigos 78 e 79, os quais se destacam, pois trazem os objetivos para a educação escolar indígena e os meios necessários para seu cumprimento, assim está estabelecido que:

 

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I - Proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - Garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.

§ 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.

§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes objetivos:

I - Fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena;

II - Manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;

III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;

IV - Elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado.

§ 3o No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais.  Incluído pela Lei nº 12.416, de 2011 (BRASIL, 1996).

           

 

Em 2011, entrou em vigor a Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001, aprovando o Plano Nacional de Educação e dando outras providências, dando cumprimento ao estabelecido no artigo 214 da Constituição Federal, tendo como objetivo a articulação das ações do poder público em metas comuns, visando garantir o desenvolvimento de processos de educação escolar em todos os níveis, melhorando a qualidade do ensino e ampliando o acesso aos cidadãos (BONIN, 2012). Trazendo no capítulo nove, vinte e um objetivos e metas a serem cumpridos no que concerne a educação escolar indígena.

De acordo com o Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, com vigência de 10 anos, visando dar cumprimento ao estabelecido no artigo 214 da Constituição Federal, entre as diretrizes estabelecidas pela referida lei, está o inciso X, do parágrafo 2º, o qual estabelece a “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental” (BRASIL, 2014).

É nesse diapasão que Luciano (2006), ressalta:

 

Há a necessidade de formulação de cursos e de projetos específicos para indígenas que valorizem a sua cultura e o seu conhecimento, sempre articulados ao conhecimento científico não-indígena que permite o registro desses saberes por meio da produção do material didático. Esse material tem como base a realidade da região e deve estar vinculado a projetos que possam promover o desenvolvimento social, cultural, político e econômico das comunidades, apresentando alternativas sustentáveis de sobrevivência e reforçando a identidade étnica e cultural dos povos indígenas.

 

Só assim estaremos realmente promovendo o respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental. Não podemos deixar de ressaltar que não só a legislação brasileira tem buscado assegurar os direitos dos indígenas, como também há uma preocupação da comunidade internacional na garantia desses direitos, em razão disso é que a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais, foi promulgada pelo Brasil, através do Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004 (BRASIL, 2004).

            Segundo Bonin (2012), a promulgação dessa Convenção foi um importante passo na garantia dos direitos dos povos indígenas, pois colaborou para estabelecer o respeito às tradições e culturas, eliminando o viés integracionista e apontando para a necessidade de assegurar a participação indígena nas decisões do Estado Brasileiro que lhes digam respeito. Os direitos educacionais dos povos indígenas são tratados nos artigos 26 a 31 dessa Convenção, assegurando-lhes que medidas serão adotadas garantindo aos povos indígenas educação em todos os níveis, pelo menos em condições de igualdade com o restante da comunidade nacional.

            Percebe-se que há todo um arcabouço legislativo que assegura os direitos indígenas a uma educação diferenciada, contextualizada, intercultural, todavia percebe-se que há uma luta constante para que esses direitos sejam efetivamente garantidos e aplicados atendendo as necessidades e anseios dos indígenas no Brasil.

 

3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

 

            Considerando-se que a ênfase política dada pela Secad/MEC à valorização e manutenção das sociodiversidades indígenas, toma por referência os princípios e conceitos utilizados nos projetos societários e identitários construídos autonomamente por cada povo indígena para a condução de seus destinos, e definição de seu modelo de desenvolvimento (CADERNO SECAD/MEC, 2007), assim é que, podemos afirmar que a Educação Escolar Indígena, deve ser uma modalidade de ensino específica, diferenciada, bilíngue ou multilíngue, em alguns casos, como também intercultural, sendo compreendida como tal, a partir da LDBEN e das DCEEI, dentre outros, sendo, portanto, os processos de escolarização vivenciados pelos povos indígenas, respeitando-se seus espaços e vivências culturais (SILVA, 2015).

            Poderemos afirmar ainda que, a partir dessa valorização uma série de ações foram implementadas, com o objetivo de ampliar a oferta da educação básica nas áreas indígenas, com ênfase nas diretrizes de afirmação das identidades étnicas, buscando recuperar as memórias históricas, a valorização das línguas e conhecimentos dos povos indígenas, tendo sido estendidas não só para a educação básica intercultural, mas também para a formação superior de professores indígenas, ampliando assim a oferta de uma educação básica intercultural de qualidade, para isso foi de fundamental importância a reflexão e ações promovidas pelas experiências inovadoras promovidas pelas organizações de apoio aos povos indígenas e da mobilização de professores e lideranças indígenas interessadas em uma educação escolar que contribuísse para sua autonomia. (CADERNO SECAD/MEC, 2007).

            Segundo Candau (2008), Gomes (2011) e Bergamaschi (2010), nos dias atuais, pensar em educação intercultural é lançar um olhar para além das especificidades, percebendo o quanto é importante que as sociedades plurais conheçam as expressões socioculturais inerentes a essas e assim possam respeitá-las” (SILVA; SILVA, 2015).

            Portanto, o arcabouço jurídico nacional, tendo como direito fundamental e de cidadania, garante, a população indígena uma Educação Escolar Indígena Específica, Diferenciada, Intercultural e Bilíngue.

 

4 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NA BAHIA

 

            Segundo dados do governo do estado da Bahia, somente na Bahia são reconhecidas 16 etnias indígenas, vivendo cada uma dessas, de acordo com suas tradições culturais e organização social, política, econômica próprias: Atikum, Kaimbé, Kantaruré, Kariri-Xocó, Kiriri, Payayá, Pankararé, Pankarú, Pataxó Hãhãhãe, Pataxó, Truká, Tumbalalá, Tupinambá, Tuxá, Xacriabá e Xukuru-Kariri (PIB SOCIOAMBIENTAL, 2019).

            Assim como acontece com os demais Povos Indígenas do Brasil, as muitas etnias indígenas baianas passaram por um período de invisibilidade histórica, política e cultural, marcadamente durante o século XX, sob o estigma da denominação de caboclos” ou seja, categoria de assignação mestiça, deslegitimadora de qualquer pretensão de reivindicar uma especificidade étnica e cultural (ALMEIDA, 2012).

            No que concerne à Educação Escolar Indígena, o estado da Bahia, respalda sua concepção de educação enquanto processo de constituição e fortalecimento de uma educação específica, intercultural e diferenciada, respaldada pelo Território Etnoeducacional Yby Yara, nova configuração da política educacional indígena, que tem por objetivo efetivar uma educação escolar indígena de qualidade, que responda às necessidades educacionais e as especificidades socioculturais dos 16 povos da Bahia, atendidos nos 102 espaços educativos indígenas (SILVA, 2013).

            Grupioni (2006), destaca que as especificidades da formação de professores indígenas,  deve contemplar modelos de pesquisa que os levem a compreender os conhecimentos reunidos no currículo escolar à luz de seus próprios conhecimentos, possibilitando um intercâmbio entre saberes, e desta forma, se adquirirá uma qualificação do trabalho de formação de professores indígenas, bem mais valioso e mais abrangente, conferindo a pesquisa uma condição emancipatória, superando, desta forma, o mito da neutralidade científica (GUIMARÃES, 2010).

            Ainda segundo o autor, o estado da Bahia, tem adotado uma perspectiva crítica na prática da pesquisa, nos trabalhos de formação inicial e continuada dos professores indígenas, contemplando em seus programas o desenvolvimento de oficinas de pesquisas e produção de livros didáticos, o que tem resultado na publicação de livros que começam a ser adotados em suas escolas (GUIMARÃES, 2010).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            A Educação Escolar Indígena passou por muitas fases, hoje a legislação já lhes garante uma educação intercultural, onde busca-se o respeito aos seus costumes, crenças e considera a educação indígena, como meios de manutenção de seus valores, agregando o conhecimento científico e culturais fora da aldeia.

Diante de um mundo globalizado, faz-se necessário que o indígena tenha acesso a essa legislação, o que lhe garantirá meios de lutar e defender seus interesses e até mesmo a sua existência como povo, passando a uma convivência de respeito à cultura de cada um.

Diante desse contexto, podemos dizer que avançamos na garantia de direitos ao constatarmos que a temática da Educação Escolar Indígena, passa por um processo de afirmação de seus valores, suas vivências e seus conhecimentos, a qual tem sido constantemente reafirmada, especialmente nos meios acadêmicos, que cada vez mais estão imbuídos pela temática, buscando reafirmar o papel do professor indígena, nesse contexto.

 

REFERÊNCIAS

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