Quem estuda português do Brasil na Coreia do Sul?
Quem estuda português do Brasil na Coreia do Sul?
Who studies Brazilian Portuguese in South Korea?
Denis Leandro Francisco[1]
Hankuk University of Foreign Studies
Resumo: Este artigo apresenta e analisa alguns aspectos do perfil dos estudantes de português do curso de Estudos Brasileiros de uma das mais prestigiadas universidades da Coreia do Sul na área de Estudos Estrangeiros, Hankuk University, a partir de levantamento de dados considerados relevantes para o processo de aquisição de língua estrangeira, refletindo sobre tais aspectos com vistas a contribuir para o aprimoramento do ensino-aprendizagem de português para estudantes coreanos.
Palavras-chave: ple, estudos brasileiros, hufs, universidade, coreia do sul
Abstract: This article analyzes some aspects of the profile of students who are learning Brazilian Portuguese as a foreign language at Hankuk, one of South Korea's most prestigious universities in Foreign Studies field, based on collection of some data considered relevant for the acquisition process of a foreign language, reflecting on these aspects to contribute to the improvement of the teaching-learning process of Brazilian Portuguese as a foreign language to Korean students.
Key-words: pfl, brazilian studies, hufs, university, south korea
- Introdução: o contexto de realização da pesquisa
Fundada em 1952, a Universidade Coreana de Estudos Estrangeiros (HUFS) é historicamente reconhecida, tanto na Coreia do Sul quanto internacionalmente, pela sua qualidade e credibilidade acadêmica. Em 2016, a instituição foi avaliada como a 10ª universidade mais respeitável da Coréia do Sul de acordo com uma recente pesquisa realizada pelo Joong-Ang Daily University Rankings[2][3] nas 69 principais universidades do país que oferecem cursos de graduação de 4 anos em mais de 4 das seguintes áreas do conhecimento: Humanidades, Ciências Sociais, Ciências Naturais, Engenharia, Medicina e Esportes e Artes.
Em uma outra pesquisa compilada e divulgada em 2016 pelo Chosun Ilbo (periódico diário de maior circulação do país) e desenvolvida pela Quacquarelli Symonds – “QS” (uma companhia britânica especializada em educação e internacionalização), a HUFS aparece em primeiro lugar na lista de universidades sul-coreanas “sem faculdades de Medicina”, figurando ainda entre as 10 mais renomadas universidades da Ásia. A pesquisa[4] foi realizada em 517 universidades em 17 países e regiões asiáticas, incluindo, além da Coréia do Sul, Japão, China, Cingapura e Hong Kong, conforme mostra a tabela 1 a seguir:
Tabela 1
Em termos de internacionalização, ainda de acordo com a pesquisa da QS, a HUFS superou todas as universidades sul-coreanas e ocupou a 13ª posição entre as universidades asiáticas, como mostra a tabela 2:
Tabela 2
É, portanto, do estudante proveniente desse contexto acadêmico específico que falaremos neste artigo ao apresentarmos e analisarmos alguns aspectos do perfil de quem estuda português brasileiro na Coreia do Sul. A pesquisa foi desenvolvida com estudantes do nível intermediário de português do Departamento de Estudos Brasileiros da HUFS, Global Campus, localizado na região metropolitana de Seul. Por conseguinte, este artigo não é e não pretende ser um estudo nem comparativo nem panorâmico dos estudantes das três universidades coreanas que oferecem cursos de graduação em português[5] ou de outras universidades asiáticas; este artigo pretende, através da análise de dados coletados por meio de questionário especificamente estruturado para o público-alvo da pesquisa, identificar aspectos do perfil do estudante coreano proveniente do contexto acima delineado que sejam relevantes para o processo de aquisição de português como língua estrangeira (PLE) e refletir sobre tais aspectos com vistas ao aprimoramento do ensino-aprendizagem de português para estudantes coreanos.
- O instrumento de pesquisa: Questionário “Perfil do estudante do curso de Estudos Brasileiros da HUFS”
O questionário de pesquisa “Perfil do estudante do curso de Estudos Brasileiros da HUFS” foi aplicado para todos os estudantes do nível intermediário de português do curso de Estudos Brasileiros, totalizando 41 respondentes. Esse público-alvo da pesquisa foi selecionado com base em dois critérios objetivos: i. os estudantes desse nível podem já compreender as perguntas e respondê-las de forma autônoma; ii. os estudantes desse nível têm já um autoconhecimento razoável do seu próprio processo de aprendizagem de português como língua estrangeira no contexto universitário.
Para assegurar a confiabilidade das respostas dadas, os estudantes responderam ao questionário anonimamente, de forma presencial e, em seguida, o instrumento foi recolhido pelo próprio professor. O instrumento de pesquisa foi estruturado em três seções: “Informações pessoais”, “Sobre o curso de Estudos Brasileiros” e “Sobre Língua Portuguesa”.
A seção “Informações pessoais” solicita informações que podem ser relevantes para a leitura dos dados levantados nas duas outras seções do questionário: idade coreana, idade ocidental, gênero, primeiro curso (major), segundo curso (minor) e conhecimento de outra língua estrangeira além do português.
A seção “Sobre o curso de Estudos Brasileiros” apresenta 7 itens, sendo 5 fechados e 2 abertos, que dizem respeito às disciplinas de especialidades do curso de “Brazilian Studies”, tais como Economia, Administração e Política.
Por fim, a seção “Sobre Língua Portuguesa” tem 10 itens, 7 completamente fechados e 3 com a opção “Outro. Qual?”. Selecionamos a seção “Sobre Língua Portuguesa”[6] para as análises e reflexões que serão propostas neste artigo por ser essa seção, como indica o título, composta por itens voltados para aferir informações especificamente relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem do português no contexto universitário coreano.
- Analisando os dados: conhecendo estudantes de português do Brasil na Coreia do Sul
Os itens 10 e 11 do questionário apresentam as duas perguntas que são, ao mesmo tempo, as mais básicas e, provavelmente, as mais importantes para um estudante de língua estrangeira: “Você gosta de estudar Português?” e “Por que você estuda Português?”. A resposta a essas duas perguntas deve influenciar significativamente no desempenho dos estudantes, já que, conforme têm demonstrado diversas pesquisas a esse respeito[7], a motivação tem papel fundamental na aquisição de uma língua estrangeira. O gráfico 1 mostra as respostas dos estudantes à pergunta “Você gosta de estudar Português?”:
Gráfico 1: “Você gosta de estudar Português?”
Dos 41 estudantes, 12 responderam “Gosto muito”, 18 responderam “Gosto”, 10 responderam “Mais ou menos” e apenas 1 respondeu “Não gosto”. As respostas da faixa positiva (“Gosto muito” e “Gosto”) somam 73% do total, o que indica que a maior parte dos estudantes têm alguma afeição pela língua, o que deve se configurar em motivação para aprender o português como língua estrangeira. Para verificar essa hipótese e confirmar se os estudantes têm uma motivação objetiva para o seu processo de aprendizagem, a pergunta “Por que você estuda Português?” é fundamental. O gráfico 2 mostra as respostas dos estudantes a essa pergunta:
Gráfico 2: “Por que você estuda Português?”
Para essa pergunta, havia 4 opções de respostas: “Conseguir um emprego na Coreia”, “Conseguir um emprego no Brasil”, “Conhecer o Brasil como turista” e “Por causa da minha nota para entrar na Universidade”. O estudante podia selecionar mais de uma opção e, além disso, podia acrescentar alguma motivação não prevista no questionário utilizando o campo “Outro. Qual?”. Foram, no total, 51 registros de 13 diferentes motivações (4 já previstas e 9 acrescentadas pelos estudantes).
“Conseguir um emprego na Coreia” é a motivação mais assinalada pelos estudantes, com 31% de ocorrência. Esse dado parece indicar que os estudantes coreanos estão mais interessados em aprender a língua portuguesa para conseguir um emprego no seu próprio país do que para tentar uma vaga em alguma das várias multinacionais coreanas instaladas no Brasil. Isso talvez se deva à atual conjuntura econômica do Brasil, cada vez mais agravada pela instabilidade política que se prolonga desde 2014. A motivação “Conseguir um emprego no Brasil” teve 16% de ocorrência, exatamente metade do número de estudantes que afirmaram estudar português para conseguir um emprego na Coreia. Entretanto, 3 estudantes assinalaram as duas opções, sinalizando que, para eles, estudar português apresenta-se como uma possibilidade de trabalhar tanto no Brasil quanto na Coreia do Sul.
É interessante notar que “Conhecer o Brasil como turista” é também uma motivação para os estudantes, tendo sido assinalada 8 vezes (16%), o mesmo número de ocorrências da opção “Conseguir um emprego no Brasil”. Na nossa amostragem, portanto, trabalhar no Brasil e fazer turismo no Brasil são motivações que atraem de forma semelhante os estudantes coreanos para o estudo-aprendizagem da língua portuguesa, ainda que em uma proporção significativamente menor do que a possibilidade de trabalhar na Coreia.
Um aspecto negativo identificado pela pesquisa é o expressivo número de respondentes que estudam português apenas porque a nota obtida para entrar na universidade não lhes permitiu ingressar em departamentos de línguas mais concorridas, como inglês e espanhol. Ao confrontarmos as respostas desses estudantes com a pergunta “Você gosta de estudar Português?”, vemos que esses estudantes tendem a não gostar de estudar o idioma: dos 9 estudantes que responderam “Por causa da minha nota para entrar na Universidade”, 6 responderam que gostam “Mais ou menos” de estudar português, 1 respondeu “Não gosto” e apenas 2 responderam “Gosto”.
Que importância aprender uma língua distante como o português tem para os estudantes coreanos? Dos 9 estudantes que responderam que estudam português “Por causa da minha nota para entrar na Universidade”, 2 consideram “Pouco importante” aprender o idioma, 3 consideram que “Não tem nenhuma importância” e 4 consideram “Importante”, de acordo com o gráfico 3a a seguir:
Gráfico 3a: “Para você, qual a importância de aprender Português?”
Por outro lado, é digno de nota que, dos 29 estudantes que consideram “Importante” ou “Muito importante” aprender português, 25 responderam que “Gostam” ou “Gostam muito” de estudar o idioma, o que parece indicar que o prazer de aprender o português como língua estrangeira tem relação direta com a importância que os estudantes atribuem ao aprendizado do idioma. Essa importância também parece ser fortemente modelada pelos objetivos que o estudante tem ao se lançar no aprendizado de um idioma como o português: dos 29 estudantes que consideram “Importante” ou “Muito importante” aprender português, 17 têm como objetivo “Conseguir um emprego na Coreia” ou “Conseguir um emprego no Brasil”. De modo geral, os estudantes consideram que aprender português é, sim, uma habilidade relevante para eles, já que 68% responderam que consideram aprender português “Muito importante” ou “Importante” e apenas 29% avaliariam como “Pouco importante” ou “Não tem nenhuma importância”, conforme demonstra o gráfico 3b:
Gráfico 3b: “Para você, qual a importância de aprender Português?”
Com relação ao desempenho dos estudantes nas aulas de língua portuguesa, 21 consideram que têm um rendimento “Bom”, 5 consideram que têm um rendimento “Muito bom” e outros 5 consideram que têm um rendimento “Ótimo”. Na faixa negativa, 7 estudantes consideram “Regular” o seu desempenho nas aulas de língua portuguesa e 3 estudantes consideram o seu desempenho “Ruim”. Um dado interessante: dos 31 estudantes que avaliam o seu desempenho como “Bom”, “Muito bom” ou “Ótimo”, 24 responderam “Gosto” ou “Gosto muito” de aprender português.
Gráfico 4: “Nas disciplinas de língua portuguesa, como você acha que está o seu rendimento (performance)”?
Qual a percepção dos estudantes coreanos sobre o próprio processo de aprendizagem do português? Os estudantes coreanos consideram que aprender português é “Muito fácil”, “Fácil”, “Mais ou menos”, “Difícil” ou “Muito difícil”? Dos 41 estudantes que responderam ao questionário, 5 consideram que aprender português é “Muito difícil”, 12 consideram “Difícil”, 19 consideram “Mais ou menos”, 3 consideram “Fácil” e 2 consideram “Muito fácil”. Os que consideram que aprender português é “Difícil” ou “Muito difícil” somam 41% dos respondentes, ao passo que os que consideram “Fácil” ou “Muito fácil” somam apenas 12% dos respondentes, consoante o gráfico 5:
Gráfico 5: “Para você, aprender Português é:”
Outro aspecto do perfil do estudante coreano que consideramos relevante avaliar na pesquisa é a relação entre o domínio prévio de uma língua estrangeira e a percepção do estudante sobre o seu processo de aprendizagem do português: para os estudantes que falam outra língua estrangeira, aprender português lhes parece mais fácil ou será que essa primeira língua estrangeira não se apresenta ao estudante coreano como um facilitador para a aquisição do português? O que os dados mostram é que dos 36 estudantes que falam outra língua estrangeira além do português, 4 responderam que consideram o português “Muito difícil” de aprender, 9 consideram “Difícil”, 18 consideram “Mais ou menos”, 3 consideram “Fácil” e 2 estudantes consideram “Muito fácil”. Isso significa que um total de 86% dos estudantes que falam outra língua estrangeira além do português avaliam a dificuldade de aprender português na faixa que vai do “Mais ou menos” ao “Muito difícil”, enquanto 64% dos estudantes que falam outra língua estrangeira além do português avaliam a aprendizagem do português na faixa que vai do “Mais ou menos” ao “Muito fácil”, conforme indica o gráfico 6:
Gráfico 6: Estudantes que falam outra língua estrangeira além do português
Apenas 5 estudantes responderam que não falam outra língua estrangeira além do português e todos eles consideram que aprender português é “Muito difícil” (1), “Difícil” (3) ou “Mais ou menos” (1), conforme indica o gráfico 7:
Gráfico 7: Estudantes que não falam outra língua estrangeira além do português
Os dados parecem indicar que falar outra língua estrangeira não representa um facilitador para a aprendizagem do português segundo a percepção dos estudantes coreanos do contexto da pesquisa, o que, evidentemente, pode não se confirmar na prática de sala de aula, uma vez que os estudantes podem ter percepções muito distintas do que consideram como “falar outra língua estrangeira”, além disso, o que eles consideram como “Fácil” ou “Difícil” no processo de aprendizagem da língua portuguesa pode, e provavelmente estará, atravessado por crenças e mitos que costumam envolver o complexo processo de aquisição de uma língua estrangeira, qualquer que seja ela.
- Conclusão: afinal, quem estuda português do Brasil na Coreia do Sul?
A pesquisa desenvolvida na Hankuk University of Foreign Studies possibilitou delinear o perfil do estudante coreano desse contexto universitário, o que será útil para embasar reflexões posteriores sobre alguns aspectos que podem ser relevantes para o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem de português para esse público-alvo. Para finalizar, podemos sintetizar o perfil de “quem estuda português do Brasil na Coreia do Sul” no contexto universitário aqui apresentado da seguinte forma:
A familiaridade com esse perfil de estudante é importante para o desenvolvimento de um adequado trabalho em sala de aula nos cursos de graduação na área de português, favorecendo a preparação de atividades didáticas que, ao mesmo tempo, atendam às necessidades específicas do estudante universitário coreano e aos seus objetivos em aprender português como língua estrangeira, atravessando crenças, mitos e distâncias entre as duas línguas.
- Bibliografia
- FRANCISCO, Denis Leandro. “Aulas com interação”: aprendendo língua portuguesa e cultura brasileira na Coreia do Sul. (Inédito).
- GOMEZ, P.C. A motivação no Processo Ensino/aprendizagem de Idiomas: Um Enfoque Desvinculado dos Postulados de Gardner e Lambert. Trabalhos de Lingüística Aplicada. Campinas. 34, 53-77. 1999.
- VANZELLI, J. C; CHAVES, Idalena O; TEIXEIRA, H. G. Estudos brasileiros na Ásia. 1. ed. Viçosa: Editora UFV, 2017.
[1] Assistant Professor. Department of Brazilian Studies. E-mail: denisleandro@outlook.com
[4] Na Coreia do Sul, é comum que a mídia não apenas divulgue rankings de instituições de ensino, mas que os próprios conglomerados midiáticos realizem, eles mesmos, essas avaliações. Desde 1994, o periódico sul-coreano Joong-Ang realiza uma avaliação anual das universidades coreanas e divulga uma tabela de classificação na primeira página do jornal, seguindo o modelo de ranking dos Estados Unidos “US News & World Report’s America’s Best Colleges”. Outro conglomerado jornalístico, o Chosun Ilbo, considerado um dos mais conservadores da Coreia do Sul, iniciou sua própria avaliação das universidades coreanas em 2008. Com a colaboração da QS (Quacquarelli Symonds), uma empresa britânica de médio porte, Chosun Ilbo realizou avaliações em 463 universidades de 11 países asiáticos, incluindo 106 universidades da Coréia do Sul.
[5] Hankuk, Busan e Dankook University.
[6] Por uma questão de espaço, alguns dos dados coletados não serão tratados aqui, mas analisados e divulgados em artigo futuro.
[7] Sobre esse tema, conferir: DICKINSON. L. Autonomy and motivation - A Literature Review. System. 23:2. 165-174. 1995. DORNYEI, Z. Motivation in Second and Foreign Language Learning. Language Teaching. 31. 117-135. 1998. DORNYEI. Z. Understanding L2 Motivation: On with the Challenge! The Modern Language Journal. 78. iv. 515-523. 1994. GOMEZ, P.C. A motivação no Processo Ensino/aprendizagem de Idiomas: Um Enfoque Desvinculado dos Postulados de Gardner e Lambert. Trabalhos de Lingüística Aplicada. Campinas. 34, 53-77. 1999.