31/03/2017

Políticas de Integração Curricular Para a Educação Técnica Integrada ao Ensino Médio: Narrativas Biográficas e (Auto) Biográficas Discentes

Políticas de Integração Curricular Para a Educação Técnica Integrada ao Ensino Médio: Narrativas Biográficas e (Auto) Biográficas Discentes[1]

 

Sadi Becker[2]

Silvia de Siqueira[3]

Letícia Ramalho Brittes[4]

 

Resumo 

Esta pesquisa propõe uma análise discursiva a partir de pistas biográficas e autobiográficas apresentadas durante a aplicação de questionários sobre a produção de sentidos no ser/estar aluno. As respostas produzidas despertam memórias discursivas do ser professor, dos reflexos da formação docente no planejamento curricular, além do processo de educação escolarizada, adentrando em outros aspectos relativos aos saberes da vida e do cotidiano, os quais se considera de imprescindíveis para a ressignificação da educação propedêutica. Busca-se investigar como os movimentos de integração e desintegração produzem sentidos na organização do trabalho docente, especificamente, no que tange ao processo ensino-aprendizagem, elucidando-se a partir daí as necessidades na formação continuada dos gestores e docentes. O desenvolvimento deste estudo justifica-se pelos desafios e dificuldades diárias que docentes, gestores e estudantes enfrentam na construção de uma educação efetivamente integrada, conforme os pressupostos democráticos que orientam a proposta de integração nas normativas em vigência. Trata-se de um estudo qualitativo que se sustenta nas contribuições das teorias educacionais desenvolvidas por Apple, Beane e Stephen Ball; da teoria discursiva de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe e, para análise dos dados empíricos que serão gerados, será utilizada a Análise Crítica do Discurso (ACD). Espera-se como resultado a geração de oportunidades para o desenvolvimento de currículos efetivamente integrados que se sustentem em propostas engajadas com a redução das desigualdades sociais, oferecendo meios de acesso, permanência e sucesso escolares para os estudantes.

Palavras-chaves: Análise discursiva; Concepção do currículo; Integração curricular.

 

Introdução

Esse recorte trata das narrativas de alunos no decorrer do processo de coleta da entrevista de campo, que compõem o projeto “Análise de políticas de integração curricular para a educação técnica integrada ao ensino médio”. Ao decorrer desta extratificação nos deparamos com discursos biográficos, dos quais nos dispararam diversos gatilhos autobiográficos, pois enquanto alunos de licenciatura e pesquisadores do projeto deparamo-nos com muitas questões conceituais da prática docente e acabamos nos esquecendo de algo valioso e importante na trajetória da formação docente, nossa vivência do ensino propedêutico que nos dá base e estruturas para a formação da nossa identidade social e profissional.

Dentre as narrativas dos alunos das distintas turmas pesquisadas, o discurso recorrente foi //nossa! Que legal pela primeira vez participamos de uma pesquisa e respondemos um questionário onde as perguntas são voltadas para nossa opinião como alunos//, ou //a primeira vez que alguém quer saber como nos sentimos em sala de aula//. Diante destas narrativas, rememoramos a fase enquanto alunos do ensino, nos sentimentos, dúvidas, incertezas entre outros, para Bakhtin (2008, p. 308) “Em toda parte um determinado conjunto de ideias, pensamentos e palavras passa por várias vozes imiscíveis, soando em cada uma de modo diferente”. Percebemos através deste momento, que existe uma distância temporal significativa, de quando vivenciamos essa fase, porém os anseios continuam lineares, no que se refere à educação que até então não sabíamos que havia um conceito para definir tal processo educativo como tradicional, e que com o passar do tempo e leituras fomos explorando a questão conceitual, o pensamento reflexivo até percorrer ao passado como forma de compreender nossa (auto) biografia.

Nessa perspectiva, permanecemos imersos à polifonia discursiva geralmente enunciados em discursos idealistas, porém certamente tais discursos só existem pois tem alguém que os ouve. Para Bakhtin (1999, p. 132), “A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão”.

As narrativas dos alunos nos trazem um pertencimento discursivo, pois nos reconhecemos e encontramos dentro destes, assim consideramos a questão autobiográfica como metodologia,

[...] a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável e, cada esfera dessa atividade, comporta um repertório de gêneros do discurso que vão diferenciando-se e ampliando-se, à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 1992:p. 279).

 

Dessa forma, nos apropriamos da gênese do discurso com pertencimento, pois parte de nós é fruto de muitos inúmeros “eu”, enquanto sujeitos e indivíduos.

 

Memórias

A forma com que contamos nossas histórias a partir das lembranças e marcas das quais permanecem presentes no nosso eu, geralmente a vida é narrada de tal forma como é vivida, seja de forma consciente ou inconsciente da presença das memórias que tem certo pertencimento a formação do que nos constitui enquanto seres sociais e culturais, muito do que somos ou refletimos traz traços imbrincados de outrem.

Nesse sentido, buscar e/ou rememorar estas marcas formativas que nos remetem  ao início da nossa inserção na escola, onde começamos a alfabetização e assim, fomos trilhando o caminho acadêmico, série após série. Mesmo imersos em conteúdos e teorias que muitas vezes sequer nos despertaram algum interesse, sendo pelos mais distintos motivos ou sentimentos, que perpassam da prática pedagógica até a falta de afinidade.

 

Reflexos da própria formação

Os reflexos são interações oriundas da interação ambiente/sujeito, onde há reações instintivas da própria formação quando busca-se recuperar a nossa história, a partir da própria voz, das narrativas, de memórias autobiográficas, assim tentamos contar as mossas histórias a partir de um “eu” enquanto aluno.

Recorremos a memórias do pensamento de aluno, quando recordamos alguns cenários aos quais estivemos, presentes enquanto protagonistas do processo escolar, e nos deparamos com situações e sensações, de pertencimento e não pertencimento, partindo de uma reflexão: "Nunca me perguntaram se eu concordo ou não com essas regras impostas pelo ambiente escolar".

 

Integração curricular e a interdisciplinaridade

 

 

Não raro deparamo-nos com discursos e práticas que sinalizam dificuldades atreladas ao trabalho com a integração curricular. Então se considera que o entendimento sobre integração precise ser debatido entre os docentes e as próprias concepções dos estudantes, somente depois disso, é que se poderá adentrar em outras questões que envolvam problemas como o isolamento entre docentes e disciplinas, a dificuldade de aceitação entre as diferentes áreas do conhecimento e a falta de tempo-espaço para o planejamento coletivo. Para tanto, inicialmente, é necessário mover a significação de integração como interdisciplinaridade, ampliando tal concepção a outras dimensões que são requeridas na proposta de integração curricular.

Nesse sentido, investigar as relações de um lado entre os vocábulos, sobre aquilo que termos e conceitos designam e, de outro, o funcionamento discursivo em termos de prática social de tais discursos. Em vários tempos e espaços do trabalho pedagógico deparamo-nos com diversas situações que reiteraram certo grau de dissonância entre o dito, escrito (texto) e as práticas (discursivas e sociais).

O termo interdisciplinaridade serve como mais um desses exemplos que apresentam diversas significações em disputa, no entanto, pode ser considerado aqui, como um dos conceitos que ao abarcar uma gama variada de significados provenientes de diversas particularidades, acaba assumindo o sentido de uma universalidade, o que, em termos laclaunianos, pode-se considerar que a interdisciplinaridade assume, no contexto educacional, o status de um significante vazio. Para o autor,

considera-se que um significante vazio é um significante sem significado, primeiramente tendo em vista o locus privilegiado que este ocupa no interior de um discurso. O significante vazio, em si, não possui qualquer sentido específico. É uma posição ocupada por algum elemento particular que, por ocupá-la, passa a exercer um papel de representação de toda a cadeia discursiva ou articulatória (LACLAU, 2011, p. 77).

Ao encontro dessa discussão, Pombo (1993) em um de seus estudos busca estabilizar um sentido para a interdisciplinaridade haja vista as inúmeras equivocidades e confusões semânticas em torno do termo. A autora alerta sobre tal questão argumentando que "a interdisciplinaridade não é uma nova proposta pedagógica que se pretenda acrescentar ao número, porventura excessivo, das já existentes". A autora destaca que há razões para isto. Primeiramente ela considera que "em geral, as novas propostas pedagógicas fazem hoje a sua aparição na escola de forma exógena e burocrática". Muitas vezes, como algo externo que é imposto aos professores através de normativas e diretrizes curriculares.

Ou seja, os professores concebem o trabalho interdisciplinar institucionalizado como uma das obrigações a serem cumpridas, como algo que lhes é imposto de forma não clara e, muitas vezes, não coerente. E aí existe um movimento de articulação muito interessante: quando se relata sobre integração curricular percebe-se um falta de consenso ou relação de coerência entre as definições, todavia, ao se tratar da interdisciplinaridade, todos a concebem como algo necessário, mesmo que através de práticas isoladas ou pouco evidentes na instituição. Isto se explica pelo fato de a interdisciplinaridade ser uma aspiração emergente entre os professores, embora perante desafios e dificuldades percebe-se no cotidiano da instituição que muitos docentes atribuem significações ao termo no intuito de caracterizar a integração curricular. E assim, por iniciativa própria, cada um busca a realização do trabalho interdisciplinar ou integrado (visto que para os docentes ambas as perspectivas apresentam o mesmo significado), embora considerem este tipo de abordagem difícil e trabalhosa.

 

Conclusão

Presenciamos um modelo obsoleto de educação que destrói a criatividade do educando, um modelo escolar que molda, formata. Sendo que, existem tantas possibilidades em uma sala de aula, porém, somos condenados a uma cadeira rígida, permanecemos enfileirados para a morte de nossas mentes, por quê? Porque não querem que aprendamos a pensar a partir de nós mesmos, que tenhamos consciência de quem realmente somos, e da nossa infinita capacidade. E “no meio” desse formato os docentes estão despreparados para tal mudança, e muitos alegam que //O sistema nos obriga a ser assim//. E de um modo geral, acontece mesmo dessa forma, porque os responsáveis por criarem essas regras e normas, assim como os docentes, também foram formatados, criando assim um ciclo de repetições, no sentido de “manter algo como esta”.  

Deveríamos sair de uma escola, mestres de nós mesmos, ou no mínimo no caminho para isso, mas acaba se tornando em geral um conflito de egos, um “cemitério de pensamentos”, um lugar triste, tedioso e opressor. Pois, o formato nos é "empurrado" sem perguntar se concordamos ou não, se encontramos alguma ligação intrínseca com esses padrões ou não, não apresentando muitas possibilidades de alterações. E o pior, não somos direcionados a pensar por nós mesmos, deixando assim as decisões importantes de nossas vidas nas mãos dos outros, o que não pode ser aceitável.

 O centro é você, sou eu e esse centro deve ser ouvido, deve ser conhecido, experienciado e estar equilibrado em si, e não disperso para fora de si, como tem sido. A escola deve orientar, direcionar a esse centro interior em cada um, e isso é urgente, é agora, pois o aluno de hoje será o professor de amanhã, e o ciclo continuará.

Uma escola precisa promover esse “acordar para si’, esse despertar da criatividade interior de cada um, instigar o questionamento e a “rebeldia inteligente” inerente em todos. Deve criar condições para uma verdadeira interação entre seres humanos e seus reais conflitos, suas reais necessidades. A barreira entre professor e aluno precisa ser dissolvida, um aluno precisa entrar em uma sala de aula confiante que ali é o ambiente aonde ele vai se encontrar, que ali existe apoio, alegria e liberdade, que ele não precisa temer e ficar inseguro, que não será condenado por pensar por si e não concordar com algo, que suas ideias serão ouvidas e respeitadas por todos, e que ali está entre amigos. Assim uma escola pode realmente se tornar um lar dentro de cada um.

 

Referências Bibliográficas

Bakhtin, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1999.

Bakhtin, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

LACLAU, E. Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2011.

POMBO, Olga. A interdisciplinaridade : reflexão e experiência. Lisboa : Texto Editora, 1993.

 

 

 


[1] A pesquisa recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – Fapergs; e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

[2] Acadêmico do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, do IF Farroupilha Campus Júlio de Castilhos. Bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

[3] Acadêmica do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, do IF Farroupilha Campus Júlio de Castilhos. Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – Fapergs.

[4] Orientadora. Doutora em Educação. Docente, Instituto Federal Farroupilha Campus Júlio de Castilhos.

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Volume/Edição

Autores

  • BECKER, Sadi; SIQUEIRA, Silvia de; BRITTES, Leticia Ramalho

Páginas

  • 1 a 6

Áreas do conhecimento

  • Nenhuma cadastrada

Palavras chave

  • Análise discursiva; Concepção do currículo; Integração curricular.

Dados da publicação

  • Data: 31/03/2017
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