SÍNDROME OVERTRAINING E EFEITOS ADVERSOS SOBRE A SAÚDE DO ATLETA: UMA REVISÃO LITERÁRIA
OVERTRAINING SYNDROME AND ADVERSE EFFECTS ON THE ATHLETE HEALTH: A LITERARY REVIEW
Veridiana S. R. do Prado*
Marina C. Lopes**
David M. de Oliveira***
Daniel dos Santos****
Giuliano Roberto da Silva*****
*Professora Especialista em Fisiologia do Exercício e Nutrição Esportiva pela Universidade de Franca (UNIFRAN).
**Professora Mestre em Promoção de Saúde pela Universidade de Franca (UNIFRAN).
***Professor Doutor Adjunto do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (UFG).
****Professor Doutor do Programa de Mestrado e Doutorado em Promoção de Saúde e do Curso de Educação Física na Universidade de Franca (UNIFRAN).
*****Professor Doutor do Departamento de Educação Física da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), Faculdade Presbiteriana Gammon (FAGAMMON), Centro Mineiro de Ensino Superior (CEMES).
RESUMO
A síndrome do overtraining(S.O) é um conjunto de sintomas ou sinais físicos e psicológicos que reduzem a performance do atleta, este fenômeno ocorre devido a fatores internos e externos ao treinamento físico de alto nível. Este estudo teve como objetivo revisar conceitos e os principais efeitos adversos da S.O sobre a saúde do atleta. Trata-se de uma revisão de literatura narrativa que pesquisou manuscritos em diversas bases de dados utilizando os unitermos: overreaching; overtraining; síndrome do excesso de treinamento; efeitos adversos. Sobre os conceitos, é consenso na literatura à diferenciação de Overreaching e overtraining, o primeiro explica situação agudas do excesso de treinamento físico e o outro, manifestação de sintomas crônicos que afetam aspectos fisiológicos e psicológicos do individuo. Os efeitos adversos levantados pela S.O acometem principalmente os sistemas neuro-hormonais e imunológicos, e atingem aspectos comportamentais demonstrando quadros de depressão. Constata-se que qualquer indivíduo submetido a excesso de treinamento físico sem o controle adequado de variáveis pode desenvolver a S.O, cujas principais causas elencadas são: a condução incorreta do treinamento em termos de volume e/ou intensidade e ausência de recuperação ou descanso. Embora seja reconhecido estes sinais e sintomas em atletas de alto nível, existe pouco conhecimento sobre o S.O em praticantes de atividade física (não-atletas), e sobre o uso de suplementos nutricionais como forma de prevenção dos indícios da síndrome, sendo encorajado estudos para preencher estas lacunas, tanto em modelo animal quanto em humanos.
Palavras chave: Overreaching; Overtraining; Sintomas; Atleta; Rendimento.
ABSTRACT
Overtraining syndrome (SA) is a set of physical and psychological symptoms or signs that reduce athlete performance. This phenomenon occurs due to factors internal and external to high level physical training. This study aimed to review concepts and the main adverse effects of SO on athlete health. This is a review of narrative literature that researched manuscripts in several databases using the uniterms: overreaching; Overtraining; Overtraining syndrome; adverse effects. On the concepts, it is consensus in the literature to the differentiation of Overreaching and overtraining, the first explains acute situations of excess physical training and the other, manifestation of chronic symptoms that affect the physiological and psychological aspects of the individual. The adverse effects caused by SOS affect mainly neurohormonal and immunological systems, and affect behavioral aspects demonstrating depression. It is verified that any individual submitted to excessive physical training without adequate control of variables can develop OO, whose main causes are: incorrect training in volume and / or intensity and absence of recovery or rest. Although these signs and symptoms are recognized in high-level athletes, there is little knowledge about OS in physical activity (non-athletes), and the use of nutritional supplements as a means of preventing signs of the syndrome, and studies are encouraged to Fill these gaps, both in animal models and in humans.
Keyword: Overreaching; Overtraining; Symptoms; Athlete; Yield.
INTRODUÇÃO
O treinamento desportivo é uma metodologia com objetivo de romper o equilíbrio interno do organismo humano e assim, aperfeiçoar o desempenho do atleta. No entanto, esses treinamentos podem levar ao estresse do organismo, e o mesmo acarretarem reações negativas, como a Síndrome do Excesso de Treinamento (SMITH, 2000).
Os atletas de alto nível, como relatado por Hedelin (2000), sofrem danosa consequência decorrente das pressões provocadas no contexto atual da prática desportiva, que vem aumentando sua exigência a cada dia. O mesmo autor constata que qualquer indivíduo, sendo atletas ou não, pode desenvolver a síndrome do excesso de treinamento, cuja principal causa é uma condução incorreta do treinamento em termos de volume e/ou intensidade, e/ou pausas de recuperação. De acordo com Raglin (1993), Hawley (2003) e Meehan (2004), as consequências negativas do overtraining são conhecidas há muito tempo, porém recentemente pesquisadores apresentaram um entendimento dos problemas advindos da “síndrome de super treinamento” e como preveni-los.
Com base nessas premissas, torna-se necessário a realização de estudos sobre o tema com o intuito de analisar as pesquisas já existentes, auxiliando a comunidade científica e atletas no entendimento, detecção, tratamento e recuperação, justificando a aplicação desse estudo.
O propósito deste estudo é revisar estudos sobre o tema,seus principais objetivos e conclusões, apontando as dificuldades de métodos de detecção sobre síndrome overtraining.
METODOLOGIA
Foi realizada uma revisão narrativa de literatura sobre referido temautilizando como instrumento levantamento de dados científicos nacionais e internacionais, disponibilizados na Pubmed e Scielo.
A pesquisa bibliográfica incluiu artigos originais, artigo de revisão, dissertações de mestrado e doutorado e foi realizado durante o mês de novembro e dezembro de 2016. Na primeira seleção, foram encontrados 40 artigos que envolviam tema de interesse geral. Destes foram pré-selecionados 20 trabalhos que basearam o estudo teórico.
OVERTRAINING E SEUS EFEITOS ADVERSOS À SAÚDE
Overtraining é definido como um distúrbio neuroendócrino, que ocorre no eixo hipotálamo-hipófise, resultado do desequilíbrio entre a demanda de esforço físicoe a capacidade de resposta ao mesmo. Pode ocorrer também devido ao desequilíbrio entre estresse e recuperação, ou seja, uma carga em excesso de estresse combinado com uma taxa insuficiente de regeneração (BAPTISTA, 1999). Lehmann (1999), destaca que o estresse está inserido em qualquer situação, seja treinamento, competição, e situações extra competição e extra treinamento. Fatores sociais, educacionais, ocupacionais,econômicos, nutricionais, viagens, tempo em monotonia do treinamento podem influenciar no risco do desenvolvimento da síndrome do supertreinamento (ST).
Oovertraining ocorre devido a um desequilíbrio entre estresse e recuperação, ou seja, grandes fatores estressantes combinados com pouco tempo de recuperação (LEHMANN, 1999). Essas fontes de estresse, como apresentado por Lehmann (1998), podem ser encontradas tanto em situações de treinamento e competição, como naquelas provenientes do extra treinamento e extra competição. 6% dos corredores de longa distância, 21% dos nadadores australianos e mais de 50% dos jogadores de futebol têm sido classificados com o distúrbio e estima-se que 70% dos atletas de endurance de alto nível tenham sofrido quadros de ST durante suas carreiras (MACKINNON, 1994; PETIBOIS, 2002).
O overtraining pode ser classificado como crônico ou agudo. Supõe-se que exista um acúmulo crescente de fadiga, que se inicia na primeira sessão de treinamento. À medida que o desequilíbrio entre o estresse e a recuperação persiste, o estado de overreaching é instalado e finalmente, o overtraining (FRY, 1992). Para Lehmann (1999), o overreaching dura de poucos dias a duas semanas, por outro lado, o overtraining pode durar semanas a meses.
Nos atualidade a única estratégia de tratamento utilizada é a diminuição no volume de treinamento ou repouso completo. Uma vez que o atleta tenha desenvolvido o quadro ST, aconselha-se repousar de 6 a 12 semanas (BAUMERT, 2006).
Para Mackinnon (1994) alguns atletas com o objetivo de alcançar altos níveis de desempenho com treinamento podem ser levados ou se tornarem excessivamente treinados e frequentemente apresentar sinais e sintomas do overtraining como fadiga crônica, diminuição no desempenho, infecções respiratórias e alterações no estado de humor. Embora não sejam encontradas evidências de que o ST cause danos irreversíveis ao atleta, o risco de lesão, doenças ou retirada prematura do esporte é aumentado. Para controle desses fatores, o repouso ou treinamento reduzido dentro do programa de treinamento durante algumas semanas ou meses tornam-se necessários para uma completa recuperação física e mental do atleta (KELLMANN, 2002).
O principal sintoma do overtraining é a queda persistente do desempenho mesmo após um período de treinamento leve e de descanso total, sendo que o desequilíbrio entre o treinamento e a recuperação pode levar a fadiga crônica, dores musculares, perda de peso, sono inadequado, alterações do estado de humor, e enfermidades frequentes principalmente infecções do trato respiratório superior (WILMORE, 2001; LEHMANN, 1999). Para Hawley (2003), a fadiga é definida como inabilidade de manter a intensidade de treinamento, e pode ser considerada como sinal do organismo em resposta ao estresse excessivo. Destaca-se que a fadiga tem um papel importante no treinamento, pois é o primeiro passo para o processo de adaptação do organismo ao mesmo, isso irá estimular um incremento das funções orgânicas do atleta.
Estudos tem demonstrado que entre os fatores decisivos em overtraining, os indicadores psicológicos são mais sensíveis e consistentes do que os indicadores fisiológicos. As principais alterações psicológicas relacionadas ao overtraining são sensação de depressão, apatia, instabilidade emocional, dificuldade de concentração no trabalho e nos treinos, perda de interesse em competir, autoestima diminuída, medo da competição e desistência quando as metas estão muito intensas (FREITAS, 2009).
De acordo com Kellmann (2002), quando existe uma suspeita de overtraining, o responsável técnico deve sugerir uma consulta médica, e caso necessário à intervenção de especialistas. Existem técnicas psicorregulativas que podem ser utilizadas nesses casos, como relaxamento e treinamento mental com o objetivo de acelerar a recuperação. Contudo, prevenir a ocorrência do overtraining é a melhor opção. A recuperação é definida como o estado de compensação do déficit de um organismo ou o restabelecimento do estado homeostático (KELLMANN, 2002).
Como comentado por Suzuki (2004), em decorrência das tensões, preocupações, e altas expectativas de sucesso que o cenário do alto nível competitivo sustenta, são observadas falhas na aplicação da metodologia de treinamentos, principalmente, com relação aos intervalos de recuperação.
Hedelin (2000), acrescenta que o repouso adequado após o exercício intenso pode ser importante para melhorar a recuperação psicológica e fisiológica do atleta. Quanto maior a demanda do treinamento, maior a necessidade de recuperação do atleta.
A prevenção do overtraining inclui um regime de treinamento que permite intercalaras sessões de treinamento com repouso adequado. Além disso, é fundamental a execuçãode testes ao longo do períodoque possibilitem a detecção precoce do overtraining. Entretanto, é necessário que a análise dos resultados obtidos seja conduzida de forma consistente, para que evite confundir fadiga normal de treinamento com overtraining (FRY, 1992).
OVERREACHING
Segundo Kreider (1998), o overreaching é uma acumulação de estímulos estressantes desencadeados pelo treinamento físico, resultando num decréscimo do desempenho em curto prazo com ou sem sinais de sintomas psicológicos e fisiológicos. Para Smith (2000), Hedelin (2000), Baumert (2006) e Purge (2006) o overreaching pode ocorrer devido ao acúmulo do estresse do treinamento e de outros fatores que resultam em uma diminuição da capacidade de rendimento, a qual é restaurada de alguns dias a duas semanas.
De acordo com Lehmann (1999), o overreaching é caracterizado por um desempenho inferior transitório que será revertido em um período de recuperação de uma a duas semanas e pode ser levado a um estado de super compensação. Todavia, quando overreaching é prolongado ou crônico pode tornar-se rapidamente em overtraining (LEHMANN, 1999). Este fenômeno pode ocorrerquando o período regenerativo é inapropriado ou a recuperação ocorre de modo incompleto devido a excesso de competições.
Os dois casos podem ser diferenciados considerando-se o tempo de duração dos mesmos, quando ocorre em curto prazo é denominado overreaching, e quando é em longo prazo,overtraining (KREIDER, 1998). Segundo Budjet (1994), o super treinamento em curto prazo é descrito como sendo o decréscimo de desempenho atlético abaixo do rendimento normal.
CONCLUSÃO
Com base na literatura consultada foi possível concluir que os conceitos sobre a S.O estão bem definidos e que os efeitos adversos à saúde de atletas desencadeados atingem o rendimento, devido ao impacto nos aspectos fisiológicos e psicológicos, podendo contribuir para o surgimento de lesões e até mesmo abandono prematuro do esporte.
Ainda, que tenham sido abordadas evidências científicas sobre sinais e sintomas da S.O em atletas, existe poucos estudos sem praticantes de atividade física não-atletas, outra lacuna científica que sugere-se investigação seria a relação do consumo de suplementos nutricionais ergogênicos e a prevenção dos sintomas da S.O.
Contudo, estudos experimentais em modelo animal e humano, são necessários para tais esclarecimentos da S.O e desenvolvimento de metodologias para detecção e prevenção de sinais e sintomas.
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