30/04/2018

A Dicção da Palavra e Leitura do Contexto Político

Nilton Bruno Tomelin

“La política es asunto de seres hablantes”. Com esta frase, Jean-Claude Milner inicia sua obra Por una política de los seres hablantes (2013). Esta parece ser uma constatação óbvia, porém historicamente, poucas são as vozes que efetivamente discutem política nos termos da necessária civilidade e do imenso desafio de fazer dela a arte de bem governar e por isso, palco das grandes dicções e oitivas. A grande maioria muda ou brutamente gritante, submete-se ostensivamente ao convincente discurso da minoria falante, com sua retórica de níveis elementares, mas suficiente para conduzir a massa muda e furiosa.

A ascensão de poderosos e eficientes meios midiáticos promove vozes que por séculos foram amordaçadas, e que ao saber de sua audiência, por vezes perdem os limites da civilidade. São vozes que distorcem sentidos, valores princípios e recheiam-se de incoerências e inconsistências. Vozes que rivalizam-se sem considerar a necessária oposição de argumentos. Vozes que fazem de seus oradores, sujeitos emudecidos diante da realidade, criando um verdadeiro estado fictício, onde tudo tem sua solução na execução prática e sumária de atos simplórios. São vozes que combatem violência com violência, que pregam a agressão como contra-argumento e disseminam o ódio como forma de preservação do constante Estado de tensão, em lugar da paz.

Os seres falantes, imprescindíveis para a consolidação da boa política, são os sujeitos incapazes de discutir pessoas ou fatos isolados. São os sujeitos motivados por argumentos impessoais, consolidados pela leitura de contextos e de textos. Os seres falantes são os que emprestam sua voz às causas em detrimento de seus próprios interesses. Sua dicção não é definitiva, incorrigível e inflexível, mas absolutamente aberta à reconstrução, a inovação e à transformação. São sujeitos humildes, incapazes de submeter alguém a qualquer humilhação; pacifistas e avessos a qualquer prática que fira o legítimo direito de cada um ser o que lhe parecer mais digno.

A construção de uma política de sujeitos falantes requer uma habilidade ainda maior que a de falar. A escuta é o grande combustível para a construção de uma fala aplicável ao contexto, capaz de revelar argumentos que efetivamente sejam capazes de intervir no curso da história. Porém enquanto a voz dos mais fortes (econômica e midiaticamente) fizer sucumbir a dos mais fracos, a escuta torna-se um perigoso exercício de escolhas quanto ao concordar ou minimamente duvidar do que é dito.

A leitura do contexto político é por isso um exercício de transcendência da mera escuta da dicção da palavra, constituindo-se num debate constante entre sujeitos capazes de grafar e sonorizar seus pensamentos, por vezes conflitantes. Por este exercício entende-se a construção de cenários humanos, que por vezes desumaniza e ínsita à barbárie, mas que é certamente o único caminho possível para a civilidade necessária ao convívio respeitoso entre os diferentes.

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