A Centralidade das Aulas Práticas, dos Laboratórios e das Metodologias Ativas na Qualidade do Ensino Superior Brasileiro.
Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Psicopedagogia Institucional.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252
A educação superior no Brasil caracteriza-se por sua diversidade de cursos, modalidades e percursos formativos. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9.394/1996, este nível de ensino abrange cursos sequenciais, de graduação, de pós-graduação e de extensão, todos organizados conforme exigências institucionais e necessidades sociais emergentes (BRASIL, 1996). Nesse cenário multifacetado, destaca-se um elemento essencial, ou seja, a necessidade de práticas pedagógicas que articulem teoria e prática, especialmente por meio de aulas em laboratório, visitas técnicas, práticas supervisionadas e metodologias ativas. A formação profissional no século XXI exige mais do que mera transmissão expositiva de conteúdos, ela demanda vivências concretas, análise crítica e autonomia intelectual.
A universidade contemporânea, muitas vezes pressionada por demandas mercadológicas, corre o risco de reduzir a formação superior a um conjunto de competências operacionais, desconectadas de um projeto social mais amplo. É nesse contexto que as aulas práticas e o uso qualificado dos laboratórios assumem um papel estratégico. Segundo Perrenoud (2002), a profissionalização docente e discente passa pelo desenvolvimento de competências complexas, o que exige situações reais ou simuladas de aprendizagem. Assim, laboratórios, oficinas e ambientes de experimentação não podem ser elementos periféricos, estes, são dimensões estruturantes dos currículos.
As Diretrizes Curriculares Nacionais reforçam essa compreensão ao destacar que o ensino superior deve promover tanto o domínio dos conhecimentos específicos quanto a capacidade de contextualizá-los, interpretá-los e aplicá-los (BRASIL, 2018). Aulas práticas bem planejadas ampliam o protagonismo dos estudantes, favorecem a investigação científica e aproximam o aluno da futura realidade profissional. Além disso, aceleram o desenvolvimento de habilidades críticas e colaborativas, essenciais em um mundo no qual a produção do conhecimento é dinâmica e multifacetada.
No âmbito das metodologias de ensino, observa-se, nas últimas décadas, uma expansão das práticas pedagógicas centradas em projetos, problemas e estudos de caso. Essa tendência, influenciada pelos trabalhos de Dewey (1959) e Freire (1996), coloca o estudante como sujeito ativo do processo de aprendizagem. No Brasil, o trabalho por projetos ganhou espaço especialmente a partir da década de 1990, alinhado às perspectivas construtivistas e socioculturais que enfatizam a aprendizagem significativa (AUSUBEL, 2000). Para que o trabalho por projetos se efetive, é necessário planejamento rigoroso que garanta investigação, colaboração e reflexão crítica, evitando a redução dessa metodologia a uma série de tarefas isoladas.
Outra dimensão essencial do ensino superior refere-se às visitas técnicas e ao estudo do meio, estratégias que extrapolam o espaço físico da sala de aula e ampliam a compreensão dos estudantes sobre os contextos reais de atuação profissional. Segundo Sacristán e Gómez (1998), a aprendizagem situada é condição fundamental para que o aluno atribua sentido ao conteúdo estudado. Visitas técnicas permitem a observação in loco de processos, tecnologias, rotinas e problemáticas reais, enriquecendo o repertório cognitivo e profissional dos discentes. Entretanto, tais atividades precisam ser rigorosamente planejadas, articuladas ao currículo e acompanhadas de momentos de reflexão, evitando que se tornem meras excursões sem valor pedagógico.
O debate sobre práticas pedagógicas eficazes no ensino superior não pode prescindir de uma análise cuidadosa da didática universitária. Diferentemente da educação básica, o ensino superior frequentemente negligencia a formação pedagógica dos docentes, muitos dos quais ingressam na docência exclusivamente por seu domínio técnico ou científico. Para Libâneo (2013), a didática universitária precisa integrar teoria e prática, articulando saberes pedagógicos, epistemológicos e metodológicos. A docência reflexiva, tal como defendida por Schön (1992), exige que o professor compreenda criticamente sua própria ação, identifique limitações e reformule práticas.
Nesse contexto, torna-se imprescindível reconhecer que métodos e estratégias didáticas não são escolhas neutras. Elas expressam concepções de educação, de sujeito e de sociedade. Freire (1996) denuncia a educação bancária como modelo autoritário que reduz o estudante à condição de receptor passivo. No ensino superior, essa lógica ainda persiste em instituições que sobrevalorizam aulas expositivas e avaliações classificatórias, ignorando a complexidade da formação humana. Assim, a seleção intencional de metodologias ativas, tecnologias digitais, práticas laboratoriais e abordagens colaborativas reflete uma concepção emancipatória de educação.
Outro eixo fundamental nessa discussão é a relação entre planejamento e avaliação. Autores como Haidt (1999), Luckesi (1995; 1996) e Vasconcellos (1999) enfatizam que avaliação é um processo contínuo, diagnóstico e formativo, indissociável do planejamento pedagógico. No ensino superior, contudo, ainda predominam práticas avaliativas classificatórias, centradas em provas tradicionais, que pouco dizem sobre o desenvolvimento real dos estudantes. Uma avaliação crítica, democrática e processual exige análise qualitativa, devolutivas frequentes e decisões pedagógicas orientadas ao aprimoramento das aprendizagens. Avaliar não significa medir e sim: compreender, intervir e transformar.
O Projeto Político-Pedagógico (PPP) das instituições de ensino superior é o documento que orienta essas práticas. Trata-se de instrumento estratégico, que, conforme Veiga (2004), deve expressar a identidade da instituição, seus princípios, metas e diretrizes. Elaborar o PPP implica compreender o contexto em que a instituição se insere, reconhecer desafios estruturais, definir caminhos e assumir um compromisso político com a formação integral do estudante. Por isso, não basta que o PPP exista formalmente, o mesmo, precisa ser vivido, avaliado e revisado continuamente, garantindo coerência entre intenção e ação.
Além disso, é imprescindível reconhecer que a aprendizagem no ensino superior não se limita aos muros da universidade. Conforme Morin (2015), a educação contemporânea deve integrar múltiplos saberes, experiências e espaços formativos. A presença de comunidades virtuais, laboratórios remotos, ambientes de simulação e redes colaborativas ampliam exponencialmente as possibilidades de aprendizagem. O desafio pedagógico é integrar essas dimensões de maneira crítica, evitando reducionismos tecnicistas ou ilusões de neutralidade tecnológica.
Neste sentido, cabe destacar que a qualidade do ensino superior brasileiro depende, de maneira decisiva, da consolidação de uma cultura institucional que valorize a prática pedagógica, estimule a inovação didática, fortaleça os laboratórios e garanta condições reais para que docentes e estudantes se desenvolvam plenamente. A universidade que pretende formar profissionais comprometidos, críticos e competentes precisa superar a fragmentação entre teoria e prática, entre ensino e pesquisa, entre planejamento e avaliação. Como afirma Freire (1996), ensinar exige rigorosidade metódica, curiosidade epistemológica e compromisso ético.
Diante disso, é possível afirmar que o fortalecimento das aulas práticas, dos laboratórios, do trabalho por projetos e de metodologias interdisciplinares representa não apenas uma exigência curricular, mas um imperativo ético e político. O ensino superior tem o dever de formar profissionais capazes de responder às demandas de uma sociedade complexa, desigual e em constante transformação. Essa tarefa exige planejamento, avaliação qualificada, compromisso institucional e, sobretudo, práticas pedagógicas que valorizem a experiência, o diálogo e a ação crítica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUSUBEL, D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano, 2000.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 21 de novembro de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 nov. 2018.
DEWEY, J. Democracia e Educação. 3. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HAIDT, R. C. C. Curso de didática geral. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999.
LIBÂNEO, J. C. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2013.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 1995.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando conceitos e recriando a prática. Salvador: Malabares Comunicação e Eventos, 1996.
MORIN, E. Ensinar a viver: manifesto para mudar a educação. Porto Alegre: Sulina, 2015.
PERRENOUD, P. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SCHÖN, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 77-91.
VASCONCELLOS, C. dos S. Avaliação: concepção dialética-libertadora do processo de avaliação escolar. São Paulo: Libertad, 1999.
VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 2004.