20/11/2018

A decisão do STF que legitima a terceirização de atividade fim e sua aplicação às Instituições de Ensino Superior

O Supremo Tribunal Federal concluiu, no dia 30 de agosto de 2018, um julgamento histórico. Ao analisar o Recurso Extraordinário 958252 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 324, proferiu decisão com repercussão geral cuja tese é: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Na prática essa decisão suplanta a Súmula 331 do TST, que vedava a terceirização nas atividades-fim das empresas.

Esse julgamento, histórico, repita-se, gerou imediatamente alguns comentários no setor de educação superior que não condizem com a realidade e criou expectativas que devem ser avaliadas com cuidado.

Todavia, antes de adentrar nesse contexto particular, cabe destacar o quanto a perspectiva da economia se tornou importante para o STF. Para constatar essa relevância basta observar alguns trechos dos votos:

O ministro Celso de Melo, decano da Corte, afirmou que a controvérsia sobre a terceirização gerava redução de competitividade entre as empresas e que: “O custo da estruturação de sua atividade empresarial aumenta e, por consequência, o preço praticado no mercado de consumo também é majorado, disso resultando prejuízo para sociedade como um todo, inclusive do ponto de vista da qualidade dos produtos e serviços disponibilizados” (frase retirada do site do STF).

No mesmo sentido, o Ministro Luiz Fux ressalta a relevância da tereirização como estratégia produtiva das empresas afirmando que é garantida pela Constituição e pode ser usada para: “fazer frente às exigências dos consumidores, minimizando o risco da atividade” (Portal de notícias G1). Nesse trecho de seu voto, o Ministro, claramente, trata da potencial eficiência da terceirização como um argumento no âmbito jurídico.

Já o ministro Roberto Barroso foi mais enfático quanto a necessidade de análise econômica: “Não se trata de uma questão de atividade meio ou de atividade fim, mas de saber se é bom para a lógica do negócio que determinadas atividades sejam prestadas por terceiros. Não é direito, é economia” (frase retirada das anotações de voto do ministro, divulgadas no site Migalhas).

Em contraponto, ainda argumentando por meio de uma abordagem típica da economia, a ministra Rosa Weber afirmou: “Na atual tendência observada pela economia brasileira, a liberalização da terceirização em atividades fim, longe de interferir na curva de emprego, tenderá a nivelar por baixo nosso mercado de trabalho, expandindo a condição de precariedade hoje presente nos 26,4% de postos de trabalho terceirizados para a totalidade dos empregos formais” (Portal de notícias G1).

No mesmo site, há afirmação do Minstro Dias Tófoli, atual presidente da Corte, que poderia ser considerada como uma análise macroeconômica: “É óbvio que isso não quer dizer que nós temos que ir à precarização das relações de trabalho, nem à desproteção do trabalhador. Mas é uma realidade econômica, social que perpassa todos os países industrializados do mundo, especialmente os industrializados. E o Brasil é um eles”.

A constatação do uso de argumentos econômicos é relevante, pois demonstra a importância da abordagem jus-econômica desse tipo de problema. Porém, a ausência da menção à estudos aprofundados sobre emprego e custos empresariais em face da terceirização deve também ser destacada.

Para termos mais clareza sobre essa situação é necessário aguardar a publicação da íntegra de todos os votos, até porque a discussão exposta acima não é fato isolado. Antes do STF, as Leis 13.429 e 13.467, ambas de 2017, já haviam regulamentado o tema da terceirização por meio da modificação da Lei 6.019/1974 e essa modfificação deve ter sido apreciada pelo Supremo Tribunal.

Desde já, entretanto, é possível afirmar que o uso de opiniões eventualmente baseadas em senso comum não seria propriamente uma análise econômica válida dessa intrincada questão jurídica. Portanto, decidimos fazer esse primeiro artigo, discutindo os argumentos fundados apenas no juízo popular. Em seguida, após divulgação dos votos, analisaremos todo o quadro jurídico.

 

1. Sobre o custo da terceirização de docentes

Incialmente, para contraditar o senso comum, é interessante dizer que há no mínimo um estudo importante demonstrando que nem sempre a terceirização importa em redução de custos/salários, e que essa redução varia ao longo do tempo.

O estudo conduzido por STEIN, ZYLBERSTAJN e ZYLBERSTAJN, publicado em 2017 concluiu, por exemplo, que: “...ocupações como Telemarketing e Limpeza oferecem remunerações menores aos terceirizados. Porém, ocupações como Segurança e Vigilância apresentaram salários maiores para os empregados terceirizados. Efeitos heterogêneos também foram encontrados quando se leva em conta a dimensão temporal. O diferencial ficou mais negativo, em relação aos terceirizados, de 2007 até 2012 e, a partir de então ele foi se reduzindo”[i]. Diante dessa constatação é possível discutir se, de fato, a terceirização reduziria os custos das mantenedoras de IES.

Nesse sentido, justiça seja feita, nas anotações já divulgadas[ii] do voto do Ministro Luiz Roberto Barroso está escrito: “Terceirizar não necessariamente implica reduzir custo, mas sim buscar maior eficiência. Nos serviços de tecnologia, por exemplo, a terceirização muitas vezes ocorre com aumento de custo, mas gera resultados positivos que superam tal aumento e, por isso, o justificam.” (p. 13). Nesse texto, diversas outras alegações similares são feitas, mas à exceção do autor best seller Yuval Noah Harari, apenas um estudo do IPEA é genericamente citado.

Neste estudo[iii], ao lado de diversos textos que apontam a possibilidade de precarização das relações trabalhistas para diversas áreas, um dos artigos afirma que:

Quando focamos a análise em setores que utilizam mão de obra mais qualificada, percebemos que o fato de esse trabalhador estar ou não alocado em uma empresa terceirizadora de mão de obra pouco influencia em suas condições de trabalho: remuneração, jornada e tempo no emprego. Em alguns casos, até mesmo melhora sua remuneração, por exemplo. (REBELO et. all, p. 67 do livro citado[iv])

Isto posto, é preciso dizer que a contratação de docentes terceirizados somente seria financeiramente vantajosa para as mantenedoras de IES se o docente pudesse receber menos quando contratado por meio de uma empresa prestadora de serviços, porém essa redução salarial gera impactos que transcendem as questões jurídicas.

A priori, essa redução geraria impactos negativos porque, certamente, gerará desestímulo para o profissional e, muito provavelmente, falta de engajamento dos docentes em relação ao projeto do curso e a missão institucional.

Essa falta de estímulo e a sensação de “não pertecimento” podem ser bastante graves se somadas ao fato de que os gestores da Instituição de Ensino perderiam parte de seu poder hieráquico direto em face do professor. Afinal, como trabalhador terceirizado, o docente não pode estar subordinado aos representantes do tomador de serviços e não há sequer relação personalíssima entre ambos.

Mesmo após a Lei 6.019/1974, que é clara quanto a ausência de vínculo de empregados terceirizados com a empresa tomadora (Art. 4º-A, § 2º), deve prevalecer o princípio básico de que o contrato de trabalho é um contrato-realidade, ou seja, uma relação jurídica que se sobrepõe às formalidades. Assim, o Judiciário analisaria não apenas os contratos de terceirização, mas a relação concreta, verificando se há subordinação jurídica e vínculo personalíssimo entre o docente terceirizado e a mantida/mantenedora de instituição de ensino, tomadora de serviços.

Na prática isso significaria que a IES e sua mantenedora não poderiam exigir, por exemplo, que um determinado docente comparecesse em um horário estabelecido e muito menos poderiam cobrar dele a entrega das notas ou a participação em eventos promovidos pela instituição. Tudo seria feito por meio da empresa prestadora de serviços.

Este impacto também já foi abordado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

No ano 2000, a Câmara de Educação Básica do CNE analisou a terceirização da oferta de disciplinas de ligua estrangeira e abordou o assunto da seguinte forma:

... Não é a relação trabalhista que determina a coerência de objetivos e de práticas educacionais e sim a elaboração de uma proposta pedagógica que os garantam.

O controle da qualidade dos planejamentos e das aulas que serão dadas aos alunos deve ser feito sempre. Impõe-se em relação aos professores pertencentes ao quadro de funcionários da instituição, que não devem, só por esse motivo, ficar confinados na sua sala de aula, sem relacionar-se com a proposta da escola ou sem serem supervisionados por ela. Do mesmo modo deverá ser feito caso se trate de professores ou funcionários de outra instituição com a qual a escola mantém parceria, convênio ou mesmo uma relação definida em contrato. Nesse último caso é exigência básica que esses professores “de fora” tenham a formação exigida pelo artigo 62 da Lei 9.394/96, que participem da elaboração da proposta pedagógica juntamente com os demais, ligados diretamente à instituição, e que seus planos de trabalho sejam coerentes com os princípios e o projeto pedagógico da escola.

[...] (Parecer CNE/CEB nº 32/2000)

Naquele momento, aparentemente, havia uma análise de que a terceirização, por si só, não era um problema, mas uma situação diferenciada que poderia ser gerida por mudanças no planejamento e na implementação da atividade educacional.

Anos depois, os órgãos reguladores do Sistema Federal de Educação voltaram a se manifestar sobre o assunto, desta vez por meio do MEC e da Câmara de Educação Superior. Apesar de ressalvar a possível regularidade de uma terceirização por meio de cooperativa, a Secretaria de Educação Superior do MEC expôs que: “esta Secretaria questiona sobre o real e necessário compromisso e envolvimento do corpo docente nos órgãos colegiados da Instituição e no desenvolvimento das propostas apresentadas no Plano de Desenvolvimento Institucional” (Parecer CNE/CES nº 271/2005) e diante desse posicionamento o CNE somente deferiu a autorização do curso após a faculdade se comprometer a contratar diretamente os professores.

Este novo posicionamento parece indicar que existem limites para a terceirização de docentes, pois aparentemente há uma diferença entre a terceirização de atividades mais específicas (ensino de ligua estrangeira, por exemplo) e a terceirização de todo o corpo docente.

Portanto, a efetiva redução de custos no caso da terceirização merece uma análise mais detalhada. Daí a existência de dúvida em quanto ao argumento lançado, por exemplo, pelos Ministros Celso de Mello e Luiz Fux. Além disso, cabe frisar a importância, às avessas, da afirmação de que a questão “não é direito, mas sim, economia”. Afinal, as novas relações produtivas no ambiente escolar não podem ser  analisadas apenas em face de sua viabilidade jurídica, antes de tudo, para mudar, as IES têm de se perguntar se a alteração é economicamente sustentável e viável em termos organizacionais.

[i] STEIN, ZYLBERSTAJN e ZYLBERSTAJN. Diferencial de salários da mão de obra terceirizada no Brasil. Estud. Econ.,  São Paulo ,  v. 47, n. 3, p. 587-612,  July  2017.

[iii] Terceirização do trabalho no Brasil: novas e distintas perspectivas para o debate / organizador: André Gambier Campos. – Brasília : Ipea, 2018

[iv] REBELO et. all, Terceirização: o que os dados revelam sobre remuneração, jornada e acidentes de trabalho

 

 

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