30/03/2015

A democratização da gestão na perspectiva da avaliação institucional: caminho para uma escola inclusiva

Nilton Bruno Tomelin[1]

Patrícia Pereira Nones[2]

Resumo

O processo de democratização da gestão escolar exige ações efetivas de transformações de seu exercício. A avaliação institucional revela-se um instrumento fundamental para que a escola dialogue com a sociedade e estabeleça novos caminhos para sua participação na vida comunitária. Nesta perspectiva, a inclusão revela-se uma demanda fundamental, dada a diversidade humana que compõe a sociedade e a individualidade inerente à cada sujeito.

Palavras-chave: avaliação institucional, vida comunitária, diversidade.

 

Introdução

 

O exercício da gestão na escola pública implica em inserir vários atores no processo de decisão e execução. Esta inclusão pressupõe uma participação política e ativa em torno da qual, diferentes opções sejam avaliadas e analisadas a luz do conhecimento e do contexto crítico em que se localiza a escola.

Uma das formas de elaborar este conhecimento e de perceber este contexto é a realização da avaliação institucional com caráter diagnóstico e deliberativo, quando estabelecida de forma processual. Por esta razão a gestão da Escola de Educação Básica Frei Lucínio Korte, iniciada em 2011, estabeleceu como prática periódica, a realização de uma avaliação institucional.

A análise do contexto por meio deste instrumento ocorre de forma bimestral com questões objetivas de múltipla escolha, aplicada a alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Através de diferentes questionamentos ao longo do processo foram analisados diferentes aspectos que implicam direta e indiretamente sobre o processo educativo.

No início de 2013, estendeu-se a avaliação aos pais dos alunos que também manifestaram sua criticidade em relação à gestão da escola. Através deste instrumento foram identificados elementos que contribuem no aperfeiçoamento da compreensão da função da escola e da própria gestão. Assim será possível intervir qualitativamente no processo educativo, seja de forma direta ou indireta.

Um dos aspectos fundamentais nesta intervenção qualitativa está na necessidade legal e ética de se promover um crescente processo de inclusão dos diferentes no processo educativo. A avaliação institucional na perspectiva da gestão democrática constitui-se numa importante arena de discussão dos nuances constituintes das diferenças em sala de aula, para além dos convencionais diagnósticos técnicos de caráter clinico, que não perdem sua legitimidade, mas tornam-se mais verossímeis quando sustentados por elementos do cotidiano dos alunos.

 

 

Justificativa

 

A gestão democrática, além de uma exigência legal e institucional é também um compromisso ético e moral do gestor e sua equipe com a comunidade. É uma prerrogativa geradora de credibilidade através da qual é possível instituir uma relação de confiança a cooperação.

A avaliação institucional por sua vez, é um instrumento essencial para a consolidação da prática democrática, permitindo que o universo pesquisado possa emitir opiniões, críticas e análises. Por meio dela é possível submeter a realidade a uma análise e estabelecer parâmetros para a identificação de ações exequíveis e de impacto em relação à própria realidade.

Fazê-la processualmente permite que isto seja possível visto que num primeiro momento se compreenda o que há de real e noutro se possa desenhar o ideal. Qualquer planejamento a qualquer prazo consolida-se como conveniente e de resultados promissores se alicerçado em dados substanciais e provenientes da manifestação democrática e por isso coletiva.

O fim último de qualquer movimento avaliativo em nível institucional tem como propósito o sucesso do processo educativo tratando de questões ligadas ao processo de qualidade, diretamente ligada à inclusão e discussão dialética entre os diferentes. Um outro valor fundamental na realização desta atividade é a liberdade, visto como elemento fundamental para que os envolvidos possam proceder à avaliação de forma justa.

Exercer o direito de expressar-se livremente, respeitando o diferente e reconhecendo o diverso como algo a ser celebrado (e não apenas tolerado) é fruto da aprendizagem construída neste processo. Assim a avaliação institucional é também um instrumento de aprendizagem prática, de conceitos subjetivos e abstratos.

Outro aspecto a ser considerado, no que diz respeito ao diverso na escola (pública) é a necessidade de se compreender as variáveis que efetivamente constituem cada sujeito. Como a junção ou inexistência de certas variáveis é bastante particular, quando não individual, permite afirmar que a diversidade, que demanda uma escola inclusiva, é um fenômeno absolutamente genérico o qual não prevê exceções.

 

O contexto da pesquisa

 

A Escola de Educação Básica Frei Lucínio Korte, está situada no município de Doutor Pedrinho. Nos registros em arquivos, não há documentos que comprovem a data exata do início de funcionamento da escola. Um documento de visitas há o registro da data de 14 de setembro de 1937. Neste ano havia um professor, o senhor Karl Groni e a escola funcionava nas dependências da Igreja da comunidade católica Nossa Senhora da Glória. Após várias mudanças de denominação, em 1958 este educandário passa a se chamar Grupo Escolar “Frei Lucínio Korte”, em homenagem a um importante religioso que se destacou pelo apoio e dedicação à educação nesta região, nos primeiros anos de sua colonização.

Ao longo dos anos passou a atender a toda clientela do ensino fundamental e em 1989, com a criação do município de Doutor Pedrinho, passa a oferecer o ensino médio. Devido a ações conjuntas entre o poder público municipal e a secretaria dia de estado da educação, mantenedora oficial, o número de alunos que frequentam o ensino médio tem crescido consideravelmente.

A população local foi por muito tempo constituída predominantemente por descendentes de italianos, alemães e poloneses. Atualmente há um grande contingente de imigrantes de outras regiões do estado e por isso, uma constante variação da população local, e por conseguinte, uma ocilação qualitativa e quantitativa da clientela escolar. Segundo o IBGE em 2011, a população local é de 3644 habitantes. Na EEB Frei Lucínio Korte encontram-se matriculados 477 alunos, distribuídos em todos os anos da educação básica.

O IDH do município de Doutor Pedrinho, de acordo com o PNUD 2000 é de 8,02, sendo considerado elevado. Em relação ao IDEB, na aferição de 2011 a escola obteve pontuação 5,8 nos anos iniciais do ensino fundamental e 3,8 nos anos finais do ensino fundamental. Este é uma das preocupações da gestão da escola e que motivou a instrumentalização de uma avaliação em nível institucional. A contradição estatística entre o IDH e o IDEB e a diferença entre um nível e outro do ensino fundamental merecem uma discussão pormenorizada.

Assim, procura-se investigar neste contexto, elementos que possam ser otimizados para que a potencialidade educativa seja equiparada à potencialidade econômica. Considera-se também que dados estatísticos não respondem questões de ordem social, mas oferecem possibilidades de discussão e (re)construção de práticas institucionais.

 

Metodologia

 

O presente debate não pretende apontar responsáveis por erros passados, mas por acertos futuros. Assim o autor, gestor e articulador do processo de avaliação institucional que é objeto desta pesquisa e busca contribuir na construção de um projeto pedagógico mais eficiente.

Assim a metodologia utilização é a da pesquisa-ação pois a partir da pesquisa realizada, pretende-se intervir na realidade pesquisada. De acordo com Thiollent (2000, p. 15) “na pesquisa-ação os pesquisadores desempenham um papel ativo no equacionamento dos problemas encontrados, no acompanhamento e na avaliação das ações desencadeadas em função dos problemas”.

Partindo dos resultados encontrados na pesquisa, analisar-se-á quantitativa e qualitativamente os dados e com base em sua tabulação serão estabelecidas diretrizes para as ações da gestão e do grupo docente da instituição.

 

A pesquisa

 

O exercício da gestão de uma escola pública demanda a necessidade constante de se promover a obtenção de dados que possam oferecer um diagnóstico de seu impacto junto a comunidade. Noutra perspectiva é necessário também ao gestor que se lança ao desafio de democratizar o exercício de sua função, conhecer alguns aspectos qualitativos e quantitativos de sua comunidade de atuação. Neste sentido a avaliação institucional é um excelente instrumento, oportunizando uma percepção clara de atitudes e comportamentos da própria comunidade em relação ao espaço escolar.

Entre os anos de 2011 e 2104 realizaram-se avaliações bimestrais que apontaram demandas, mazelas e necessidades pontuais e abrangentes que serviram de alicerce para a determinação de ações da gestão. Após dois anos de sucessivas avaliações, no quarto bimestre de 2014 realizou-se uma ampla avaliação envolvendo alunos e suas respectivas famílias com vistas a apresentar dados para o planejamento de ações para os anos seguintes a serem previstas no Projeto Político Pedagógico da Escola.

A parte da avaliação objeto deste estudo foi aplicada aos alunos que a responderam anonimamente na sala de informática da escola. Para cada questão deveria ser apontada apenas uma reposta.

Para efeitos didáticos analisaremos os resultados da avaliação a partir da análise da gestão da escola. Está previsto no Projeto Político Pedagógico da instituição que a função básica da gestão escolar é promover ações em favor de um processo educativo desafiador, garantidos à professores alunos condições dignas de trabalho e aprendizagem à todos.

Gráfico 01. Fonte: o autor.

Desta forma os alunos foram questionados acerca da capacidade da equipe gestora em corresponder às expectativas previstas. Percebe-se que há, segundo as respostas (Gráfico 01) uma sintonia entre o que é projetado e o que é executado, compreendendo-se uma relação de apoio dos alunos em relação à gestão escolar.

Considerando a diversidade intrínseca à escola pública a aprovação da gestão representa o reconhecimento de que há um esforço em abarcar as diferenças como fenômeno necessário á garantia da dignidade no espaço escolar.

Gráfico 02. Fonte: o autor.

Na mesma perspectiva perguntou-se quanto a sua expectativa em relação ao desempenho dos professores. Observa-se que poucos consideram que as expectativas não foram atingidas (Gráfico 02) demonstrando o conjunto docente está efetuando um trabalho próximo ao que demanda a comunidade.

Aí cabem duas considerações: a) ou as expectativas que se apresentam são relativamente tímidas e de fácil superação b) ou há efetivamente um compromisso dos docentes em atender demandas de relativa ousadia. Porém considerando o fato de se tratar de uma escola pública o resultado destaca uma expressiva maioria de divergentes e diferentes satisfeitos com o desempenho docente.

Mas é importante reconhecer que gestores e professor são dois dos aspecto da conjuntura escolar. Assim é preciso avaliar os demais elementos que compõe o cenário escolar e assim questionou-se sobre o que temos de melhor na escola.

Gráfico 03. Fonte: o autor.

Embora em condições aquém do esperado para uma escola os alunos reconhecem os espaços físicos adequados as suas necessidades (Gráfico 03). Destaque-se que ao longo dos anos, foram desenvolvidos projetos e ações que visam melhorar estética e funcionalmente estes espaços.

Procurou-se garantir acessibilidade e revitalização a estes espaços, rompendo com estereótipos e cumprindo determinações legais. Percebe-se assim que, há da parte dos alunos, a compreensão de que o locus educativo tem um valor expressivo no contexto de sua presença na escola. Considera-se importante avaliar também o que cada aluno poderia fazer para melhorar o seu rendimento e o dos colegas.

Gráfico 04. Fonte: o autor.

Nota-se a preocupação em se aceitar a diversidade como uma realidade e uma necessidade para o espaço de aprendizagem. Cerca da metade dos alunos (Gráfico 04) considera este aspecto um ponto melhorar, visto que por questões culturais é comum que sejam estabelecidos

padrões que excluem ou sequer toleram a diferença. Nesta perspectiva a pesquisa aponta uma nova demanda a ser tratada: perceber que não há qualidades ou defeitos, mas diferenças.  Mais do que isso é fundamental que os alunos percebam que a diferença não está nos outros, mas em todos. Há que compreender que ele próprio é portador de uma identidade que exige não apenas tolerância, mas o entendimento de que ele é sujeito potencial de autoria de sua própria formação e por conseguinte de sua história.

Percebida sua avaliação em relação aos diferentes aspectos da escola e de si próprio é preciso questionar sobre a motivação de estar na escola.

 

Gráfico 05. Fonte: o autor.

A maioria expressiva das manifestações (Gráfico 05) consagram a sua presença na escola como o exercício de um direito e como tal uma garantia para melhoria de sua vida. Chama a atenção que mais de um quinto dos alunos considerarem sua presença da escola como uma obrigação ou imposição.

Este público necessita ser desafiado de forma diferenciada, afinal se lhe fosse permitido escolher, não estaria na escola.  Trata-se de um conjunto de atores escolares diferenciados que merecem uma análise mais criteriosa, especialmente num contexto de escola inclusiva a que nos debruçaremos ao longo do texto.

Por entender que a motivação para estar na escola não depende apenas dela própria, mas também do apoio e no estímulo encontrados na família questionou-se os alunos sobre a participação dos pais em sua vida escolar.

Gráfico 06. Fonte: o autor.

Segundo o que se apurou (Gráfico 06) cerca de três quartos tem em seus responsáveis, sujeitos que os acompanham diretamente no cotidiano escolar. Isto demonstra que par a família de expressiva maioria a escola não é apenas uma obrigação, mas um espaço que merece atenção e cuidado.

Esta questão merece especial atenção visto que o dever de oferecer formação (educação) não de exclusiva alçada do Estado, mas também da família. Numa perspectiva de respeito e acolhimento ao diverso, ninguém melhor que a família para compreender as particularidades de um aluno para poder auxiliar a escola na tarefa de atender a multiplicidade de demandas.

Finalmente, reconhecendo a escola como espaço de inclusão social, que alunos com dificuldades de aprendizagem e com necessidades educativas especiais, questionou-se também sobre este tema.

Gráfico 07. Fonte: o autor.

Assim os alunos puderam manifestar-se sobre o que consideram correto fazer com e pelos colegas com dificuldades na aprendizagem. Nota-se uma divisão de opiniões (Gráfico 07) até por ser uma questão a ser mais amplamente discutida com a comunidade escolar. A própria definição de dificuldade de aprendizagem merece uma discussão mais profunda junto aos alunos.

Percebe-se portanto, que o conceito de inclusão social (e escolar) ainda não está muito bem assimilado pela comunidade representada pelos alunos. Esta é uma demanda a ser vencida, visto que oportunidades diferentes devem ser oferecidas a sujeitos desiguais.  A relação entre o conjunto dos alunos e os portadores de necessidades educativas especiais merece uma atenção particular para que se possa consolidar políticas públicas com este objetivo.

 

Discussão teórica

 

A necessidade de aprimorar a gestão e seu impacto sobre a sociedade demanda um compromisso permanente de busca de saberes e informações acerca da realidade em que se situa a escola. É sem dúvida, uma tarefa de riscos, expondo-se a instituição a críticas e conflitos. Estes são fundamentais para que se possa promover um processo educativo de qualidade, refletindo na própria formação da sociedade.

 Assim, é fundamental o envolvimento direto da sociedade na definição e avaliação de objetivos, o que culmina com a reinvenção da escola.  Ângulo (2007, p. 128) afirma que

as mudanças sustentam-se em visões morais de melhora, ou seja, em valores, formas de convivência e escolhas que realizam as coletividades (e inclusive, nas omissões que realizam ativamente). Contrariar esse substrato é tentar ocultar a própria raiz da ação humana; mas assumi-lo supõe aceitar o debate e a discussão sobre o que significa, ao menos para a coletividade, para a comunidade e para a sociedade onde está situada, uma educação de qualidade.

Este debate, inclusive, é o grande objeto de atenção para a avaliação institucional na perspectiva da gestão democrática. A radicalidade da ação humana é fundamentalmente a capacidade de estabelecer críticas e construir soluções diante do que necessita ser modificado e transformado. Esta transformação prima pela melhoria do processo educativo, focando-a no aprimoramento da sua qualidade, atentando para aspectos interiores e de relevância humana, não apenas de mercado que deseja bons operários e bons consumidores.

Outro aspecto fundamental a ser considerado é o fato de que toda a mudança e transformação esperada para o contexto escolar reveste-se de um compromisso ético. Por este compromisso prioriza-se a conduta dialética no contexto da construção de uma nova proposta institucional. Neste sentido não se admite a postura maniqueísta extremista em que ignora-se o real e lança-se a instituição numa aventura rumo a futuro absolutamente desconhecido.

A gestão, por isso apresenta algumas funções extremamente relevantes e que merecem destaque: estabelecer um sentido histórico para o que se faz no contexto escolar; caminhar para uma aprendizagem significativa e emancipadora; fortalecer a unidade do processo pedagógico. A capacidade de fazer com que a comunidade se insira neste processo é que faz da gestão um espaço de reflexão e planejamento de uma escola (educação) emancipadora.

Assim, alunos, professores, famílias e gestores necessitam compartilhar reflexões que incidam diretamente sobre o processo de gestão e construção da educação que se quer efetivamente propor à comunidade. Neste sentido Sirotnick (apud Ângulo, 2007, p. 128) enfatiza que

A escola é um lugar idôneo onde os educadores podem trabalhar juntos para enfrentar situações difíceis e consolidar boas ideias no ensino. A escola é o lugar onde a reflexão crítica não é uma dialética passiva, e sim um paradigma de conhecimento e "re-conhecimento" dentro de um contexto de ação. A escola é mais do que um lugar onde se ensina a pensar criticamente: também é o lugar para pensar criticamente sobre a educação.

Entretanto este pensar crítico, não é apenas fruto de discussões acadêmicas, mas principalmente de embates entre realidade, processo e perspectiva, fruto da vivência e do entendimento do contexto. É nesta perspectiva que a avaliação institucional torna possível a prática dialética de reestabelecer um diálogo com a comunidade, visto que em decorrência de sucessivas práticas autoritárias, este instrumento foi historicamente sufocado.

Efetivamente não se propõe o descarte da teoria, mas entende-se que esta é o suporte e o gerador de uma prática mais sólida e consistente. Do contrário haveria uma prática instintiva ou meramente ativista. Esta também é uma contenda de qualidade a ser considerada, visto que atitudes e decisões referenciadas garantem legitimidade e solidez ao que se propõe.

Há também o inconveniente de que após este sufocamento, invoque-se o libertismo anárquico através do qual os oprimidos considerem-se finalmente libertos, inclusive das regras básicas de convívio. Outro caminho, oposto a este é da consolidação maçante de regras, que por temor à liberdade (de manifestação e expressão) engessem definitivamente e o processo.

Mafessoli (1997, p. 73), a este respeito adverte

Ao questionarem-se as explosões violentas, a queda brutal de impérios ou de dominações que pareciam indestrutíveis, é freqüente invocar a anarquia, a desordem ou o disfuncionamento crônico de que seriam vitimas. Por vezes é esse o caso. Mas na maior parte do tempo, a implosão resulta do excesso de ordem. [...] O excesso de leis é o signo de uma sociedade doente. A perspectiva empírica ensina-nos que um racionalismo exagerado assemelha-se ao excesso de vida do câncer: ele se desregula e desregula tudo até eliminar a vida!

Assim, a avaliação institucional necessita ser planejada de forma equilibrada, dialogada e consensual. Os extremismos serão assim, instrumentos de debate e construção dialética de um caminho viável e exequível. Novas proposições serão construídas partindo do que historicamente está posto, sem, entretanto, ignorar expectativas e perspectivas transformadoras. Numa gestão democrática este é o norte fundamental, o dialogo, o consenso, resultante da participação do coletivo, tendo como instrumento a avaliação institucional.

Os diferentes não são apenas “anormais”, mas consequência natural de processos históricos, biológicos e sociais. As pessoas tornam-se humanas e aprendem pela convivência coletiva com os diferentes. Cada qual é portanto, único, original e diverso, daí a necessidade de ouvir ao máximo uma maior quantidade possível de agentes, visto que cada qual tem uma contribuição específica à dar.

Neste sentido Lima (1997, p. 55) afirma que

Parece claro que à avaliação virá a ser conferido o estatuto de fiel da balança, de selo de garantia ou de certificado de qualidade, procurando-se desta forma repor a confiança social no sistema, entretanto perdida ou abalada e cobrindo déficit de legitimidade.

Entenda-se a conquista da qualidade como a capacidade de auto superação pressupondo uma atitude humilde e ética de aceitação do que é adverso. Desta forma o estreitamento da relação entre teoria e prática estabelecer uma nova relação de pertinência entre o que é planejado e o que é efetivamente executado.

Esta é efetivamente uma preocupação ética diante do desgaste histórico produzido pela institucionalização do autoritarismo ao longo de décadas de domínio, do sistema, por grupos avessos ao diálogo e à participação coletiva. A confiança social, a credibilidade e a legitimidade serão conquistas graduais e constantes, que necessitam de uma prática de gestão baseada numa postura democrática e numa conduta profissional (do gestor) comprometida com os resultados propostos pela relação com a sociedade. Além disso cabe ao gestor o zelo pelo cumprimento do que estabelece a legislação e pela convicção de que está prestando um serviço ao púbico.

Assim a gestão não é um exercício meramente político (partidário), mas uma intervenção profissional e subsidiada por dados e valores coletivos, concatenados às possibilidades legais e éticas. Mesmo considerando a gestão democrática como fundamento para a realização de uma constante avaliação da instituição, há que se ouvir as minorias, pois delas geralmente partem informações que, por meio da reflexão dialética, geram futuras transformações. Assim pode-se dizer, de acordo com Costa e Ventura (2005, p. 4) que a avaliação institucional é também “um processo democrático, de construção colectiva, com base no desenvolvimento das capacidades profissionais dos seus membros".

O estabelecimento de uma avaliação institucional incide sobre a decisão de critérios e temas a serem avaliados e o entendimento de que a liberdade de manifestação poderá surpreender. De certa forma o fator surpresa, gerador de incerteza é o fundamental para que as mudanças efetivamente se processem. Noutra perspectiva, no processo de elaboração da avaliação institucional, é necessário articular variáveis que intervém diretamente nos rumos a tomar.

Se o objetivo é atingir a coletividade de forma indistinta como se pressupõe pelo viés democrático, há que se conviver com a eminente probabilidade de lançar a instituição num processo de conflito. Os atores envolvidos necessitam, por sua vez, exercitar a tolerância, a flexibilização  e articulação em favor do interesse coletivo. A este respeito Santos Guerra (2003, p. 13) afirma que "É muito importante saber a que valores serve e a que pessoas beneficia".

Desta forma uma avaliação pode servir também para rechaçar anseios legítimos e legitimar práticas historicamente rechaçadas. Num exemplo clássico de discussão aventa-se a necessidade de constantemente analisar o conceito de qualidade. Numa avaliação institucional este tema é extremamente e delicado, e não pode ser restrito a um item a ser questionado. Ele permeia permanentemente o processo.

Gentili (1997, p. 115): "No campo educativo, o discurso da qualidade foi assumindo a fisionomia de uma nova retórica conservadora funcional e coerente com o feroz ataque que hoje sofrem os espaços públicos (democráticos ou potencialmente democráticos), entre eles a escola das maiorias." Graças a isso é possível dizer que em nome da qualidade, propostas irresponsáveis, são estabelecidas com a pretensão de estabelecer uma inovação, porém insurgem-se no formato conservador de estabelecer uma ordem historicamente superada.

Em nome da qualidade, por exemplo, submete-se a educação a toda sorte de ação de mídias e tecnologias sem qualquer critério social, político ou pedagógico. Omite-se a necessidade de converter estas novidades, às reais demandas educativas. Há que se conceber a escola como um espaço de efetivo pensar, transcendendo a transmissão de saberes e/ou a sistematização de informações. Qualidade portanto, é um valor essencialmente imaterial, visto como o grande anseio no contexto do resultado.

Numa avaliação institucional, o parâmetro da qualidade, é também a linha mestra de análise das respostas obtidas. Não basta saber se os alunos gostam da escola, é preciso saber se eles gostam do tempo em que estão na escola e se este elemento temporal lhe proporciona algo relevante para sua vida.

Noutra perspectiva, é essencial analisar, no âmbito da avaliação institucional, que variáveis se apresentam como relevantes. Se apenas o resultado final (aprovação, reprovação e médias alcançadas) ou se além disso, o potencial de inclusão pela garantia ao direito universal ao seu acesso. Na primeira tendência, o sucesso institucional (e sua qualidade) é facilmente mensurado pois estabelece-se uma relação quantitativa entre processo e produto.

Neste sentido a inclusão é um conceito defendido por educadores do mundo todo pois é difícil encontrar quem se oponha á convivência com ela, tanto para o desenvolvimento social e educacional como para diminuir o preconceito.

Entretanto, se o potencial de inclusão somado ao resultado final, forem considerados, lança-se a instituição a uma avaliação cujo enfoque não é a mensuração, mas a delimitação de elementos que estabeleçam uma flexível variável  qualitativa entre processo e produto. Afonso (2002, p. 54) afirma que “é provável que o desempenho organizacional e a 'qualidade' de uma escola onde predominam preocupações com a equidade e a coesão social não sejam adequadamente reconhecidos por um programa de avaliação que privilegia, ao nível da definição dos padrões de referência, a liberdade de escolha, a eficiência e a produtividade.

Neste sentido a inclusão dos alunos com deficiências, seja elas de qualquer natureza (com diagnóstico clínico ou não) depende efetivamente do processo de relações dialéticas constituídas desde o primeiro momento que o aluno estiver em contato com o âmbito escolar ou com os demais alunos.

Qualquer ser humano deve estar em contato com uma escola e com o mundo, para que possa exercer o direito de conviver com os demais classificados como “normais” ou não. Como diz Marques (1992, p. 75), “integrar significa abrir as portas da participação social a todos os indivíduos indistintamente, quer na educação regular, quer nas atividades de lazer, na cultura, na política, assim como em todos os setores da vida social”.

O papel fundamental da escola é fazer intervenções e oferecer desafios adequados ao aluno, além de valorizar suas habilidades, trabalhar sua potencialidade intelectual. Desta forma reduzem-se as limitações provocadas pela eventual deficiência, apoiando a inserção familiar, escolar e social, bem como oferecer-lhe uma adequada formação profissional, almejando seu desenvolvimento integral.

Necessita-se também compreender que o discurso da inclusão é também um recurso retórico e capaz de omitir temas altamente complexos relacionados à necessidade de inserir (e não apenas incluir) a todos no processo de aprendizagem. A inclusão é fundamentalmente uma criação social, fruto de um processo histórico seletivo do ponto de vista social e econômico e que num primeiro momento tratou da universalização do acesso e não da qualidade.

Assim, ao se propor a inserção estamos de certa forma colocando este todo o aluno numa perspectiva de igualdade de direitos e oportunidades em relação à seus pares. Com isso promove-se a autonomia, a qual será fortemente consolidada por meio de uma  avaliação institucional abrangente tratando de aspectos pedagógicos, familiares, sociais e políticos. Para Glat e Nogueira (2002, p. 27),

As políticas para a inclusão devem ser concretizadas na forma de programas de capacitação e acompanhamento contínuo, que orientem o trabalho docente na perspectiva da diminuição gradativa da exclusão escolar, o que visa a beneficiar não apenas os alunos com necessidades especiais, mas, de uma forma geral, a educação escolar como um todo.

A avaliação institucional, neste sentido contribuirá para diferentes inclusões como a de culturas, etnias e classes sociais. Como estas diferenças não são tão evidentes ou mensuradas (descritas) por laudos é importante atentar para pequenos gestos e sinais que o aluno passa, geralmente gestos estes reprimidos e tímidos. É preciso ter atenção aos alunos “quietinhos” e “tímidos” ao extremo, que pode ter sua origem em processos de exclusão por motivos culturais e ate mesmo de um abuso a sua moral.

No momento de se realizar uma avaliação institucional tudo isto deve ser considerado, pois estatisticamente é reconhecível a preocupação e até mesmo o sucesso das políticas públicas de inclusão. Assim Azevedo (2007, p. 16), afirma que "as criações sociais são sempre muito mais complexas do que os instrumentos de que dispomos para as avaliar". Embora não seja o propósito central deste escrito, a avaliação institucional demanda uma necessidade clara de se (re)construir permanentemente. Trata-se pois de um instrumento integrante do processo educativo, uma prática efetiva do instituto democrático na gestão escolar.

 

CONCLUSÃO

 

A realização de uma avaliação institucional é um exercício de renúncia á condição segura da autoridade que submete tudo e todos à sua forma de agir e pensar. É também um ato de exposição de fragilidades, limites, equívocos, acertos e transcendências. Mas não há como estabelecer uma gestão democrática sem uma permanente consciência dos fatos e de suas repercussões. E não há como tomar consciência do pensamento alheio sem dar-lhe a liberdade de manifestar-se, o que por sua vez é um excelente caminho para a emancipação.

Noutra perspectiva, a avaliação institucional de uma escola é também uma forma prática de compreender conceitos básicos de relação humana. Intencionalidade, imparcialidade, humildade, ética, são valores implícitos ao processo desde a concepção do processo até a interpretação dos resultados obtidos. No contexto da escola pública, falar em gestão democrática é por se dizer, uma redundância, pois não há como imaginar que num espaço que pertence a todos, apenas alguns decidam.

Assim o papel do gestor (diretor) é o de sistematizar e operacionalizar ações e garantir legitimidade ao processo de definição de objetivos e metas. Não será um mero executor de tarefas, mas autor de estratégias que conduzam a instituição a promover uma formação emancipadora em cada criança e adolescente.

Fomentar discussões, reflexões e ações que possam elevar a escola, a um espaço em que os seres humanos sejam forjados, não como instrumentos de um sistema, mas como seres de vontades, intenções, opções e escolhas. Um gestor que pela sua emancipação transmita a seus pares e à sua gente, a vontade de se emancipar, especialmente aos que ainda, embora imersos num mundo de consumo, ainda não tenham sido reconhecidos por sua dignidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AZEVEDO J. M. Avaliação das escolas: fundamentar modelos e operacionalizar processos. In: SEMINÁRIO AVALIAÇÃO DAS ESCOLAS: modelos e processos, 2007, Lisboa. Actas... Lisboa: Conselho Nacional de Educação, 2007.         

COSTA, J. A.; VENTURA, A. Avaliação e desenvolvimento organizacional. Infância e Educação: investigação e práticas, Lisboa, n. 7, p. 148-161, nov. 2005.         

GENTILI, P. O discurso da " qualidade" como nova retórica conservadora no campo educacional. In: GENTILI, P.; SILVA, T. T. (Org.). Neoliberalismo, qualidade total e educação. Petrópolis: Vozes, 1997.

GLAT, R.; NOGUEIRA, M. L. L. “Políticas educacionais e a formação de professores para a educação inclusiva no Brasil”. In: Revista Integração. Brasília: Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Especial, ano 14, n°24, 2002.          

LIMA, L. C. O paradigma da educação contábil: políticas educativas e perspectivas gerencialistas no ensino superior em Portugal. Revista Brasileira de Educação, Campinas, SP, n. 4, p. 43-59, jan./fev./abr. 1997.

MARQUES, Luciana Pacheco. Em busca da compreensão da problemática da família do excepcional. Rio de Janeiro, 1992.

SANTOS GUERRA, M. Uma seta no alvo: a avaliação como aprendizagem. Porto: Edições ASA, 2003.         

ANGULO, Felix R. O planejamento da qualificação da escola: o leigo graal da mudança educacional In: MURILLO, F.J.; REPISO, M. M et AL. A qualificação da escola. Um novo enfoque. Porto Alegre: Artmed, 2007.         

MAFESSOLI, M. A transfiguração do político. Petrópolis: Vozes, 1997.         

THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. Ed.: 10ª. São Paulo:Cortez: Autores Associados, 2000.

 

 

 

[1] Graduado em Ciências Biológicas (FURB), Especialista em Metodologia do Ensino de Ciências e Mídias na Educação (FURG) e Mestre em Educação (FURB).

[2] Graduada em Pedagogia (UNIASSELVI) e Especialista em Psicopedagogia ( )

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