28/06/2019

I MOSTRA DE CINEMA PIBID HISTÓRIA E OS DESAFIOS DA PESQUISA, ENSINO E EXTENSÃO

Introdução

O subprojeto “História & Educação: os meandros do ensino formal” do Programa de Iniciação à Docência- PIBID, tem sido um diferencial na rotina do Colégio Estadual Edna May Cardoso. Antes de qualquer ação na escola, o trabalho dos bolsistas se direcionou em num levantamento de dados que permeiam o ensino de História na escola, na busca de temas e projeção de ações. Denominamos esse levantamento de “Cartografia”, ou seja, cartografamos tentando mapear o perfil dos estudantes, dos docentes, funcionários e comunidade através da análise dos discursos escritos da escola (Projeto Pedagógico, Plano de Estudos, Diários de Classe, livros didáticos, atas de aprovação e reprovação) e dos discursos orais (entrevistas com estudantes, docentes e funcionários, aplicação de questionários, observação dos comportamentos e oralidades no interior da escola).        Com essa pesquisa, alguns temas emergiram como direcionadores de nossas primeiras ações e muitos foram constantes no desenvolvimento das atividades em 2010 como gênero, violência, diversidade, política e meio ambiente.

A orientação do nosso projeto é de fazer atividades que despertem a afirmação da vida e da multiplicidade de viver, tão percebida na Comunidade Fernando Ferrari. Na escola, percebemos muitas atitudes de preconceito com o diferente, seja nas relações de gênero, na hierarquia escolar, com as pessoas afro-descendentes, mas principalmente, existe na comunidade um repulsa com os moradores das regiões de ocupação da comunidade, que foram apelidadas de “Afeganistão e Vietnã” pelos estudantes e também com estudantes oriundos de outros bairros, além da diversidade religiosa, consumo de drogas entre outros temas.

Nossa estratégia para desenvolver esses temas, relacionando-os com a história foi a prática de oficinas, que no nosso entendimento dispensa freqüência e seriação. As atividades são desenvolvidas a partir de um problema inicial, a problematização, e quando se aproxima uma conclusão da questão, se lançam novas indagações, buscando aguçar o pensar dos participantes. A maioria das oficinas foram propostas a partir das sugestões e gostos dos estudantes, levantados pela Cartografia e também pelo gosto pessoal de cada bolsista.

Seria impossível falar de nossa atuação no Colégio Edna May Cardoso sem estender essa discussão à comunidade e como o projeto interage com os moradores. Isso se dá, na medida em o Colégio participa do Programa Escola Aberta, espaço esse que ocupamos desenvolvendo oficinas nos finais de semana, abertas a toda a comunidade. Além disso, a história da fundação da escola e da COHAB Fernando Ferrari esta ligada a movimentos coletivos de reivindicações pela melhoria dos espaços na Comunidade.

Por isso, no período das férias escolares, como o Programa Escola Aberta entra em recesso, optamos por criar atividades que englobassem toda a comunidade, tentando proporcionar outra opção de lazer para os moradores, bem como promover uma interação maior e divulgação do PIBID na Comunidade. Assim, realizamos a I Mostra de Cinema da Comunidade Fernando Ferrari, que teve como programação animações no período da tarde na Associação Comunitária da COHAB e no período da noite, a mostra foi realizada ao ar livre na Praça da Comunidade com inspiração do cinema drive in[1] dos Estados Unidos da América, com o diferencial de que era gratuito para toda a comunidade e os participantes da mostra não estavam em veículos.

 

            A Comunidade e a Escola

            A História da Comunidade é marcada pela luta coletiva de direitos à moradia e à educação. O Núcleo Habitacional Fernando Ferrari, conhecido como COHAB, esta localizado no bairro Camobi de Santa Maria e seus limites fazem divisas com terras da Universidade Federal de Santa Maria.

            O bairro Camobi teve seu desenvolvimento intensificado com a fundação da Universidade Federal de Santa Maria, no ano de 1960 e da Base Aérea de Santa Maria, em 1970. Nesse período, Camobi ainda era um Distrito da sede de Santa Maria. Diante do crescimento do bairro, muitas demandas foram necessárias para melhoria da qualidade de vida dos residentes, entre elas, criação de rodovias, especulação imobiliária, o crescimento populacional se itensificou, levando a uma manobra política no ano de 1982, quando Camobi deixa de ser Distrito e passa a ser bairro da sede Santa Maria, manobra essa, para dificultar tentativas de emancipação do Distrito. Com o receio da emancipação do bairro, a Universidade Federal de Santa Maria só passou a integrar oficialmente o bairro Camobi em 2006, antes disso era considerada uma área sem bairro, da mesma forma que nesse ano se oficializou os limites do bairro e outras áreas consideradas sem bairro passaram a integrar o bairro Camobi, sendo extinto a denominação de COHAB Camobi, região que hoje se estende apenas no espaço do Núcleo Habitacional Fernando Ferrari, aumentando os limites do bairro.

            Nesse contexto, o Núcleo habitacional surgiu das reivindicações de funcionários da UFSM, que desejavam moradia perto da Universidade a fim de economizar tempo e dinheiro, pois o deslocamento do centro da cidade de Santa Maria era oneroso para os funcionários. Essa manifestação dos funcionário teve apoio dos órgãos públicos, da Universidade e dos moradores do bairro. Assim, o Governo Estadual desapropriou uma área de 25 hectares localizada no lado esquerdo da UFSM, na direção bairro-centro. Em 2009 a COHAB completou 25 anos.

            Inicialmente, foram construídas 400 habitações, sendo efetivado o contrato definitivo em 1984. Porém, a maioria dos moradores selecionados para as habitações não foram funcionários da UFSM, pois não atendiam as exigências de renda mínima de 2,5 salários, determinada pela COHAB para aquisição de imóvel. Posteriormente houve a “ocupação” de 96 lotes de terras, destinado a construção de blocos de apartamentos e áreas verdes. Os ocupantes passaram a pagar de forma parcelada pelo terreno da COHAB e tiveram a autonomia de escolher a arquitetura de suas casas, fugindo do modelo padrão de casas de COHAB. Outro movimento de ocupação ocorreu às margens da sanga que cruza o Núcleo Habitacional, porém os ocupantes não tiveram direito à escritura das residências, mesmo depois de quitado o valor do imóvel, em virtude da área ocupada ferir o Plano Diretor da Prefeitura Municipal de reservar áreas verdes em qualquer bairro, vila ou núcleo.

            Em 2009 houve ampliação do espaço da COHAB devido aos Projetos de habitação e Moradia do Governo Federal, mediante o financiamento da casa própria do Programa da Caixa Econômica Federal. Hoje estima-se que a comunidade é habitada por aproximadamente 2000 moradores.

            A História da fundação do Colégio Estadual Professora Edna May Cardoso[2] mostra a mesma iniciativa dos moradores em 1982 de solicitar aos órgãos públicos a criação de uma escola para que seus filhos pudessem estudar, evitando grandes deslocamentos das crianças e adolescentes até a escola mais próxima. Essa iniciativa teve o apoio da Escola Estadual de 1º e 2º Graus Margarida Lopes, também situada no bairro Camobi, que cedeu professores, funcionários e orientadora educacional para o funcionamento de quatro salas de aula construídas em madeira pré-fabricadas em estilo “brizoletas[3]”, doadas à COHAB. Em pouco tempo, os níveis de ensino foram aumentando e a escola virou referência no bairro.

            No entanto, assim como a história da comunidade é marcada por lutas e reivindicações, também é marcada por frustrações e perdas. Antes mesmo da conclusão da construção da “Brizoleta” houve um vendaval na comunidade que desabou a construção, levando a reiniciar os trabalhos na comunidade. Em 1987, outro vendaval desabou as instalações da escola, interrompendo as atividades escolares. Após reuniões de moradores, a escola passou a funcionar de forma precária e improvisada nas dependências do salão da Associação Comunitária Fernando Ferrari e na creche Ipê Amarelo da UFSM. Em 1988, um mutirão de moradores construiu um novo prédio para dar continuidade as atividades letivas. Nesse prédio hoje funciona o CTG Sepé Tiaraju, outra reivindicação e conquista da comunidade.

            Somente em 1990 a escola passou a funcionar no endereço inicialmente destinado a ela: Quadra 28, Rua 09 da Cooperativa Habitacional (COHAB) Fernando Ferrari, em Camobi, no município de Santa Maria. Nesse ano, a escola deixou de ser uma extensão da escola Margarida Lopes e passou a se chamar Escola Estadual de 1º Grau Professora Edna May Cardoso, nome escolhido pela comunidade a partir de uma consulta popular. E em 2001, a escola se ampliou com a modalidade de ensino Médio.

            Como citado a cima, a história dessa comunidade é baseada na luta coletiva por melhorias, seja habitacional, educacional ou de lazer. No entanto, uma de nossas inserções na comunidade foi visitar todos os espaços que compreendem Núcleo Habitacional Fernando Ferrari, para analisar os discursos encontrados na escola sobre preconceitos com regiões da COHAB, situação econômica dos moradores, entre outros, mas o que percebemos é que essa história e a característica de luta coletiva estava se perdendo. Poucos moradores atuais relembram a história da comunidade e muitos nem sabiam da existência da escola na comunidade.

            Para nossa interpretação, alguns fatores que podem influir nesse “silenciamento” da história da comunidade, pode estar relacionado à renovação de moradores na COHAB, bem como, a maioria dos moradores trabalharem fora da COHAB, retornando para suas casas apenas no final da tarde e finais de semana.

            Diante disso, optamos por realizar a I Mostra de Cinema da COHAB Fernando Ferrari, na tentativa de proporcionar uma integração entre bolsistas, escola, Universidade e moradores, tendo como apoiadores a Associação Comunitária Fernando Ferrari e o CTG Sepé Tiaraju, trazendo temas já trabalhados com os estudantes no ano de 2010, bem como novas propostas de ações em 2011, com animações e filmes de longa metragem que nos auxiliem na perspectiva de despertar a reflexão sobre os temas propostos, e ainda proporcionar uma outra opção de lazer gratuito no período de férias para os residentes da COHAB.

Os Temas e a I Mostra de Cinema na COHAB Fernando Ferrari

Os temas da I Mostra de Cinema, realizada em fevereiro de 2011, se diversificaram em gênero, abordagem ambientalista, diversidade cultural, sujeito Histórico e História, além de atividades culturais nos espaços de realização da Mostra, sendo projetado nas tardes filmes de animação para as crianças e adolescentes no Centro Comunitário e nas noites, ao ar livre, filmes de longa metragem na Praça da COHAB.

A realização foi do PIBID História UFSM, com apoio do Centro Comunitário, CTG Sepé Tiaraju, Colégio Edna May Cardoso, Prefeitura Municipal de Santa Maria, Macondo Cine Clube, Clube de Cinema Fora do Eixo, Macondo Coletivo, Cultura Cine e Df5- Distribuidora de Filmes Fora do eixo.

               A temática de gênero surgiu a partir da análise dos livros didáticos utilizados pela escola, que mesmo abordando o tema mulher não mostravam a construção do processo histórico feito por homens e mulheres, destacavam apenas grandes líderes e heroínas da História. Da mesma forma, é uma temática latente a partir da observação dos discursos dos estudantes e práticas escolares, como por exemplo, ainda fazer fila por sexos nas séries do Ensino fundamental, além da expressiva curiosidade em relação à sexualidade expressada nas oficinas e questionários aplicados, como também pelo olhar resistente sobre a mudança dos papéis do homem e da mulher nas relações sociais e pessoais.

               Partindo do conhecimento histórico, criar um espaço para discutir gênero apresenta-se como um desafio ao repensar as práticas pedagógicas vigentes, inventando novas abordagens, buscando a interdisciplinaridade e a pensar novos materiais didáticos que auxiliem as práticas pedagógicas e a qualificação da formação do licenciado em História.

               Ainda, segundo Ana Maria Colling[4]

 

A história de gênero tenta introduzir na história global a dimensão da relação entre os sexos, com a certeza de que esta relação não é um fato natural, mas uma relação social construída e incessantemente remodelada. Gênero tem sido o termo utilizado para teorizar a questão da diferença sexual, questionando os papéis sociais destinados às mulheres e aos homens. Falar em gênero em vez de falar em sexo, indica que a condição das mulheres não está determinada pela natureza, pela biologia ou pelo sexo, mas é resultante de uma invenção, de uma engenharia social e política. A idéia de gênero, diferença de sexos baseada na cultura e produzida pela história, secundariamente ligada ao sexo biológico e não ditada pela natureza, tenta desconstruir o universal e mostrar a sua  historicidade. São as sociedades, as civilizações que conferem sentido à diferença, portanto não há verdade na diferença entre os sexos, mais um esforço interminável para dar-lhe sentido, interpretá-la e cultivá-la.(pg 04)

 

               A abordagem da sexualidade na escola e na comunidade vem também ao encontro dos Parâmetros Curriculares Nacionais, sendo um dos Temas Transversais a Orientação Sexual, que se subdivide em três eixos básicos: O Corpo Humano, as Relações de Gênero e a Prevenção a Doenças Sexualmente Transmissíveis- DSTs/ AIDS. Durante o ano, as oficinas se voltaram para discutir e problematizar as relações de gênero e o corpo, envolvendo o conhecimento histórico de pudor em relação ao corpo e questionando os papéis do homem e da mulher na sociedade, abrindo para a discussão das heterodoxias e da homossexualidade, presente na escola também.

               É um tema com inúmeros desdobramentos que possibilitam o trabalho interdisciplinar com os docentes da escola. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, na Apresentação dos Temas Transversais, a pertinência da orientação sexual na escola e a discussão de seus eixos evidencia-se na medida em que

 

“A abordagem do corpo como matriz da sexualidade tem como objetivo propiciar aos alunos conhecimento e respeito ao próprio corpo e noções sobre os cuidados que necessitam dos serviços de saúde. A discussão sobre gênero propicia o questionamento de papéis rigidamente estabelecidos a homens e mulheres na sociedade, a valorização de cada um e a flexibilização desses papéis. O trabalho de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/AIDS possibilita oferecer informações científicas e atualizadas sobre as formas de prevenção das doenças’. (pg 28)

 

               Na comunidade, nossa proposta de trabalhar com a temática de gênero foi de problematizar as relações entre homens e mulheres e padrões de comportamentos estabelecidos há gerações na comunidade. Para levar esse tema à comunidade, conversamos também com a enfermeira do Posto de Saúde Municipal da COHAB para verificar a relação da comunidade com a saúde. A enfermeira nos relatou que na comunidade existem vários casos de violência contra a mulher, a partir do alto grau de alcoolismo que existe na comunidade, bem como alto índice de gravidez na adolescência e de divórcio. Segundo ela, é significativo o uso de remédios antidepressivos na comunidade, principalmente pelas mulheres. O número expressivo de divórcios esta relacionado aos incessantes tentativas de relacionamentos, como se as mulheres não conseguissem se imaginar viver sem um companheiro e um casamento[5]. Percebemos que esse pensamento é repassado para os filhos e netos e vem daí nossa dificuldade de abordar a temática de gênero na escola.

               Por isso, escolhemos para apresentar na comunidade os seguintes filmes com a temática gênero: as animações “A princesa e o Sapo[6]” e a “Noiva Cadáver[7]’ e o longa metragem “ Dona da História[8]”, além  da apresentação de uma peça teatral, o monólogo “Maria Metade” da atriz, acadêmica do Curso de Artes Cênicas Daiani Cezimbra Brum.

               A escolha da animação ‘A Princesa e o Sapo”, de Ron Clements, veio da possibilidade de trabalhar tanto o tema de gênero, quanto da diversidade cultural, pois é perceptível na escola e na comunidade preconceito com pessoas afro-descentes, em algumas turmas. Com a história da animação podemos trabalhar principalmente a questão de estética e padrões de beleza, visto que essa princesa é a primeira princesa negra criada pela Disney, ainda com característica bem distintas das demais princesas. Enquanto as princesas brancas vivem a procura do príncipe encantado para viverem em seus lares felizes para sempre, a princesa negra do filme “A Princesa e o Sapo”, além de negra, é trabalhadora e sonha em abrir seu próprio restaurante, uma realidade das mulheres hoje que conquistaram o mercado de trabalho e o seu viver feliz para sempre esta relacionado também a realização profissional.

                A representação de uma princesa que não almeja apenas casar para ser feliz demonstra que as relações de gênero na nossa sociedade ocidental estão se modificando, indo além dos estereótipos sexuais, das características de fragilidade, e sensibilidade. O próprio cinema incorporou essas mudanças, as heroínas não são mais mulheres indefesas sempre salvas por príncipes, como nos clássicos da Branca de Neve e Bela Adormecida e os homens já não são tão viris e o objetivo de vida das mulheres, mas parte dessa vida.

               O filme de animação “A Noiva Cadáver”, de Tim Burton mostra um outro lado do pensamento feminino. A noiva cadáver, mesmo depois de estar no mundo dos mortos buscava seu final feliz em um casamento, contudo ela descobre que seu príncipe encantado foi o causador de sua entrada no mundo dos mortos, pois almejava herdar sua fortuna. Esse filme além de problematizar a temática de gênero e a busca pelo casamento, ainda possibilita abordagens históricas, pois é retratado no período de ascensão da burguesia e mostra através das relações de casamento o conflito entre os nobres e os novos ricos (burgueses).

               A história da noiva cadáver evidencia como era a figura da mulher na idade moderna, uma vez que os casamentos eram negociados de acordo com os interesses dos patriarcas das famílias, sendo a mulher em muitos casos, por seu dote, um pagamento, ou prêmio ao noivo, que muitas vezes era de uma família de renda inferior. Dessa forma, conforme o casamento, a mulher dava status ao novo marido.

               Já o longa “A Dona da História”, de Daniel Filho, além da temática de gênero, podemos trabalhar a percepção de sujeito histórico, pois a personagem Carolina, após uma vida inteira de abdicações de seus desejos para a realização do marido e dos filhos se vê em uma crise existencial e pede o divórcio, momento em que se encontra com ela mesma trinta anos mais jovem e ao saber que todos os seus sonhos de adolescência foram desfeitos, ela jovem decide mudar e destino de sua vida, e faz escolhas diferentes gerando diversos finais pra história de Carolina.

               Fora o enredo da história, as cenas do filme remetem a situações cotidianas nos casamentos, que incomodam muitas mulheres, e principalmente a falta de sensibilidade dos homens para essas questões, a idéia era proporcionar aos moradores a reflexão de suas práticas cotidianas e as abdicações que fizeram em suas vidas.

               Com a peça “Maria Metade” nossa intenção foi de fazer refletir a situação das mulheres que sofrem violência doméstica. Segundo a sinopse da atriz Daiani Cezimbra Brum

Maria Metade” trata-se da livre adaptação do conto “Olhos dos Mortos” de Mia Couto. Ao conto somam-se depoimentos, reportagens e textos literários que igualmente permeiam uma temática recorrente na história da humanidade, a violência contra a mulher. Através da figura de Maria Metade expõe-se o universo de impotência vivenciado por tantas gerações de Marias que “fecham as feridas no escuro íntimo do lar”, de Marias “desfocadas, esquecidas”, daquelas que nunca foram senhoras nem donas, que nunca passaram de “meios caminhos, meias desculpas e meias verdades”, de Marias metade.

 

               Os filmes de abordagem ambientalista, surgiram também do levantamento cartográfico que fizemos na escola, pois em uma das atividades realizadas relacionadas com política e eleições, a qual os estudantes participaram de uma eleição fictícia à Presidente da Escola,  em suas plataformas de campanha, citaram os problemas que percebiam na escola e comunidade. Entre esses problemas estavam a questão da poluição da Sanga que atravessa a COHAB, bem como a falta de cuidado com o Patrimônio Público. Ainda, se pensarmos na fala da enfermeira e nas nossas observações na escola, podemos trazer a pauta da discriminação com os moradores das regiões de ocupação ao redor da sanga, em sua maioria, pessoas de classe média baixa que vivem em situações precárias de habitação e higiene. Grande parte dos moradores são catadores de lixo, ou seja, prestam um serviço necessário à Comunidade e ao meio ambiente e ainda assim são vistos com discriminação.

               Se pensarmos também pelo viés das ações educativas na comunidade, o tema meio ambiente é um dos temas transversais presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais e na apresentação do tema meio ambiente, sua relevância é explicada pois,

Ao longo da história, o homem transformou-se pela modificação do meio ambiente, criou cultura, estabeleceu relações econômicas, modos de comunicação com a natureza e com os outros. Mas é preciso refletir sobre como devem ser essas relações socioeconômicas e ambientais, para se tomar decisões adequadas a cada passo, na direção das metas desejadas por todos: o crescimento cultural, a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental. (pg 27)

 

Dessa forma, faz-se necessário problematizar a ação do homem no meio ambiente e sua relação com a natureza. Assim escolhemos os filmes de curta e longa metragem: “Ilha das flores[9]” e “Saneamento Básico[10]”.

Com a apresentação do curta “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, optamos por despertar através de imagens fortes a reflexão dos moradores sobre a questão: “o que é lixo pra mim e o que é lixo pra você?”, fazendo uma analogia aos desperdícios de uma sociedade consumista, bem como chamando a atenção para a difícil vida daqueles que tem poucas oportunidades nessa sociedade, relembrando a situação dos moradores catadores da COHAB.

O filme de longa metragem “Saneamento Básico”, também de Jorge Furtado, é interessante na medida em mostra a relação cotidiana de moradores de uma comunidade que se incomoda com o mau cheiro do esgoto aberto, e em função disso tenta recursos com a Prefeitura para sanar esse incômodo. Porém, a única verba disponível é cultural e os moradores se aventuram a criar um curta problematizando a existência da fossa e a possibilidade de doenças a partir do contado com a sujeira do esgoto. Esse filme nos remete bem a situação da comunidade Fernando Ferrari, visto que existem muitas reclamações em relação à poluição da Sanga e das péssimas condições de higiene e moradia dos moradores ocupantes das regiões ao entorno da sanga. Nossa intenção foi de sutilmente estimular os moradores a agir sem a espera dos órgãos públicos, tornando evidente seu caráter de sujeitos históricos.

O filme que escolhemos para tratar de o que é História e sujeito histórico foi “Narradores de Javé[11]”, além de “A Dona da História” já citado anteriormente. A idéia era revitalizar a história da comunidade, suas lutas e conquistas, usando os filmes como uma inspiração para que consigamos fazer um registro da história da comunidade, com as histórias dos moradores. Além dos temas meio ambiente e gênero que foram trabalhados em 2010 e permanecerão entre as propostas de 2011, a compilação da história da comunidade é um desejo da supervisora do PIBID História no Colégio Edna May Cardoso. Para a concretização desse desejo, iremos utilizar as oficinas de Histórias em Quadrinhos, relatando acontecimentos dos estudantes, bem como a temática dos animes, e ainda projeta-se um trabalho de história oral na Comunidade.

Assim, a escolha do filme “Narradores de Javé”, de Eliane Caffé,  serviu como apresentação da nossa proposta de recolher na Comunidade as histórias, contos, encontros e desencontros dos moradores. A triste história de Javé, se modifica com a notícia de que Javé será inundada após a construção de uma hidrelétrica. Diante da possibilidade de extinção da comunidade, os moradores se unem para resgatar os feitos históricos e escrever um livro com o maior Patrimônio que lhes pertence: sua História, porém, a maioria dos moradores são analfabetos, gerando confusões do decorrer do filme.

O tema diversidade cultural também esteve presente na Mostra de Cinema com a exibição das animações “A Viagem de Chihiro”[12] e “As aventuras de Azur e Asmar”[13] e do longa “Quincas Berro D’água”[14].

Sobre a Diversidade, esse tema também faz parte dos Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais. A dificuldade de conviver com a diversidade tem se apresentado como uma constante nas escolas brasileiras, tanto que o Ministério da Educação, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais, escolheu como um dos temas transversais a Pluralidade Cultural. Segundo a apresentação dos temas Transversais

Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar os diferentes grupos e culturas que a constituem. A sociedade brasileira é formada não só por diferentes etnias, como por imigrantes de diferentes países. Além disso, as migrações colocam em contato grupos diferenciados. Sabe-se que as regiões brasileiras têm características culturais bastante diversas e a convivência entre grupos diferenciados nos planos social e cultural muitas vezes é marcada pelo preconceito e pela discriminação. O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade.

 Nesse sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural. (pg 27)

 

Dessa forma, a animação “A Viagem de Chihiro”, do Diretor Hayao Miyazak, se enquadra no tema da diversidade cultural na medida em que aproxima o telespectador da Cultura Japonesa, tanto em termos estéticos de produção de animações, utilizando-se de animes, quanto pelo conteúdo desenvolvido através das crenças, deuses e fantasias da cultura japonesa.

Já a animação “As Aventuras de azur e Asmar”, do Diretor Michel Ocelot , introduz elementos da cultura árabe, da mesma forma que o roteiro leva à reflexão sobre questões de racismo, em virtude do personagem Azur ser um menino branco de olhos azuis e Asmar um menino negro, árabe. Ambos crescem como irmãos, criados pela mãe de Asmar, empregada do pai de Azur. A influência da cultura árabe faz com que o pai de Azur  despeça a Mãe de Asmar, separando os dois irmãos, que só vão se encontrar anos mais tarde, no país de Asmar em busca da realização de uma promessa de infância: libertar a Fada dos Dijins. A maneira como é mostrado o reencontro dos irmãos e a presença de Azur em um país de pessoas de pele escura e de religiões diversas, leva ao choque de culturas de forma positiva. A idéia era de que essa animação afirmasse as diferenças como uma possibilidade de se construir algo novo, respeitando a diversidade.

O filme de longa metragem ‘Quincas Berro D’Agua”, do Diretor Sérgio Machado, veio como uma opção de substituir a proposta inicial de ser utilizado o filme “Trem da Vida”do Diretor Radu Mihailean na Mostra de Cinema. Em virtude de não encontrarmos o Trem da Vida com dublagem em português, optamos pelo filme Quincas Berro D’Água, por se enquadrar tanto no tema da diversidade, ao retratar a diversidade religiosa e social, como também retrata as relações de gênero ao mostrar um comportamento boêmio que afronta os costumes e a moral da família e de uma elite social. Assim, de forma cômica, inspirado na obra literária de Jorge Amado, a História de Quincas mostra o ritual da morte de forma diferenciada, com a afirmação da vida e dos comportamentos que o fizeram viver uma vida feliz.

A proposta de usar o espaço de uma praça propõe uma nova metodologia de utilização pedagógica de filmes, podendo se caracterizar como uma educação de rua. Os filmes traziam abordagens de temas presentes na comunidade, da mesma forma que a utilização de comédias sugere que o aprendizado pode se dar por meio do riso e da arte em geral, ressaltando as atividades de pintura que ocorreram durante o evento e da peça “Maria Metade” que problematizava a violência contra a mulher despertando o riso do público.

A I Mostra de Cinema da COHAB Fernando Ferrari se realizou nos dias 16, 17, 23 e 24 de fevereiro de 2011 e teve a participação de uma média de trinta crianças e adolescentes no período da tarde e de setenta crianças, adolescentes e adultos no período da noite, com divulgação utilizando-se um mega fone na comunidade e nos meios de comunicação: site da UFSM, nos jornais Diário de Santa Maria e Zero Hora e na rádio Universidade.

Conclusão

A experiência de realizar atividades com a comunidade serviu para consolidar nossa presença na COHAB e despertar confiança dos pais em nossas atividades, visto que desenvolvemos nossas intervenções e oficinas no turno inverso ao das aulas, o que necessita de autorização prévia dos pais para a presença dos estudantes em horários diferentes dos seus na escola. Regras de controle e segurança da direção da escola.

Causamos um diferencial na rotina da comunidade. Os filmes em espaço aberto, foi um estimulante de integração entre os moradores e oportunidade para que desenvolvêssemos pesquisas de opinião, na perspectiva de ter uma amostragem maior do perfil de pensamento da comunidade. As reações aos temas, filmes e atividades culturais que apresentamos (peça de teatro, oficina de pintura, exposição dos trabalhos feitos pelos estudantes em 2010) foram determinantes para repensarmos nossas estratégias na escola em 2011, buscando aumentar de forma significativa a participação dos estudantes e comunidade nos finais de semana.

Além dos filmes e atividades citados nesse artigo, outras intervenções  e curtas do acervo da DF5- Distribuidora de Filmes Fora do Eixo foram exibidos. O que diferencia nossa proposta, além de do ineditismo de um cinema ao ar livre na comunidade, foi nossa iniciativa de escolher os filmes do cinema Brasileiro, na tentativa de valorização e divulgação, rompendo com o preconceito que o senso comum impõe ao cinema brasileiro.

Nossas propostas foram apresentadas e principalmente, desenvolvemos uma atividade que se caracterizou como o tripé pesquisa, ensino e extensão. Pesquisa, pois todas as atividades necessitaram de fundamentação teórica e preparo dos bolsistas. Ensino, pela característica do projeto ser de criar estratégias pedagógicas diferenciadas para despertar o gosto pelo estudo da história, da mesma maneira em que aprendemos muito em contato com os estudantes e moradores, pois nossa concepção de educação é baseada no diálogo e na troca de saberes. E extensão por ter sido realizado na Comunidade aproximando esse projeto da Universidade Federal de Santa Maria do conhecimento da sociedade que vive ao entorno da UFSM.

 

 

 

Referências:

BELINAZO, Nadia Beatriz Casani. Escola Aberta para a Cidadania: O desafio da educação e as experiências do Colégio Estadual Professora Edna May Cardoso, Dissertação de Mestrado, Santa Maria: UFSM, 2010.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1997.

COLLING, Ana Maria. Artigo: As Mulheres e a Ditadura militar no Brasil, retirado de http://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/Ana_Maria_Colling.pd, acesso em 23 de janeiro de 2011, 22:40.

MARTINS, Elizabeth Castellão. A significação do sujeito histórico. Quarta versão 07/2003. Publicado por: Estudo do Meio | Março 19, 2009. Acessado em  http://estudodomeio.wordpress.com/2009/03/19/a-significacao-do-sujeito-historico/

http://www.crea-rs.org.br/crea/pags/revista/33/CR33_memoria.pdf, acesso em 07 de fevereiro de 2011, 22h.

http://macondocineclube.blogspot.com/, acesso em 12 de fevereiro de 2011, 17:27 min.

http://www.omelete.com.br/. Acesso em: 02 de fev. de 2011.

 

 

           

 

 

 

 

[1] A cultura de assistir filmes ao ar livre veio como inspiração do cinema Drive in dos Estados Unidos. O cinema Drive in se caracterizava por ser um estacionamento de carros em um terreno onde era exposto um telão que projetava filmes para quem quisesse assistir. O diferencial desse cinema era por ser mais acessível financeiramente às famílias, pois os ingressos eram cobrados por veículo e não por pessoa. Famílias numerosas optavam pelo cinema drive in.

[2] Informações retiradas  no Projeto Pedagógico do Colégio

[3] As Brizoletas eram escolas feitas de madeiras, integrantes do Programa Educacional  de 1959, do Governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, que tinha como objetivo a erradicação do analfabetismo e a escolarização das crianças entre 7 e 14 anos. Ver mais detalhes em: http://www.crea-rs.org.br/crea/pags/revista/33/CR33_memoria.pdf

[4] Citação presente no artigo “ As Mulheres e a ditadura Militar” encontrado na revista História em revista nº 10.

[5] Palavras da enfermeira do Posto de Saúde Walter Aita na COHAB Fernando Ferrari.

[6] Direção: Ron Clements, John Musker - EUA - 2009 - 97 min - Longa

[7] Direção: Tim Burton / Mike Johnson - EUA - 2005 - 78 min - Longa

[8] Direção: Daniel Filho - Brasil - 2004 - 90 min - Longa

 

[9] Direção: Jorge Furtado - Brasil ( Poa ) - 1988 - 13 min

[10] Direção: Jorge Furtado - Brasil ( Poa ) 2007 112 min – Longa

[11] Direção: Eliane Caffé - Brasil - 2003 - 100 min - Longa

[12] Direção: Hayao Miyazak – Japão – 2001 – 122 min – Longa

[13] Direção: Michel Ocelot  – França – 2006 – 99 min – Longa

[14] Direção: Sérgio Machado- Brasil- 2011-101 min- Longa

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Volume/Edição

Autores

  • PEIXOTO, Priscila dos S. ; OLIVEIRA, Priscila Roatt de.

Páginas

  • 1 a 16

Áreas do conhecimento

  • Nenhuma cadastrada

Palavras chave

  • Educação; Cinema; História

Dados da publicação

  • Data: 28/06/2019
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