29/06/2019

“Poder e escola: entre Maquiavel e Hobbes”

O que é o poder? Conceito de inúmeras definições, variando o tempo histórico em que é utilizado, autores e contexto social. Nesse artigo, irá se comparar a perspectiva de poder de Nicolau Maquiavel, em sua obra “O Príncipe” e de Thomas Hobbes em “Leviatã”, no sentido de compreender a diferença de pensamento desses autores e suas contribuições para pensar o poder na atualidade.

Quanto à atualidade, esse trabalho fará um esforço de tentar relacionar o pensamento desses autores com a dinâmica presente nas escolas, por uma análise ampla e geral. Nesse sentido, a escola, como o espaço torna-se objeto de análise para compreender as subjetividades do poder em diferentes esferas das práticas escolares. Seria possível comparar a escola e a ação do poder que ocorre intrínseca e extrinsecamente em suas relações dentro da perspectiva dos autores citados? Para isso é preciso primeiro compreender o pensamento desses autores para depois inferir possíveis relações na atualidade.

A perspectiva focaultiana, a qual se pensa as relações de poder dentro de instituições como a escola, aqui é pormenorizada para dar espaço  a uma discussão anterior. Pensar no poder e relações políticas, passa pela sensibilização das obras clássicas que discutem o tema.

O Poder em Maquiavel

Niccolòdi Bernardo dei Machiavelli, nascido em Florença no século XVI, foi um importante pensador, historiador e filósofo do Renascimento. Sendo esse movimento intelectual contrário às tradições medievais, buscava na antiguidade clássica Greco- romana valores e modelos a serem utilizados.

Esse autor teve grande inspiração de Aristóteles, mas, sobretudo Tito Lívio. Em sua obra “O Príncipe”, Maquiavel introduz os conceitos de fortuna e virtú e é através de exemplos de governantes que chegaram ao poder por diferentes formas que ele desenvolve sua teoria. A análise de Maquiavel sobre poder e política o fez ser considerado o percussor, ou o “pai” da ciência política.

Fugindo da idéia de ascensão política como presente divino, que vigorava durante a idade média, Maquiavel buscou sua argumentação em exemplos concretos de como conquistar o poder. Para ele, a política é vista como uma atividade humana e se manifesta em um jogo de conquista e manutenção do poder.

Em sua análise, Maquiavel vê o homem de forma dual, ou é o governante ou é governado. A expressão “os fins justificam os meios”, que é associada ao seu pensamento, nunca foi dita por ele, mas a análise do conteúdo de sua obra leva a essa interpretação.

Para Maquiavel, o Príncipe era sinônimo de governante. O governante que tivesse fortuna e virtude teria maior êxito em suas conquistas. Além disso, chama atenção de que o poder que é conquistado com maior dificuldade é mais facilmente mantido. Do contrário, aquele que é facilmente conquistado, se manterá com muita dificuldade. Existem diferentes formas de ascender ao poder, seja pela fortuna, virtude, de maneira criminosa ou pela vontade do povo. O segredo de se manter no poder esta no equilíbrio entre a concessão de benevolências e os atos de crueldade.

Sejam quais forem os métodos utilizados, o objetivo de manutenção do poder é superior. Nesse sentido, as ações do governante são justificadas. Maquiavel não faz criticas aos exemplos de governos citados, apenas descreve os meios pelos quais chegaram ao poder. Sobretudo, lembra que é mais difícil manter do que conquistar um território, por isso, para que se tenha êxito em sua defesa é necessário que o governante tenha meios pelos quais fazê-la. Além de tudo, é determinante que o governante tenha a lealdade de seus súditos e que assim estejam dispostos a lutar e a morrer em defesa dos objetivos de seu governante.

Eis que surge a questão tão bem colocada por Maquiavel ao longo do texto “o que é melhor: ser temido ou amado?”. No decorrer da leitura será claro que a proposição do autor é de que exista um meio termo entre o medo e o amor. O governante deve fomentar uma amizade, na mesma medida que deve dar amostragens de crueldade “bem empregada” (2004, p.41) a fim de deixar claro a que está disposto.

Ou seja, pode-se concluir que para Maquiavel os atos políticos são justificáveis para a legitimação do poder do governante. É claro que devemos contextualizar essa obra, entendendo que o autor viveu em um momento histórico de mudanças nas bases sociais. Urgia uma classe comerciante burguesa, ao mesmo tempo em que as relações governamentais sofriam transição. Era o momento em começava a se configurar os primeiros estados absolutistas. Nesse sentido, um governante para ser absoluto precisaria usar de toda a sua astúcia e esperteza para se manter no poder. A idéia da racionalidade da Idade clássica é aqui ressignificada e é desse momento histórico que temos a base para começar a pensar a configuração das relações de poder na atualidade, sem anacronismos, porém, algumas semelhanças são verificáveis.

 

O Poder em Hobbes

 

Thomas Hobbes, inglês, nascido no século XVI tem como uma de suas principais obras “Leviatã”, aonde aborda o poder de forma diferenciada a concepção de Maquiavel. Enquanto esse autor dava ênfase na política e jogos de poder de governantes ou homens que ascenderam ao poder por distintas formas, Hobbes centra sua teoria na análise do homem e sua natureza que em outra dinâmica levará a um estado absoluto de poder.

Para Hobbes, a natureza do homem é belicosa e a procura da paz esta na aceitação de contratos realizados entre outros homens. Ou seja, o “leviatã” seria a figura personificada do governante absoluto na terra, estando abaixo do governante imortal, divino, ao qual se delega a função de bem administrar a paz entre os homens. Nesse sentido, a eficácia do governante é medida através de sua capacidade de “cuidar” de seus súditos. Entendendo isso como a maneira em que o governante irá administrar seu estado, conferindo segurança para a manutenção da vida de seus súditos.

Hobbes vê a essência do homem como egoísta, e sua natureza belicosa deriva da discórdia fundada na competição, na desconfiança e na busca pela glória. Por isso, o homem está sempre em busca do poder para satisfazer suas paixões e seu individualismo. Desse pensamento, surgiu a expressão “o homem é lobo do homem”, presente em sua obra que diz respeito a esse estado natural do homem.

Para transpor esse estado de natureza, o homem faz um contrato, um pacto entre um homem e todos os outros, surgindo assim o Estado. A partir desse contrato, todos devem se submeter a esse poder e as liberdades individuais restringem-se ao que for permitido pelo soberano.

Assim, o pensamento de Hobbes se diferencia de Maquiavel também pela idéia de que o Estado se origina não simplesmente de uma conquista, mas que os homens se permitem ser conquistados por meio de um pacto simbólico com o governante. A perspectiva de poder presente em ambos é passível de questionamentos atuais não em sua completude, mas em alguns aspectos significativos de suas abordagens, sejam nas relações políticas mais gerais, sejam nas micro relações.

 

O Poder na escola

 

O grande impasse desse trabalho foi o de conseguir identificar na Escola elementos desses autores, sob pena de anacronismos ou reducionismos. Contudo, um esforço foi feito para estabelecer relações em nível geral.

A escola é um espaço político e é um espaço de poder. O pensamento de Maquiavel assemelha-se mais com uma visão generalista da escola. Assim não podemos reduzir o conceito de escola ao campo espacial físico que ocupa, mas percebê-la em sua dimensão total de poder. O que define o andamento e a administração da escola é o governo. Todas as políticas públicas que perpassam o interior da escola sejam no campo educacional, de inclusão, políticas públicas a família são definidas, em uma instância superior e muitas vezes alheia a própria vontade localizada de professores e gestores escolares.

Nessa perspectiva, poderíamos ver a escola como um meio pelo qual o governante controla, beneficia e cobra ações de reciprocidade que venham ao encontro de sua política governamental. Ou seja, se a política do estado exige uma qualificação para um mercado específico, se a demanda econômica é prioridade, a escola serve como um meio de difusão dos objetivos estatais. Mudanças significativas na educação são oriundas de grandes mudanças políticas[1].  Como propunha Maquiavel, o governante deve usar de todas as suas artimanhas para se manter no poder e a escola serve como veículo de imposição das vontades dos governantes.

Os resíduos em linhas gerais não são importantes para o governo. Contudo, se olharmos agora em linhas mais específicas, na subjetividade das relações interpessoais de poder, podemos aludir alguns aspectos do pensamento hobbesiano. Agora sim, olhando na especificidade da escola, campo espacial delimitado. Porque é tão difícil a convivência entre docentes e estudantes? Se olharmos pela análise de Hobbes sobre a natureza belicosa do homem, teremos posições conflitantes. Por um lado, as pessoas que convivem na escola ali estão porque assinaram um “contrato”. Em nível superior, o contrato se apresenta como a opção de escolher seu governante, seu representante sindical, seu gestor escolar. Em nível inferior, ou específico, está a aceitação do professor em atuar na docência, primeiro porque optou por cursar uma licenciatura e segundo por prestar concurso público, sabendo previamente das condições e exigências contratuais as quais estavam se submetendo. 

Porém, nas inter relações que ocorrem no interior da escola, estão presentes também os elementos constitutivos da natureza humana, via Hobbes, sendo a competitividade, a desconfiança e a busca pela valorização. Essas paixões acabam desencadeando discórdias entre colegas e a frustração na prática docente. Fazendo por fim uma analogia, enquanto o governante exerce o poder aos moldes de “O Príncipe”, as relações pormenorizadas no interior das escolas levam os professores a um retorno ao seu estado natural, seja belicoso para com o outro, seja consigo mesmo.

 

Referências

 

HOBBES, Thomas. Leviatã. Ed. Martin Claret, São Paulo, 2006.

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

RIBEIRO, Renato Janine. Ao leitor sem medo. Hobbes escrevendo sobre seu tempo. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

 

[1] Aqui, de forma sucinta referindo-se ao momento histórico vivido durante a ditadura militar no Brasil, quando se introduziu a perspectiva de uma educação profissional, tecnológica através do acordo entre Brasil e EUA denominado MEC-USAID, aonde houve uma mudança significativa no currículo educacional,entre elas,  a obrigatoriedade de uma língua estrangeira no currículo, sendo estabelecido a inclusão do  inglês.

Baixar artigo

Autores

  • PEIXOTO, Priscila dos S.

Áreas do conhecimento

  • Nenhuma cadastrada

Palavras chave

  • Escola, Política, Poder

Dados da publicação

  • Data: 29/06/2019
Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×