05/12/2025

A Afetividade na Aprendizagem: Do Vínculo Transformador ao Risco do Psicologismo Reducionista.

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Psicopedagogia Institucional.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

 

A relação entre afetividade e aprendizagem constitui um dos eixos mais consensuais e, paradoxalmente, mais mal compreendidos no campo da educação. A experiência subjetiva confirma a intuição, ou seja, aprendemos melhor com quem nos inspira confiança, acolhimento e entusiasmo, enquanto barreiras afetivas podem tornar árido até o conteúdo mais fascinante. Teorias psicológicas fundamentais, como a Teoria do Vínculo de Pichon-Rivière, oferecem substrato científico a essa percepção, ao postular que todo conhecimento se constrói na e pela relação com o outro. No entanto, a transposição acrítica desse princípio para a prática pedagógica corre um duplo risco, ou seja, o de romantizar a afetividade, transformando-a em substituto da competência didática, e o de psicologizar excessivamente o fracasso escolar, atribuindo-o a falhas na autoestima do aluno e desviando o foco das estruturas pedagógicas e sociais que o produzem. Uma análise crítica dessa interface é, portanto, necessária para evitar reducionismos e construir uma prática afetivamente sensível, porém, pedagogicamente rigorosa.

Pichon-Rivière, de fato, revolucionou a compreensão dos grupos e das aprendizagens ao introduzir o conceito de vínculo como estrutura dinâmica. Aprender não é um ato de processamento individual de informação, mas um processo dialético que ocorre em um campo relacional carregado de afetos. O professor não é um transmissor neutro e, sim, é um agente significativo com quem o aluno estabelece um vínculo que pode ser facilitador ou paralisante. Quando esse vínculo é positivo, baseado na confiança e no reconhecimento, ele opera como um “andaime” emocional que permite ao aluno arriscar-se, errar e perseverar. Na direção oposta, um vínculo marcado pelo autoritarismo, pela indiferença ou pela humilhação gera medo, retração e, frequentemente, uma identificação negativa com a disciplina lecionada. A escolha profissional pelo magistério, como sugere a reflexão psicopedagógica, está intimamente ligada a essa história vincular com o conhecimento e com figuras de professores que souberam “bancar” apostas positivas no aprendiz.

Contudo, é perigoso derivar daí uma pedagogia centrada exclusivamente na “simpatia” do docente. A afetividade positiva não é sinônimo de permissividade ou de uma relação superficialmente cordial. Um vínculo potente é aquele que, paradoxalmente, consegue conjugar acolhimento incondicional com exigência intelectual. O professor “bom” na perspectiva do vínculo não é o que apenas elogia, mas o que desafia com respeito, que sinaliza limites com clareza e que acredita no potencial do aluno mesmo quando este ainda não o demonstra. Essa postura vai muito além do “elogio enquanto reforço”, numa leitura comportamentalista simplória. Trata-se de um reconhecimento genuíno que valida o esforço e a autoria do pensamento, e não apenas o acerto final.

É neste ponto que a abordagem psicopedagógica, ao enfatizar o “resgate da autoestima” como tarefa primordial, precisa ser contextualizada para não promover um individualismo psicológico. A autoestima fragilizada do aluno com dificuldades não é uma patologia pré-existente que invade a escola, é, frequentemente, o resultado de uma longa história de fracassos e de desencontros pedagógicos. Portanto, resgatá-la não é uma ação terapêutica desconectada do ato de ensinar. Pelo contrário, ocorre por meio da própria reorganização do processo de ensino. Oferecer “oportunidades de acerto”, como propõe Serra (2012), significa repensar a progressão das atividades, diversificar as formas de expressão do conhecimento e criar avaliações que informem o percurso, e não apenas o punam. A experiência positiva de aprendizagem é o principal combustível para a reconstrução da autoconfiança.

O risco do psicologismo surge quando se interpreta a dificuldade de aprender unicamente como um bloqueio afetivo ou uma falta de desejo, desconsiderando os determinantes cognitivos, curriculares e sociais. Um aluno pode “não investir no ato de aprender” não por falta de autoestima, mas porque o currículo lhe parece irrelevante, a metodologia é incompreensível ou suas condições de vida externas à escola são tão avassaladoras que não sobram recursos psíquicos para a tarefa intelectual. A afetividade não flutua no vácuo, ou seja, ela é modelada por essas condições materiais e simbólicas. Reduzir o problema à esfera psicológica do aluno é isentar a escola de seu dever de se reinventar para ser significativa para todos.

Portanto, uma prática pedagógica verdadeiramente afetiva é, antes de tudo, uma prática ética e politicamente comprometida. É aquela que reconhece a singularidade do sujeito que aprende, criando vínculos de confiança, mas que também questiona as estruturas impessoais que produzem o fracasso. Ela exige do professor uma dupla competência as quais se traduze como sendo, “a sensibilidade clínica para escutar o que o sintoma do não-aprender expressa sobre a história vincular daquele aluno”, e “a competência técnica para reorganizar seu ensino de forma a tornar o conhecimento acessível e desejável”. A afetividade, nesse sentido, não é um ingrediente a ser acrescentado ao planejamento e sim, é a qualidade da mediação que permeia toda a ação docente. É o que transforma a sala de aula de um espaço de transmissão unidirecional em um campo vincular onde o conhecimento pode, de fato, circular e ser apropriado como uma ferramenta para a autonomia e a transformação da própria vida.

Referências Bibliográficas

CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.

FERNÁNDEZ, A. A mulher escondida na professora. Porto Alegre: Artmed, 1994.

PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

SERRA, D. Afetividade e aprendizagem: o lugar do vínculo. In: BOSSA, N. A.; OLIVEIRA, V. B. (Orgs.). Psicopedagogia: fundamentos para a ação docente. São Paulo: Wak Editora, 2012.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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