05/11/2020

A Afetividade Para Uma Prática Humanizadora em Sala de Aula

A AFETIVIDADE PARA UMA PRÁTICA HUMANIZADORA EM SALA DE AULA

 

Marli Maria e Silva¹

Maria Vandia Guedes Lima²

RESUMO

O artigo trata da afetividade para uma prática humanizadora em sala de aula. A escolha do tema justifica-se por buscar compreender até que ponto a afetividade pode ajudar a escola a tornar-se mais humanizada e favorecer desta forma uma aprendizagem satisfatória. Foi traçado como objetivo geral analisar a afetividade como um recurso primordial para uma prática docente mais humana por parte dos professores em sala de aula, e como objetivos específicos: identificar a afetividade como contributo essencial na relação professor-aluno e apresentar a afetividade como instrumento que direcione a escola para uma educação mais humanizada e humanizadora, ou seja, que ela tenha atitudes mais humanas e que ajude a humanizar todos aqueles que fazem parte dela. Para fundamentar esse estudo buscou-se pautar em vários teóricos como: Sabino (2012), Piccolo (2005), Chalita (2004),  Cury (2003)  e outros. A metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica. Diante das leituras  conclui-se  que os teóricos tem um olhar semelhante ao concordarem que a afetividade trabalhada na escola por meio de atividades ou estratégias que promovam as emoções e a transmissão de afeto ajudam as crianças a aprenderem com mais facilidade e tornam a escola um ambiente mais humanizado.

Palavras-chave: Afetividade. Emoção. Afeto e Humanização.

ABSTRACT

The article deals with affectivity for a humanizing practice in the classroom. The choice of the theme is justified by seeking to understand the extent to which affectivity can help the school to become more humanized and thus favor satisfactory learning. The general objective was to analyze affectivity as a primary resource for a more humane teaching practice by teachers in the classroom, and as specific objectives: to identify affectivity as an essential contribution in the teacher-student relationship and to present affectivity as an instrument that direct the school towards a more humanized and humanizing education, that is, that it has more humane attitudes and that helps to humanize all those who are part of it. To support this study, we sought to base it on several theorists such as: Sabino (2012), Piccolo (2005), Chalita (2004), Cury (2003) and others. The methodology used was bibliographic research. In view of the readings, it can be concluded that theorists have a similar look when they agree that the affectivity worked at school through activities or strategies that promote emotions and the transmission of affection help children to learn more easily and make school an environment more humanized.

Keywords: Affectivity. Emotion. Affection and Humanization.

 

 

_____________________

¹Marli Maria e Silva, concludente do Curso de Especialização em Gestão e Coordenação Escolar pela FACULDADE PLUS Arte e Educação.

² Maria Vandia Guedes Lima. Mestra em Ciências da Educação. Professora, orientadora do Artigo da FACULDADE PLUS Arte e Educação. E-mail: profavandiaguedes@gmail.com

           

1 INTRODUÇÃO

O referido artigo aborda o tema: “A afetividade para uma prática humanizadora em sala de aula”. O mesmo fundamenta-se na importância que a afetividade tem no desenvolvimento psicológico e emocional da pessoa desde a sua primeira infância, o qual marca positivamente todo o processo de aprendizagem e conhecimento do indivíduo. Por exemplo, as primeiras experiências cognitivas do bebê dão-se através do carinho e contato trocados entre ele e a sua mãe. Em sala de aula, quando a criança se sente aceita e amada pelo professor, o processo de ensino-aprendizagem torna-se mais fácil e atraente. Ao passo que quando a criança não se sente bem em sala de aula com o seu professor, a assimilação do conteúdo torna-se mais difícil.

O objetivo geral desse artigo é analisar a afetividade como um recurso primordial para uma prática docente mais humana por parte dos professores em sala de aula, e como objetivos específicos: identificar a afetividade como contributo essencial na relação professor-aluno e   apresentar a afetividade como instrumento que direcione a escola para uma educação mais humanizada e humanizadora, ou seja, que ela tenha atitudes mais humanas e que ajude a humanizar todos aqueles que fazem parte dela.

Este artigo teve como metodologia a pesquisa bibliográfica com enfoque em Sabino (2012), Piccolo (2005), Chalita (2004),  Cury (2003)  assim como outros estudiosos que descreveram suas teorias sobre a afetividade e a cognição da criança desde as suas fases de desenvolvimento até a etapa estudantil.

A partir do estudo realizado chegou-se a conclusão de que a escola precisa criar estratégias e mudar sua visão tradicional onde o conteúdo imperava para abordar ou dar ênfase a afetividade de modo a transformar a escola num ambiente mais acolhedor e humano, favorecendo assim a aprendizagem de seus alunos. 

O artigo está estruturado da seguinte maneira: introdução, referencial teórico com temas e subtemas, metodologia e considerações finais. 

  1. A AFETIVIDADE NAS RELAÇÕES HUMANAS

A vida em sociedade é marcada pelo relacionamento entre os indivíduos, ou seja, o conjunto de interações entre as pessoas ou grupos que formam uma relação, seja em família, no trabalho, na escola, na vizinhança ou em locais distintos e, uma de suas características peculiares é a afetividade, aspecto essencial da constituição do ser humano, como afirmou Sabino (2012). 

 Essa interação muitas vezes acontece de maneira natural ou através de interesses individuais, que quando contrariados, podem em alguns momentos gerar conflitos. Assim Sabino (2012, p. 81) afirma que:

A sociedade hierarquizada consequente desse sistema político-econômico, constituída por relações desiguais e regida pelo autoritarismo, demarca uma formação social em que as vozes legítimas são unilaterais. Vozes detentoras do poder da expressão em relação a outras tantas que continuam sendo silenciadas devido a relações de submissão, obediência, opressão. Essa é a concepção ocidental predominante que condiciona as formas de relações humanas dentro da nossa sociedade.   

 Portanto, para uma relação de igualdade ou equilíbrio entre os indivíduos, a afetividade pode ser uma ferramenta para auxiliar nessa dimensão da aceitação, do respeito e do altruísmo, elementos essenciais para uma boa convivência em sociedade. De acordo com Sabino (2012, p. 83), “Compreender os aspectos afetivos nas relações interpessoais pode se revelar um caminho facilitador para a humanização de todas as práticas sociais, em especial as educativas”.

Para Freire (1996), o primordial nas relações entre as pessoas, seja em âmbito familiar ou educacional é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia. Ou seja, diante dos desafios existentes nas relações precisamos estar atentos ao modo de ser da pessoa, cada ser é único e traz consigo uma gama de experiências que precisam ser valorizadas e respeitadas.  Esse é o grande desafio nas relações, saber conviver com o diferente e respeitar cada indivíduo por ser quem ele é, independente da opção sexual, status social, cor, raça ou religião.

Segundo Craig (1985), o comportamento é motivado pelos sentimentos em relação às pessoas, ou seja, nos comportamos de forma diversa, dependendo se gostamos ou não do sujeito.  

Admitindo-se que não temos razão para esconder ou reprimir nossos sentimentos, é provável – se gostamos de determinadas pessoas (sentimentos) – que convivamos e falemos com elas, confiemos e sejamos atenciosos, esforçando-nos, em geral, por fazê-las felizes. Por outro lado, se não gostamos ou estamos com raiva de determinada pessoa (sentimentos), evitamos estar com ela, falar-lhe e fazer-lhe favores; e em geral não nos esforçarmos em fazê-la feliz. Se estivermos suficientemente zangados, poderemos até mesmo feri-la. (CRAIG, 1985, p. 9).

Se os nossos sentimentos moldam os nossos comportamentos, esforcemo-nos em nutrir bons sentimentos, para que possamos ter atitudes mais respeitosas e generosas para com todos.

 

  1. Emoções, afeto e afetividade.

 

O ser humano precisa ser visto como um todo, especialmente no que se refere à sua humanidade. E nessa particularidade encontramos as emoções, o afeto e a afetividade, são áreas essenciais que fazem parte do nosso humano, talvez não saibamos definir esses termos com palavras mais “acertadas”, mas sabemos o que são por experiência própria, pois estão impregnadas no nosso ser.

Segundo Bueno (2016, p. 303), emoção é o “estado de ânimo que varia segundo as diversas situações vividas, sejam de alegria, tristeza, arrependimento, saudade, etc”. Daí, entendemos que a emoção é consequência do nosso estado de espírito por assim dizer, ou seja, do modo como estamos internamente. Ainda de acordo com o mesmo autor, Bueno (2016, p. 33), afeto significa “afeição; amizade, simpatia; paixão”.

De acordo com Capelo (2014), as emoções são facilmente expressas através de reações faciais, as quais muitas vezes são incontroláveis. Antes se falavam em seis emoções básicas, mas através de pesquisas feitas pelos cientistas escoceses, elas são na verdade quatro. Antes se tratavam de: felicidade, tristeza, medo, surpresa, raiva e nojo. Com o estudo mencionado, ficou assim: felicidade, tristeza, medo/surpresa e raiva/nojo. O que justificou essa junção? Os pesquisadores dizem que há uma diferença por razões sociais entre medo e surpresa e raiva e nojo, mas, biologicamente, essas quatro emoções são somente duas.

Conforme  Sabino (2012), a teoria walloniana diferencia as emoções por elas virem acompanhadas de alterações orgânicas: mudança de respiração, reações fisiológicas, aceleração dos batimentos cardíacos, dificuldades na digestão...

O afeto é algo inerente ao ser humano, apesar de o vermos em animais, aquele gesto do cachorro ao balançar o rabo quando vê o seu dono ou o gatinho que lambe ou fica se enroscando nas pernas da pessoa querida.  Enfim, o afeto é demonstrado através de gestos ou manifestações de carinho entre as pessoas e o seu ente querido.

Os afetos possuem significados específicos que se configuram de acordo com a maneira que o sujeito os vive no seu dia a dia. Por isso Romero (2003, p. 18-19) citado em Sabino (2012, p.90), diz que o afeto pode ser:

Uma emoção – como o medo e a raiva, um sentimento – como a inveja ou a admiração, um estado de ânimo – como a angústia ou a cordialidade, estados que supõem vários afetos entrelaçados numa unidade de sentido ou uma paixão – como a paixão amorosa, ou a paixão pelo jogo, que são sentimentos, intensos e persistentes, polarizados num determinado objeto.

 

Podemos dizer que o afeto nos ajuda a agir com mais humanidade. Assim, graças a ele, podemos evidenciar as nossas emoções e sentimentos a outras pessoas e aos animais também.

O afeto ajuda aproximar as pessoas de um mesmo grupo ou não, através dele, passamos uma imagem positiva e integradora, informando que acolhemos e/ou necessitamos da presença daquela outra pessoa. Tal atitude gera confiança e amizade entre as partes, o que é fundamental para uma relação saudável

Segundo Bueno (2016, p. 33), afetividade “é a qualidade do que é afetivo; afeição; carinho”.  A afetividade pode definir o modo com que as pessoas concebem o mundo e também a forma com que elas se manifestam dentro dele.

 Muitas vezes ouvimos que os pais reproduzem em seus filhos o modo como eles foram educados pelos seus pais, ou seja, o pai ou mãe educado num ambiente repressor e de falta de carinho tende a fazer o mesmo com os seus filhos, claro que para toda regra há exceção, isso não significa que são todos os casos. Porém, todos os fatos e acontecimentos que aconteceram na vida de uma pessoa trazem memórias e experiências por toda a sua história, portanto, a presença ou ausência da afetividade determina a forma com que um indivíduo se desenvolverá. Também determina a autoestima das pessoas a partir da infância, pois quando uma criança recebe afeto dos outros consegue crescer e desenvolver com segurança e determinação.

              Para Dér (2004, p.61) citado em Sabino (2012, p.89),

A afetividade é um conceito amplo que, além de envolver um comportamento orgânico, corporal, motor e plástico, que é a emoção, apresenta também um componente cognitivo, representacional, que são os sentimentos e a paixão. [...]. A afetividade é o conjunto funcional que responde pelos estados de bem-estar e mal-estar quando o homem é atingido e afeta o mundo que o rodeia.

De fato, podem existir mal-estar e alguns transtornos devido à ausência ou pouca aceitação da afetividade, por exemplo: depressão, fobias e ansiedade. Pessoas que excluem a afetividade de sua vida ou são excluídas por ela, se tornam frias ou apáticas.

Para Romero (2003, p. 17) citado em Sabino (2012, p. 89), “a afetividade é uma dimensão da existência que abrange todas as formas que possam afetar subjetivamente o ser humano em sua relação com o mundo”. E na concepção de Sabino (2012, p. 90), a afetividade “é definida como um conjunto de emoções, sentimentos, paixões e estado de humor”.  Portanto, compreende-se que a afetividade é de extrema importância para a saúde de todo indivíduo, por influenciar o seu desenvolvimento geral, o comportamento e até o seu desenvolvimento cognitivo, pois ela está presente nos sentimentos, desejos, ações e reações,  princípios e decisões, ou seja, em todos os campos da vida.

 

  1. Concepções Teóricas da afetividade na formação da pessoa

Alguns estudiosos se destacaram por suas Teorias de Desenvolvimento que tiveram e ainda hoje têm grande relevância no campo humano. Entre esses estudiosos, destacamos Vigotski (2001) e Wallon[V1]  (2010), os quais trouxeram também inúmeros contributos da afetividade para o desenvolvimento e a formação do ser humano.

 

  1. Vygotsky

 

Lev Vygotsky (1896-1934)[1] foi um psicólogo bielo-russo que realizou diversas pesquisas na área do desenvolvimento da aprendizagem e do papel preponderante das relações sociais nesse processo, o que originou uma corrente de pensamento denominada Sócio Construtivismo.

De acordo com Vygotsky (2001) a emoção é a reação de certos estímulos que são ocorridos a partir do meio sociocultural. As emoções podem influenciar o comportamento, por exemplo, quando as palavras são ditas com sentimentos agem sobre o indivíduo de forma diferente de quando isto não acontece. Portanto, as emoções podem ser divididas em dois grupos: sentimentos positivos (coragem, felicidade, entusiasmo) e sentimentos negativos (depressão, sofrimento, medo...).

A perspectiva de Vygotsky (2001) é sempre a da dimensão social do desenvolvimento. Para ele, o ser humano constitui-se como tal na sua relação com o outro social; a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico que molda o funcionamento psicológico do homem ao longo do desenvolvimento da espécie (filogenética) e do indivíduo (ontogenética).

Vygotsky (2001) aponta para a necessidade de levar em conta a base afetivo-volitiva para poder compreender o pensamento de alguém. A afetividade também explica o funcionamento mental, porque as emoções primárias presentes no indivíduo ao nascer, com o passar do tempo, se tornam refinadas à medida que a criança se insere no meio social e adquire conhecimento.

  1. Piaget

Jean Piaget (1896-1980)[2] foi um renomado psicólogo e filósofo suíço, conhecido por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande parte de sua carreira profissional interagindo com crianças e estudando seu processo de raciocínio. Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia e Pedagogia.

Para Piaget citado em Bezerra (2000), existe um estreito paralelismo entre o desenvolvimento afetivo e o intelectual, com este último determinando as formas de cada etapa da afetividade. A afetividade, segundo o autor, é a base sobre a qual se constrói o conhecimento racional. As crianças que possuem uma boa relação afetiva são seguras, têm interesse pelo mundo que as cerca, compreendem melhor a realidade e apresentam melhor desenvolvimento intelectual. A afetividade é o impulso energético. Para Piaget, a inteligência e a afetividade são diferentes em natureza, porém elas são indissociáveis.

Segundo Bezerra (2000, p. 63),

Quanto mais complexos e mais diferenciados se tomam a formação dos conceitos e o pensamento lógico, tanto mais precisa se toma a sua adaptação à realidade e maior se toma a possibilidade de libertar-se da influência da afetividade. Por outro lado, cresce igualmente a possibilidade da influência dos engramas emocionalmente coloridos do passado e das representações emocionais centradas no futuro. Inúmeras combinações intelectuais tornam possível uma diversidade infinita de fantasias, ao mesmo tempo em que a existência de inúmeras lembranças emocionais do passado e de representações igualmente.

 

Nesse sentido, a criança aprende de acordo com a interação com o seu meio, essa interação se dá através de suas experiências emocionais do passado ou fantasia de futuro. Por exemplo, quando a criança brinca de médico ou professor, ela expressa uma experiência emotiva positiva de alguma forma com essa profissão e imagina o seu futuro.

Para Piaget, conforme Bezerra (2000), no pensamento da criança existe apenas lógica da ação, e não a lógica do pensamento, pois o pensamento egocêntrico é inconsciente. O autor ainda afirma que segundo a teoria de Piaget, o desenvolvimento do pensamento infantil passa, em linhas gerais, por uma via comuns: do altruísmo à linguagem socializada, da fabulação à lógica das relações.

  1. Wallon

Henri Paul Hyacinthe Wallon (1879-1962)[3] foi um psicólogo, filósofo, médico e político francês. Tornou-se conhecido por seu trabalho científico sobre a Psicologia do Desenvolvimento.

Segundo Wallon citado em Gratiot-Alfandéry (2010), a atividade emocional é simultaneamente social e biológica. A consciência afetiva cria no ser humano um vínculo com o ambiente social e garante o acesso ao universo simbólico da cultura – base para a atividade cognitiva.

Segundo Gratiot-Alfandéry (2010), Henri Wallon destaca que a afetividade é central na construção do conhecimento e da pessoa. Ele coloca como ponto central a emotividade, na formação do bebê e em sua interação com sua mãe, ou seja, a criança reage com expressões emotivas, por exemplo, o choro e sua mãe o atende a partir de suas percepções e valores dessa situação. Isso torna a emotividade a força que garante mobilização do adulto para atender suas necessidades.

Para Wallon, o ato motor no ser humano garante desde o início a função de expressão da afetividade (por meio dos gestos, expressões faciais e agitação corporal). Essa atividade expressiva, possibilitada pela atividade motora, regula, modula e produz estados emocionais. Bastante atento à maturação neurofisiológica da motricidade. (GRATIOT-ALFANDÉRY, 2010, p. 37).

           Segundo Gratiot-Alfandéry (2010), a teoria walloniana afirma que à afetividade concernem, as manifestações psíquicas mais precoces da criança. Ela está ligada desde o início a suas necessidades e automatismos alimentares, que são praticamente consecutivos ao nascimento. Parece difícil não vincular a ela, como expressão de mal-estar ou de bem-estar, o primeiro comportamento muscular e vocal do bebê.

Interessante perceber que nessa teoria, Wallon não considera a inteligência como o fator predominante no desenvolvimento da criança. Entretanto, o desenvolvimento acontece através de três dimensões: motora, afetiva e cognitiva que coexistem e atuam de forma integrada.

Segundo Salla, (2011, p.2),

Wallon mostra que a afetividade é expressa de três maneiras: por meio da emoção, do sentimento e da paixão. Essas manifestações surgem durante toda a vida do indivíduo. A emoção, segundo o educador, é a primeira expressão da afetividade. Ela tem uma ativação orgânica, ou seja, não é controlada pela razão. O sentimento, por sua vez, já tem um caráter mais cognitivo. Ele é a representação da sensação e surge nos momentos em que a pessoa já consegue falar sobre o que lhe afeta - ao comenta um momento de tristeza, por exemplo. Já a paixão tem como característica o autocontrole em função de um objetivo. Ela se manifesta quando o indivíduo domina o medo, por exemplo, para sair de uma situação de perigo.

 

Podemos concluir que para Wallon a afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como externas. A afetividade é um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua, juntamente com a cognição e o ato motor, no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.

 

  1. Afetividade na Escola

 

É sabido que a escola é um espaço de intervenção pedagógica onde surge o acesso do conhecimento.  Porém, ela tem priorizado a área cognitiva em detrimento à área afetiva, ou seja, sua preocupação é com a transmissão dos conteúdos e saberes teóricos, ao passo que a segunda não tem importância e nem ao menos é falada nesse ambiente. Nesse sentido, Vygotsky (2001) chama-nos a atenção para a necessidade de se refletir sobre um novo modelo de escola, em que ela seja um local que favoreça espaços para a interação, aos debates, às reflexões acerca dos conhecimentos, trocas de experiências que devem se valorizadas por todos que fazem parte da escola.

A afetividade faz parte da vida humana e a acompanha durante toda a sua existência. Nas práticas escolares, a afetividade deveria ser a mola propulsora para uma aprendizagem prazerosa, em que todos os agentes internos e externos fizessem parte da vida escolar, motivando os alunos a sentirem prazer em aprender e ver o seu crescimento integral.

A escola precisa semear disciplina, amor, afeto, carinho, respeito, alegria, unidade, responsabilidade, humanização... Desta forma, ela receberá de seus educandos esses mesmos valores ou princípios. Ela não pode pretender exigir dos alunos aquilo que ela não oferece ou ensina. Para Craig (1985, p. 11), “para canalizar o comportamento da criança de forma socialmente desejável, é preciso que se saiba criar nela tais sentimentos positivos de amor, que produzirão comportamento positivo, amoroso, e por isso não-delinquentes”.

Desse modo, se o professor pretende realizar mediações junto ao aluno, é preciso relacionar seu comportamento com uma emoção positiva, para obter o sucesso pretendido no processo de ensino-aprendizagem. Ao professor é necessário que faça não só com que o aluno apreenda e assimile o conteúdo, mas que além de tudo seja capaz de sentir o conteúdo relacionando-o às emoções. Nesse sentido, Vygotsky (2001) afirma que o professor deve preocupar-se em relacionar o novo conhecimento com a emoção, caso contrário o saber torna-se morto.

Nesse sentido, a educação deveria ser pensada, não através de suas diversas disciplinas, mas, principalmente, como meio de promover a própria vida, apropriando-se dela com as próprias mãos, pois a falta de afetividade leva à rejeição aos livros, à carência de motivação para a aprendizagem, à ausência de vontade de crescer.

            Para Sabino (2012, p. 147), “trata-se de tentar abrir espaço para uma pedagogia da afetividade no currículo de formação. Não, necessariamente, dentro do formato tradicional de ‘disciplina programática’ incluída no currículo sistematizado nas instituições de formação”.

 

  1. O perfil do professor afetivo

 

De acordo com Chalita (2004), Jesus Cristo, o maior de todos os mestres da humanidade, fez uso da pedagogia do amor. Esse foi o seu diferencial que tocou os corações mais endurecidos e deixou confusos os que se achavam sábios na época. “Ninguém foi obrigado a seguir a Cristo, não havia lista de presença nem chamada, e mesmo assim, a multidão se encantava com seus ensinamentos – ele tinha o que dizer e acreditava no que dizia, por isso foi marcante”. (p. 165)

O professor exerce uma função peculiar no processo de ensino-aprendizagem, pois é ele quem está diretamente com o aluno em sala de aula, acompanhando-o todos os dias durante o ano letivo. Direta ou indiretamente ele é o responsável pelo sucesso ou fracasso de sua turma. Nesse sentido, parte-se do princípio de que ele, na função de ensinar, deve considerar não só a transmissão de conteúdos como também a conquista do aluno, o que se dá através da construção de laços afetivos.

De acordo com Piccolo (2005), o perfil do professor afetivo compreende as seguintes características: uma pessoa bem humana, de afeto, de testemunho por seu exemplo de vida; uma pessoa que sabe acolher e ser presença animadora; uma pessoa de coração solidário e fraterno; uma pessoa de sabedoria, competente na sua matéria e atualizada; uma pessoa de espírito comunitário, de cortesia; uma pessoa de misericórdia e vigor; uma pessoa de paz e de vida interior.

            Sabino (2012), afirma que não pode haver dicotomia entre a ciência e o afeto, mas que é preciso um caminho para dialetizá-los. Portanto, os aspectos afetivos estão presentes na dinâmica da sala de aula e influenciam diretamente o processo ensino-aprendizagem.

Faz-se necessário que o professor assuma realmente seu papel de educador, revisando seu agir e reformulando suas ações, a fim de que a escola se torne um ambiente democrático, de formação de valores e de construção de saber para os alunos e professores, de acordo com a realidade sociocultural e as necessidades do ser humano.

Segundo Chalita (2004), o professor é a alma de qualquer instituição de ensino e jamais será substituído pela máquina, pois esta não é capaz de dar afeto, de passar emoção, de vibrar com a conquista do aluno.

                                                                                                                     

  1. A relação professor-aluno

 

            A intensidade das relações na escola é capaz de aproximar ou afastar o aluno do objeto de conhecimento, afetando os processos cognitivos e as relações afetivas envolvidas neles. Se for uma relação saudável aproxima, caso contrário afasta a criança da escola.

Vygotsky (2001, p. 455) fala da relação aluno-professor relacionado à afetividade em que “o mestre deve viver na comunidade escolar como parte inalienável dela e, nesse sentido, as suas relações com o aluno podem atingir tal força, transparência e elevação que não encontrarão nada igual na escola social das relações humanas”.

No entanto, é necessário ao professor ter consciência da importância das relações entre aluno-professor e a necessidade de uma prática pedagógica reflexiva que faça uso das boas relações afetivas, tornando o processo ensino-aprendizagem mais eficaz e significativo.

O papel do professor vem sofrendo alterações ao longo do tempo, Vigotski (2001)  afirma que o professor liberto da obrigação de ensinar, deve saber ainda mais, pois para ensinar é necessário saber pouco com clareza e precisão, já ocupando seu novo papel, de guiar o aluno em seu conhecimento, é necessário um saber ainda maior.

Por isso Chalita (2004, p. 174), afirma que

O professor que se busca construir é aquele que consiga, de verdade, ser um educador, que conheça o universo do educando, que tenha bom senso, que permita e proporcione o desenvolvimento da autonomia de seus alunos. Que tenha entusiasmo, paixão; que vibre com as conquistas de cada um de seus alunos, que não discrimine ninguém nem se mostre mais próximo de alguns, deixando os outros à deriva. Que seja politicamente participativo, que suas opiniões possam ter sentido para os alunos, sabendo sempre que ele é um líder que tem nas mãos a responsabilidade de conduzir um processo de crescimento humano, de formação de cidadãos, de fomento de novos líderes.

 

Em relação ao aluno, o educador deve, em primeiro lugar, conquistá-lo! Desde o primeiro dia de aula, seu principal objetivo deve ser o de conquista, buscando sempre dar atenção a todos de forma igualitária, levando em consideração que, o ser humano ainda está em formação ou em transformação. E esse ser humano é primordialmente emocional e precisa ser entusiasmado ou motivado para aprender.

 

2.4. A humanização escolar

 

         Segundo Bueno (2016, p. 436), “humanização é o ato ou efeito de humanizar e humanizar significa tornar humano; tornar tratável; tornar agradável; civilizar”. Indo pela definição desse dicionário, percebemos que a escola, enquanto ambiente educacional precisa ser um espaço humanizado em que todas as pessoas que passam por ela sintam-se bem e felizes.

                Segundo Sabino (2012), a teorização de Freire sobre um novo modo de produzir conhecimento passa pela humanização do saber, não desconsiderando a rigorosidade metodológica, mas dando ênfase ao que é próprio do humano.  Pensa-se com esta afirmação que o ensino humanizado é importante para a aquisição do conhecimento sem desconsiderar os conteúdos.

            O currículo das escolas prioriza o desenvolvimento cognitivo. A emoção humana nunca foi vista como um conhecimento a ser explorado e desenvolvido nas crianças e nos jovens. Por isso, reclama-se uma educação mais humanista.

Para Cury (2003), a educação clássica comete um grande erro ao não repassar para os alunos os responsáveis pelos conhecimentos que eles adquirem na escola. Eles estudam as disciplinas como química, filosofia ou biologia, mas não estudam os seus autores, não sabem o que eles passaram para fazerem suas descobertas. Por isso, para Cury (2003, p. 135) é preciso “humanizar o conhecimento, contar a história dos cientistas que produziram as ideias que os professores ensinam. Reconstruir o clima emocional que eles viveram enquanto pesquisavam. Relatar à ansiedade, os erros, as dificuldades e as discriminações que sofreram”.

Pensar uma educação para a humanização significa refletir e agir fundamentando-se em princípios éticos, ações políticas de intervenção e criatividade dentro da própria escola, particularmente na sala de aula através de um projeto político pedagógico inserido na realidade dos alunos e que busque alcançar os objetivos de um ensino mais humano, razão pela qual afirma Cury (2003, p. 137), “humanizar o conhecimento é fundamental para revolucionarmos a educação”.

A escola pode ser um espaço onde se ensina e aprende simultaneamente, preocupando-se com a formação integral de seus alunos e que inclua em sua visão educacional a dimensão emocional e afetiva como fundamental para o desenvolvimento de todos. Caso contrário, podemos aceitar a afirmação de Cury (2003, p. 139), que diz que a “educação  moderna está em crise, porque não é humanizada, separa o pensador do conhecimento, o professor da matéria, o aluno da escola, enfim, separa o sujeito do objeto”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS           

A afetividade para uma prática humanizadora em sala de aula, tema desse artigo, tem um importante papel na vida escolar. O que diferencia a pessoa da inteligência artificial é a sua capacidade de emocionar-se, de reconstruir o mundo e o conhecimento a partir dos laços afetivos. Tais atributos inerentes ao ser humano são necessários para que os alunos possam viver num ambiente acolhedor e humano, tornando-o feliz e responsável pelo seu processo de aprendizagem.

Os objetivos desse artigo foram alcançados, tendo em vista que se percebeu como a afetividade e a qualidade da relação professor-aluno-conhecimento são essenciais no processo de humanização e desenvolvimento dos alunos. Também foi constatado que a escola precisa estar subsidiada teoricamente em uma abordagem emocional/afetiva, bem como precisa criar mecanismos para atuar na construção de uma educação mais humanizada e humanizadora.

Nesse sentido, torna-se válido sugerir a necessidade do professor ter uma formação que possibilite a compreensão do seu papel como mediador e da importância de uma prática reflexiva em sala de aula. Assim, como a escola também precisa se reinventar para estar mais atualizada como um espaço humanizador para todos os envolvidos nesse processo.  Talvez esse seja o caminho para que se tenha uma educação de qualidade, na construção de um país mais justo e igualitário, onde todos são formados de forma integral, levando em consideração os aspectos emocionais, afetivos e humanos, não apenas a inteligência como tal.  

REFERÊNCIAS

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BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. 3ª ed. São Paulo: FTD, 2016.

CAPELO, RODRIGO. Existem apenas quatro emoções básicas, diz nova pesquisa. Disponível em https://gq.globo.com/Corpo/Saude/noticia/2014/02/existem-apenas-quatro-emocoes-basicas-diz-nova-pesquisa.html, 2014. Acessado em 06/09/2020.

CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. 17ª ed. São Paulo: Editora Gente, 2004.

CRAIG, Sidney D. Educar com amor. 3ª ed. São Paulo: Ed. Paulinas, 1985.

CURY, Augusto J. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.  25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).

GRATIOT-ALFANDÉRY, Hélène. Henri Wallon. tradução e organização: Patrícia Junqueira.  Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Editora Massangana, 2010. (Coleção Educadores).

PICCOLO, Fr. Agostinho S. Francisco de Assis: por uma pedagogia humanista. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2005.

SABINO, Simone. O afeto na prática pedagógica e na formação docente: uma presença silenciosa. São Paulo: Paulinas, 2012. (Coleção educação em foco.)

SALLA, Fernanda. O conceito de afetividade de Henri Wallon. NOVA ESCOLA Edição 246, 01 de Outubro, 2011.

VYGOTSKY L. S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

 

[1]https://www.ebiografia.com/lev_vygotsky

[2] https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/biologia/jean-piaget-biografia

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Henri_Paul_Hyacinthe_Wallon


 [V1]anos  dos  livros 

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