A Desvalorização Silenciosa: Como a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo Subverte a Titulação de Mestres e Doutores.
Ivan Carlos Zampin;
A valorização da formação acadêmica e da expertise dos professores é um pilar fundamental para a qualidade de qualquer sistema educacional. No entanto, relatos e ações recentes da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP) indicam um movimento contrário a esse princípio: a sistemática desvalorização das titulações de mestrado e doutorado no quadro do magistério, promovida em função da supervalorização de cursos internos oferecidos pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação (EFAPE). Esta política, que sutilmente reconfigura a hierarquia do conhecimento, gera sérias consequências para a carreira docente e para o próprio futuro da educação paulista. O cerne da questão reside na criação de uma "moeda paralela" de valorização profissional. Historicamente, mestres e doutores, após rigorosos processos de seleção e anos de dedicação à pesquisa, tinham seu esforço reconhecido por meio de progressões salariais e de carreira. Contudo, a SEDUC-SP tem gradualmente transferido esse reconhecimento para os cursos de formação continuada geridos internamente pela EFAPE. Estes cursos, muitas vezes de curta duração e com conteúdo alinhado às diretrizes momentâneas da secretaria, passaram a ser tratados como equivalentes ou até superiores às titulações stricto sensu. Evidências dessa política podem ser colhidas em editais recentes de promoção e de bonificação, como os vinculados ao Programa de Bonificação por Resultados (PBR). Nestes instrumentos, observa-se que a pontuação atribuída à conclusão de um curso da EFAPE pode, em alguns casos, equiparar-se ou até superar a pontuação concedida a um título de mestre ou doutor. Essa equiparação é, na prática, uma desvalorização, pois ignora a profundidade, a complexidade e a contribuição para a produção de conhecimento que um mestrado ou doutorado representa. Um relato comum entre docentes é a sensação de que "qualquer curso rápido da EFAPE vale mais no currículo do que anos de pesquisa na pós-graduação". As consequências dessa desvalorização são multifacetadas e profundamente danosas. Em primeiro lugar, desincentiva a qualificação acadêmica dos professores. Por que investir tempo, recursos e esforço intelectual em uma pós-graduação acadêmica se a secretaria valoriza mais sua própria formação de caráter tecnicista? Isso pode levar a um esvaziamento da pesquisa educacional paulista e a um afastamento das universidades, fragilizando o diálogo entre a produção científica e a prática escolar. Em segundo lugar, a política fortalece um ciclo de endogenia e controle. Os cursos da EFAPE, por serem desenhados e implementados pela própria SEDUC-SP, tendem a reforçar um pensamento único, alinhado às políticas do governo estadual, sem o contraditório e a diversidade teórica inerentes ao ambiente universitário. Isso limita a autonomia intelectual do professor e sua capacidade de crítica, transformando-o em um executor de pacotes pedagógicos em vez de um profissional reflexivo. Por fim, há um claro impacto na motivação e no moral do corpo docente. Mestres e doutores, que dedicaram parte significativa de suas vidas à especialização, veem seu conhecimento sendo tratado como secundário. Isso gera frustração, desânimo e, em última instância, pode contribuir para o afastamento dos profissionais mais qualificados da rede pública, em busca de sistemas que verdadeiramente reconheçam sua expertise. Em síntese, a estratégia da SEDUC-SP de sobrepor os cursos da EFAPE às titulações acadêmicas não é um mero ajuste na formação continuada. Trata-se de uma política que desvaloriza o conhecimento científico especializado, desestimula a qualificação de alto nível e concentra o controle sobre a atuação docente. Ao fazer isso, o Estado de São Paulo não apenas prejudica a carreira de seus professores, mas, de forma mais alarmante, compromete a qualidade e a pluralidade do ensino oferecido a milhões de estudantes. Valorizar o professor é valorizar seu conhecimento em toda a sua extensão, e não apenas aquele que convém à gestão. Ignorar essa premissa é pavimentar um caminho de mediocridade para a maior rede de ensino do país.
Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio e Gestor Escolar.
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