07/11/2025

A Desestruturação da Educação Paulista: O Cerco ao Ensino Noturno e à Educação de Jovens e Adultos.

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar e Especialista em Gestão Pública.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

 

Introdução

A atual gestão educacional paulista tem promovido uma reorganização profunda do sistema de ensino que atinge especialmente as modalidades noturnas e a Educação de Jovens e Adultos. Sob o discurso da eficiência administrativa, implementa-se na verdade um sistemático processo de exclusão educacional que penaliza trabalhadores e populações vulneráveis. Esta política representa um grave retrocesso no entendimento da educação como direito social fundamental, transformando-a em privilégio para aqueles que podem estudar no período diurno. O desmonte progressivo dessas modalidades educacionais evidencia um projeto político que nega o caráter inclusivo e reparador da escola pública. As consequências desta orientação já podem ser observadas no aumento do abandono escolar e no aprofundamento das desigualdades educacionais no estado. Trata-se de uma mudança silenciosa, porém devastadora, que condena milhares de pessoas à exclusão permanente do sistema educacional. O presente trabalho busca denunciar este processo e alertar para seus nefastos impactos sociais.

O Ataque Sistemático ao Ensino Noturno

A elevação do número mínimo de alunos para formação de turmas no período noturno ignora completamente a realidade do estudante trabalhador. Enquanto no diurno mantém-se critérios mais flexíveis, o noturno sofre com exigências que inviabilizam a manutenção de classes. Esta medida desconsidera que os estudantes noturnos são majoritariamente trabalhadores que enfrentam jornadas exaustivas antes de chegarem à escola. A política em curso demonstra profundo desprezo pelas condições concretas de vida desta população, tratando-a como número em planilhas ao invés de sujeitos de direito. O fechamento progressivo de turmas noturnas força muitos estudantes a abandonarem os estudos, já que não dispõem de alternativas viáveis para conciliar trabalho e educação. Esta realidade é particularmente cruel para os jovens trabalhadores periféricos, que veem na educação noturna sua única oportunidade de ascensão social. A escola, que deveria ser porto seguro, transforma-se em mais uma barreira a ser transposta.

O Desmonte da Educação de Jovens e Adultos

A Educação de Jovens e Adultos vive seu momento mais crítico nas últimas décadas. O aumento das exigências para abertura de turmas tem inviabilizado o acesso à educação para quem foi excluído do sistema regular na idade própria. Esta modalidade, que deveria cumprir função reparadora, transforma-se em mais um instrumento de exclusão. Os cortes atingem especialmente a população negra, periférica e de baixa renda, aprofundando desigualdades históricas que a educação deveria ajudar a superar. A EJA sempre representou uma segunda chance para aqueles que tiveram seus direitos educacionais violados na infância e adolescência. Ao dificultar o acesso a esta modalidade, o Estado paulista nega o direito à reparação histórica e condena milhares ao analfabetismo funcional. As consequências desta política excludente reverberam por gerações, perpetuando ciclos de pobreza e marginalização. O desrespeito à EJA representa o ápice do descaso com as populações mais vulneráveis.

A Judicialização como Resposta à Exclusão

A resistência a estas medidas tem encontrado no Judiciário uma trincheira de defesa dos direitos educacionais. O Ministério Público tem alertado que a política de fechamento de turmas viola frontalmente o princípio constitucional da igualdade de condições de acesso e permanência na escola. Na Assembleia Legislativa, as audiências públicas revelaram o caráter excludente destas medidas, caracterizando-as como verdadeira política de apartheid educacional que segrega os trabalhadores do direito à educação. A necessidade de judicializar o direito à educação demonstra o esvaziamento dos espaços democráticos de diálogo na gestão educacional. As vozes das comunidades escolares têm sido sistematicamente ignoradas em favor de critérios técnicos que mascaram opções políticas excludentes. A judicialização emerge como último recurso para garantir direitos fundamentais que deveriam ser assegurados pela administração pública. Este cenário revela a profunda crise de legitimidade das atuais políticas educacionais.

Os Impactos Sociais e a Perpetuação das Desigualdades

As consequências do desmonte do ensino noturno e da EJA estendem-se para muito além dos muros escolares. Pesquisas demonstram a correlação direta entre o fechamento de turmas e o aumento da evasão escolar definitiva entre jovens trabalhadores. Relatos de comunidades escolares revelam situações dramáticas de estudantes obrigados a percorrer grandes distâncias ou simplesmente abandonar os estudos pela impossibilidade de acesso a escolas noturnas. Estes dados evidenciam o aprofundamento do abismo social em um estado já marcado por profundas desigualdades. A educação noturna e a EJA sempre cumpriram importante papel na redução das desigualdades regionais, levando ensino para comunidades distantes e periferias urbanas. O desmonte destas modalidades significa o abandono destas populações à própria sorte. Os impactos econômicos também são significativos, condenando milhares à informalidade e subemprego pela falta de qualificação. O custo social desta política excludente será pago por toda a sociedade por décadas.

A Falácia do Ajuste Administrativo

A justificativa da racionalização de gastos não se sustenta quando confrontada com os números reais. A economia gerada pelo fechamento de turmas é irrisória perto do orçamento total da educação, enquanto os custos sociais são incalculáveis. O argumento da eficiência administrativa mascara uma opção política clara, a qual trata-se de privilegiar números em detrimento de pessoas, planilhas em vez de projetos de vida, métricas de custo-benefício em lugar do direito humano à educação. A suposta racionalidade técnica esconde uma visão distorcida de gestão pública que trata a educação como despesa ao invés de investimento. Os cálculos econômicos apresentados ignoram completamente os retornos sociais de longo prazo proporcionados pela educação de jovens e adultos. Esta lógica contábil desumanizada nega o princípio constitucional da educação como direito social fundamental. A falácia do ajuste revela-se, portanto, como cortina de fumaça para um projeto político de desmonte do estado social.

Considerações Finais

As atuais políticas educacionais paulistas representam um projeto de desmonte do caráter público da educação, que vem sendo implementado de forma gradual e sistemática. Ao atacar especificamente o ensino noturno e a EJA, atinge-se duplamente a população trabalhadora, ou seja: primeiro na exploração de sua força de trabalho, depois na negação de seu direito à educação. Esta orientação revela uma concepção de sociedade profundamente excludente, onde a educação deixa de ser direito para tornar-se privilégio de uma minoria. Como bem alertam especialistas, fechar turmas noturnas e da EJA significa fechar as portas da escola para quem mais precisa, aprofundando ainda mais as já graves desigualdades sociais que marcam nosso Estado. O caso paulista serve como alerta nacional sobre os riscos de políticas educacionais guiadas por critérios economicistas que desprezam a função social da escola e ignoram seu papel na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

A reconstrução da educação pública exige o enfrentamento destas políticas excludentes e a reafirmação da educação como direito de todos, em todos os períodos e modalidades. É fundamental que a sociedade se mobilize para defender uma educação verdadeiramente inclusiva e democrática, que respeite as diferentes realidades e necessidades dos estudantes. O futuro de milhares de pessoas depende da nossa capacidade de resistir a estes retrocessos e construir alternativas que garantam o pleno exercício do direito à educação. Precisamos, urgentemente, resgatar o sentido original da escola pública como espaço de acolhimento, transformação e emancipação, onde todos tenham lugar independente de sua condição social, horário de trabalho ou trajetória de vida. A defesa intransigente do ensino noturno e da EJA é, portanto, uma luta pela própria dignidade humana e por um projeto de sociedade que valorize cada cidadão em sua singularidade.

Referências

APASE. Relatório sobre o impacto do fechamento de turmas noturnas no Estado de São Paulo. São Paulo: APASE, 2023.

APEOESP. Dados sobre o fechamento de turmas no ensino noturno paulista. São Paulo: APEOESP, 2023.

CATELLI JUNIOR, R. Educação de Jovens e Adultos em São Paulo: direito ameaçado. Revista Brasileira de Educação, v. 28, 2023.

DI PIERRO, M. C. A crise da educação noturna no Estado de São Paulo. São Paulo: Editora da USP, 2023.

PONTUAL, P. O direito à educação em tempos de retrocesso. Revista Retratos da Escola, v. 17, n. 46, 2023.

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