Percepções sobre a afetividade e o sentimentalismo como fundamento tutelar aplicado ao ensino na obra de Rousseau
RESUMO
Beber direto à fonte ou aos originais é tarefa sine qua non na pesquisa que busca resultados originais. Muito se escreve sobre o pai da pedagogia infantil – Jean Jacques Rousseau, onde seus críticos e admiradores iniciam suas leituras e percepções desde aquelas coleções de banca de jornal evoluindo até os ensaios da alta crítica, que podem ou não estar inserida no ambiente academicista. Este artigo tem por objetivo refletir sobre a crítica que se faz ao suposto sentimentalismo e vitimalismo atribuído pela crítica à obra de Rousseau.
1. Introdução
Na visão de muitos observadores, o romantismo e sentimentalismo de Rousseau são prejudiciais aos nobres ideais de uma verdadeira cidadania. Constata-se que, de fato, principalmente no que tange à área da pedagogia, foi este um dos pilares da obra de Rousseau: a afetividade, que em sua opinião deveria envolver as relações entre os membros da comunidade, principalmente na relação tutelar.
“Seria tentador, simples e rápido afirmar que esta concepção é a pedagogia naturalista, espontaneísta, que pretende educar o homem longe das civilizações, isolado nas florestas, impedindo-o de corromper-se com os vícios da sociedade, no entanto, ela é muito mais ampla, a ponto de se afirmar que não existe uma pedagogia rousseauniana no sentido sistemático e classificatório, por isso, talvez empregar tal termo seja um erro. Rousseau, desde o prefácio do Emilio, ou Da Educação, previne os leitores sobre esse aspecto” (PAMPLONA, Renata Silva, )
Rousseau, idealiza que o sentimento do amor pedagógico surge de pai para filho, de mestre para aprendiz, de governo para com o povo e em todas as áreas do relacionamento e viver em comunidade. Daí se outorgar aos ideais rousseanianos, o cerne da ideologia da Revolução Francesa, expresso no terceiro lema: fraternite. A palavra fraternidade envolve significação diretamente relacionada ao sentimento de pai para filho, de irmão para irmão e de amigo para amigo e nisto deveria se fundamentar a paz das nações segundo o ideal revolucionário.
“O iluminismo tinha profunda convicção na razão do indivíduo em sua moral, independência e liberdade intelectual, na justiça do Estado, na ação política livre, no respeito das crenças religiosas, na defesa dos direitos dos homens.” (PAMPLONA, Renata Silva, )
2. Afetividade obra de Rousseau
Nas primeiras obras do filósofo, são tratados assuntos universais, como se constata em Contrato social, Origem das desigualdades e Confissões, que definidos dentro de sua dialética serão aplicados a posteriori a diversas áreas que a obra do pensador tangenciou. Do ensino da criança, adolescente e jovem em O Emílio,até à vida adulta como marido e mulher e amantes visto em Emílio e Sophia e a Nova Heloísa, Rousseau centraliza em sua obra os princípios outrora sistematizados em seus textos iniciais, aplicando-os em discursos práticos na área do ensino, pedagogia, relacionamento familiar e vida em comunidade.
“em especial quando acreditava que as classes humildes não estavam em condições de serem educadas; dessa forma se pode notar o elitismo da educação que queria substituir a velha aristocracia de família, de posição e da igreja pela nova aristocracia de riqueza e inteligência. Rousseau vem justamente contrapor essas contradições e para isso propõe a fase naturalista do movimento do século XVIII, pensando o homem como ser ingênuo, puro, traçando um novo ideal para a sociedade.” (PAMPLONA, Renata Silva, )
Para a crítica, a principal motivação para esta fase literária de Rousseau, deve-se a tentativa de renegar sua vida promíscua na juventude, os problemas de abandono de filhos, a aventuras com mulheres da elite francesa. Apesar desta leitura, não se pode ignorar ou omitir-se quem em Rousseau, ocorre o resgate e hasteamento da proteção aos mais fracos, no que tange ao sentimento fraterno: o ser em desenvolvimento, que deve estar sob a condição de tutela, tema este, central em O Emílio, obra esta que destaca a aversão de Rousseau ao hedonismo e vitimismo do jovem, uma vez que são destacados valores diametralmente opostos.
“para Rousseau o que importa é pensar o homem integral, o que faz dele um ser, e um ser bom, e não apenas entendê-lo dentro de uma transformação social e política que contribui para o desenvolvimento social. (PAMPLONA, Renata Silva, )
Historicamente, pode ser constatado na Europa de Rousseau, onde a situação do menor, principalmente de classes inferiores, era precária, e isto prescindia de uma ideologia fundamentada na inversão da situação da criança coisificada, em uma nova visão do ser em formação, que carecia de um tratamento baseado no afeto, substituído pela crítica como sentimentalismo. Talvez a única teoria pedagógica que prescinda daquela baseada no amparo afetivo, seja a militar, no entanto, ainda existem outros sentimentos ou ideais, que segundo a visão belicista podem substituir o afeto em si mesmo, como o companheirismo, o altruísmo que na realidade estaria incluso na mesma espécie de sentimento fraterno.
“Rousseau rompe com a hegemonia racionalista, objetiva e faz uso da subjetividade, do sentimento, do desejo, das vontades. Ele condena a educação proposta e critica a forma como a criança é vista e tratada, assim como o descaso pelo espaço da infância ou pelo não reconhecimento desse espaço.” (PAMPLONA, Renata Silva, )
3. Rousseau e aplicações no Ensino
Nenhuma pedagogia infantil que se preze prescinde dos ideais rousseanianos, e nisto está o mérito da obra do filósofo, que não foi desenvolvida friamente ou com o rigor técnico de outros pensadores, mas sim pela via literária cotidiana inclusive através de contos com enredo e personagens, onde as ideias são aplicadas de forma natural e principalmente didáticas ao leitor, com linguagem simples e acessível principalmente aos tutores.
“Partindo então desse enfoque questionador e subjetivo, Rousseau compreenderá que a criança não pode estar passiva às determinações do mundo adulto e da sociedade em que vive e defenderá como eixo central na educação da criança, a sua liberdade. A educação de Emílio terá um só objetivo que é formar um homem livre, capaz de se defender contra todos os constrangimentos e para isso Rousseau afirma que há apenas um meio, que é tratá-lo como um ser livre, não de forma romanceada como hoje se faz uso corrente, mas de forma profunda, complexa. A liberdade será na concepção rousseaniana o fundamento que a faz, que a conduz, o que faz dela um diferencial para as idéias propostas em sua época. Como afirma Rousseau “O homem verdadeiramente livre só quer o que pode e faz o que lhe agrada. (PAMPLONA, Renata Silva, )
Para Rousseau, agir com sentimentalismo é reconhecer a posição de fragilidade do ser que é beneficiário da tutela, e este viés pedagógico é universal, apesar da confusão feita por muitos intérpretes atribuindo à sua obra a fragilidade humana destacada em Niestzche. Talvez seja por isso que o ensino e as técnicas da pedagogia tem se tornado ineficientes, pois carecem do elemento da afetividade, primeiramente por que pode ter faltado ao tutor, que na maioria das vezes não a desenvolveu para com seus aprendizes, e isto se torna cíclico.
“Neste sentido pode se afirmar que a questão da liberdade não pode ser compreendida pela razão puramente epistemológica e sim filosófica, que interrogue o verdadeiro sentido atribuído a essa liberdade, a fim de que mantenha uma flexibilidade diante das reflexões, exemplos práticos, devaneios e dúvidas de Rousseau. A concepção rousseauniana deve ser pensada a partir desse aspecto. (PAMPLONA, Renata Silva, )”
4.Entendendo a proposta de Rousseau
Um alerta aos estudiosos de qualquer área do conhecimento é que não se pode medir conhecimento somente quantitativamente, porque obviamente saber, etimologicamente falando, (kwon, em inglês) é diferente de ter conhecimento (knowlwdge, em inglês). Saber é diferente de ter informação. Ter uma biblioteca com mais de 1000 exemplares de livros não significa sabedoria, mas posse de informação a respeito de algo, que pode ou não ser manipulado acertadamente.
O estado natural é, em Rousseau, um artefato do discurso político – que expõe características intrínsecas a qualquer criatura humana. Será, nesse sentido, um “ponto de referência necessário à explicação dos comportamentos complexos que caracterizam os demais aspectos da existência do homem” (MACHADO, 1968, p. 100, apud BOTO, Carlota)
Erros conceituais surgem daí, principalmente em obras de pensadores que revolveriam em seu túmulo sem poder esclarecer o que realmente teriam dito. Sendo assim a principal divergência no que tange ao significado e impacto de sentimentalismo e vitimalismo em Rousseau pode ser descrito como um equívoco conceitual sobre os termos e suas aplicações, sendo que para formar opinião sobre isto, nenhum conhecimento tão dilatado sobre Rousseau é necessário, o que pode ser verificado até mesmo por iniciantes, como assinalado por Boto, 2006:
“Rousseau concebe a história dos homens como uma trajetória linear, que tem como ponto de partida a rusticidade e a simplicidade e como ponto de chegada o estado de civilização”. Teria ocorrido, portanto, antes um declínio do que um progresso. A educação das crianças, por sua vez, reproduziria, em escala individual, essa trajetória de desnaturação. Para Rousseau, seria fundamental encontrar uma alternativa para que o ser humano pudesse se reencontrar com sua suposta natureza. (BOTO, Carlota)
5.Conclusão
A outros autores, menos a Rousseau, pode ser atribuída a pecha de que promoveu um sentimentalismo exagerado, inconveniente ou equivocado. Seres sensíveis emocionalmente devem ser tratados com sensibilidade e assim por diante, e esta coerência é existente e legítima em toda obra de Rousseau, devendo ser sempre aplicada pelos educadores da atualidade.
6. Referências Bibliográficas
[1] PAMPLONA, Renata Silva - A CONCEPÇÃO PEDAGÓGICA EM ROUSSEAU, 2006
[2] BOTO, Carlota, 2011 - ROUSSEAU PRECEPTOR: ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA A INSTRUÇÃO DE CRIANÇAS VERDADEIRAS, 2011