08/04/2020

Ensino Religioso e a Educação das Relações Étnico-Raciais: uma análise do julgamento do Supremo Tribunal Federal

Antonio Gomes da Costa Neto

Doutor em Ciências Sociais

correio.antonio@gmail.com

 

RESUMO

 

O artigo aborda a decisão proferida nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4439 no Supremo Tribunal Federal (STF), para o cumprimento do Ensino Religioso e as Religiões de Matrizes Africanas, no tocante a Educação paras as Relações Étnico-Raciais. Discorre que o modelo brasileiro adota a política multiculturalista pela transversalidade, e o julgamento foi no sentido do direito subjetivo ao ensino religioso confessional, vinculado aos dogmas de cada fé, sem a interferência estatal, cujas atribuições são apenas de normas gerais.

 

Introdução

 

O artigo aborda o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em relação ao Ensino Religioso (ADI 4439), cujas discussões têm ocorrido no tocante à Educação para as Relações Étnico-Raciais, cujos equívocos de interpretação pelo não cumprimento da decisão é uma das marcas do desconhecimento, inclusive, do ponto de vista jurídico, além da divergência sobre as políticas antirracistas.

Inicialmente, devemos asseverar o modelo vigente antes do julgamento não contemplava as Religiões de Matrizes Africanas, nas formas confessional, interconfessional e não-confessional, cuja razão está no não cumprimento da Educação das Relações Étnico-Raciais, além do não acompanhamento das políticas étnico-raciais (COSTA NETO, 2010, 2019; CUSTÓDIO, FÓSTER, 2014; OLIVEIRA, 2014).

Essa situação decorre da política antirracista na educação ao utilizar-se da transversalidade para fomentá-la, não consegue suplantar a questão pública ou agenda governamental, como se depreende sua regulamentação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Resolução n. 01/2004 e o Parecer n. 03/2004, o qual adota a política multiculturalista proposta pelos mecanismos internacionais, apesar da legislação ser considerada com política de Estado.

Fato reverberado, posteriormente, no Parecer n. 06/2011 do Conselho Nacional de Educação (CNE), no qual sua parte dispositiva infere que o mesmo foi apenas uma sugestão, conforme se verifica do “art. 9º, § 1°, alínea “a”, da Lei nº 4.024/61, com a redação dada pela Lei nº 9.131/95[1]”, essa questão está apontada na discussão levada ao Supremo Tribunal Federal. Logo, são políticas multiculturalistas (ANDRADE, 2013; FERES JÚNIOR, NASCIMENTO, EISEMBERG, 2013; COSTA NETO, 2019; PORCIÚNCULA, 2014).  

Com efeito, o Ensino Religioso em relação às Religiões de Matrizes Africanas, ausente à participação dos interessados na construção do conteúdo da disciplina, no currículo, na formação dos Profissionais da Educação, bem como pela recusa de reconhecimento como religiosidade, em que o racismo, intolerância, discriminação e a ausência de cumprimento da Educação das Relações Étnico-Raciais.

Por outro lado, o dilema discutido na ação versava de igual forma sobre o Decreto Legislativo, nesse tocante, ainda antes do questionamento do Ministério Público, conforme trecho de Costa Neto (2011), em análise preliminar sobre os aspectos do acordo:

 

Em relação aos professores(as) habilitados(as) pela Santa Sé (Igreja Católica), dever-se-á levar em consideração o artigo 11 do Decreto Legislativo:

A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.

§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.  (grifo nosso)

O que se verifica do ajustamento celebrado entre o Brasil e a Santa Sé está no reconhecimento da autoridade eclesiástica, seja católica ou de qualquer outra confissão religiosa, como consta do voto do Deputado Relator do acordo na Câmara dos Deputados, para a formação e habilitação de professores(as), uma vez que os acordos internacionais são recepcionados no ordenamento jurídico brasileiro.

Denota-se, ainda, que com o acordo internacional, estaria, em uma primeira leitura, em desacordo com o artigo 33, da LDB, em relação ao proselitismo se interpretado como catequese ou doutrinação face ao caráter laico do Estado, todavia, a questão da assistência espiritual consta do artigo 8º do Decreto Legislativo ao tratar a prestação religiosa em estabelecimentos prisionais e de adolescentes em situação de risco (EJA).

Tem-se aqui é uma busca de regulamentar, a nosso ver, o profissional docente em conformidade com a LDB que já prevê a definição dos conteúdos da disciplina pelas diferentes denominações religiosas, ratificando que cada segmento religioso deverá propor um conteúdo que contemple sua respectiva religião e a habilitação do(a) docente.

Ou seja, o grande dilema é saber quem é o profissional responsável pela disciplina nas Escolas Públicas e o Estado como responsável por esse recrutamento através de processo seletivo é que tem o dever/ofício de especificar os requisitos exigidos observados pela legislação pertinente, uma vez que não se pode fazer nada que não esteja previsto em lei.

Tentaremos, à luz da legislação atual, responder esse questionamento, que a nosso ver é demasiadamente simples, o fervor está em saber a representatividade de cada religião, pois o receio está em utilizar a disciplina com fins ideológicos de reprodução da cultura dominante que a história da educação e o embate religioso demonstram as práticas de racismo e discriminação contra as minorias.

Da leitura das discussões dos Constituintes de 1988 nas escolas públicas, a polêmica estaria entre a relação à estreita ligação entre religião e a disciplina, consequentemente, o receio de se praticar catequese e doutrinação, evitando-se que estude religião sem proselitismo, portanto o conteúdo ou currículo da disciplina.

O então Senador Artur da Távola[2] bem explicitou o pensando do Constituinte de 1988 sobre a disciplina asseverando que a “consagração do princípio de que cada escola pública deve ter a faculdade de atender os anseios religiosos das comunidades a que serve”, inclusive, ressaltando as dificuldades que seriam encontradas pelas Religiões de Matrizes Africanas no conteúdo da disciplina à época da Constituinte.

Fato esse que ainda se perdura perante o segmento religioso de origem africana, apesar de serem reconhecidos como sociedade religiosa ainda permanece ausente quanto a sua inclusão na formação e capacitação dos profissionais docentes, bem como sua participação na formulação do currículo da disciplina.

Portanto, a intenção do Constituinte de 1988 foi no sentido de um(a) professor(a) que reflita o pensamento laico do Estado, todavia, um Educador que tenha conhecimento específico sobre determinada religião como requisito para seu exercício funcional, porém, respeitados os demais requisitos para investidura no cargo público para o desempenho da função magistério.

 

Dessa forma a Educação das Relações Étnico-Raciais como princípio filosófico-jurídico consagrado na Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e no Estatuto da Juventude, bem como diretriz político-jurídico previsto no Estatuto da Igualdade Racial e a garantia da manifestação das Religiões de Matrizes Africanas e das religiosidades dos povos indígenas no Ensino Religioso.

Os argumentos das Religiões de Matrizes Africanas

Consoante se infere do memorial apresentado ao Supremo Tribunal Federal, quando da realização de audiência pública, foram propostas preliminares, ou seja, antes de adentrar ao conteúdo principal da manifestação algumas premissas foi apresentado, inicialmente, o conceito de Religiões de Matrizes Africanas lastreada na definição de Costa Neto (2010):

 

Apesar da divergência semântica (sentido e referente) do uso do termo Religiões de “matriz” ou “matrizes” Africanas na literatura especializada, etimologicamente, ambas as palavras são derivadas do mesmo radical (matr-), costumeiramente, são atribuídos os mesmos significados
como designação do continente africano, e não a localização geográfica ou os territórios dos grupos religiosos geradores das religiões afro-brasileiras.

Não se pode atribuir os mesmos significados aos dois termos, o sentido, ou representação simbólica em relação à origem deve ser compreendido como um continente e sua população em razão da segmentação da experiência humana; já o referente, necessário se faz considerar como diferentes, dispondo-lhes de valores distintos em razão da localização, da história, da língua e da cultura.

Portanto, optamos pelo uso de Religiões de Matrizes Africanas como forma de designação das diversas tradições religiosas transmitidas pelos(as) africanos(as) para o Brasil a partir de traços[3] culturais, linguísticos[4], históricos[5] e geográficos[6].

  •  

Portanto, entender às Religiões de Matrizes Africanas e sua participação no contexto social do Brasil de hoje, faz-se necessário à compreensão do passado, portanto, na tradição africana transferida para o Brasil, que da mesma forma que existiu na África, utilizou do mesmo instrumento de transmissão, àquela que Bâ chama de tradição oral, uma vez que “nenhuma tentativa de penetrar a história e o espírito dos povos africanos terá validade a menos que se apoie nessa herança de conhecimento de toda espécie”. (UNESCO, 1982, p. 181)

 

De igual sorte pela necessidade e reconhecimento da participação dos povos indígenas de ontem, e de hoje, especialmente, no tocante ao direito de sua manifestação e inclusão de suas religiosidades perante a temática do Ensino Religioso, eis que se tratam dos povos originários e constituidores da sociedade brasileira, e qualquer discussão sobre religião requer a necessidade de ser parte[7] da Audiência.

Além de proporem no tocante aos efeitos da modulação da decisão, a garantia da inclusão no currículo da disciplina, na formação dos Professores, no sistema de regulação, fiscalização, monitoramento e avaliação, o Ensino da História e Cultura da África, dos Afro-brasileiros e Indígenas previstos no artigo 26-A da Lei n. 9.394/1996 (LDB) de caráter obrigatório e permanente.

Em relação ao racismo discorre está estruturado em três vertentes: i) institucional, como práticas e leis que refletem desigualdades, intencionais ou não; ii) cultural, proposta de um ideal de uma herança cultural eurocêntrica com a desvalorização da cultura de origem africana; iii) e, individual, quando pessoas as praticam de forma individualizada em razão dos traços físicos (JONES, 1973).

Além da existência do racialismo (racialism) e sua cumplicidade na teoria racial “científica”, cujo fato até hoje não encarado do “racismo moderno como invenção da ciência” (YOUNG, 2005, p. 79), e da ideologia racista que deverá ser desconstruída através Políticas Públicas efetivas (GUIMARAES, 2009, p. 66).

Por sua vez no tocante a Intolerância Religiosa em relação às Religiões de Matrizes Africanas, em razão do fato de existir a “noção de religião considerada como foco de resistência cultural e de preservação da identidade étnica” (FERRETTI, 1995, p. 95).

Portanto, em função do racismo (COSTA NETO, op. cit., 2010), cujo pressuposto tem relação direta com a questão de sua origem, ou melhor, a África e o seu culto no Brasil e da existência da Escravidão Moderna[8] com a anuência da academia (racialismo).

 Nesse aspecto ao apresentar a Educação das Relações Étnico-Raciais e ausência na formação inicial e continuada dos Profissionais da Educação das categorias dos profissionais de Gestores, Professores, Orientadores, Técnicos e Apoio Escolar (COSTA NETO, 2012), significa que o racismo não é desconstruído, ou seja, sem a presença dessa temática no Ensino Religioso a participação das Religiões de Matrizes Africanas torna inócua qualquer desconstrução.

Patente que o não cumprimento dessas medidas, especialmente, em relação à desconstrução do racismo e de Políticas Públicas Antirracistas, sua ausência nos cursos destinados de formação de professores que atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental e demais licenciaturas.

  1. As propostas das Religiões de Matrizes Africanas

Portanto, a pergunta a ser respondida perante a Audiência pública e a exposição foi a seguinte: será que todas as religiões convidadas à Audiência Pública aceitariam discutir suas crenças sem a autoridade dos religiosos?

Nesse sentido a manifestação sobre a decisão a ser proferida pelo Ministro Relator, atualizando os conhecimentos científicos, além das contribuições recebidas, em relação ao o Ensino Religioso foram as seguintes:

 

  1. Educação Infantil[9]: compete ao professor(a) habilitado em curso de pedagogia, que tenha no currículo de formação do curso de graduação Ensino Religioso ou Especialização, Mestrado, Doutorado em Ensino Religioso ou Ciências da Religião;
  2. Educação Básica: séries iniciais (até o 3º ano) do ensino fundamental compete ao professor(a) habilitado em curso de pedagogia, que tenha no currículo de formação da graduação Ensino Religioso ou Especialização, Mestrado, Doutorado em Ensino Religioso ou Ciências da Religião;
  3. Educação Básica: séries iniciais e finais do ensino fundamental (4º ao 9º ano), professor(a) habilitado com Licenciatura em Ensino Religioso ou Ciências da Religião;
  4. Educação Básica: ensino médio[10], professor(a) habilitado com Licenciatura em Ensino Religioso ou Ciências da Religiões;
  5. Educação Básica: inserir nos Cursos de Formação Inicial e Continuada dos Profissionais da Educação (art. 61, incisos I, II e III da Lei n. 9.394/1996) nos sistemas de ensino a participação das diversas denominações religiosas, especialmente, as Religiões de Matrizes Africanas;
  6. Sistema de Avaliação da Educação Básica: incluir no processo de autorização, credenciamento e recredenciamento em relação à disciplina Ensino Religioso a Educação das Relações Étnico-Raciais (art. 26-A da Lei n. 9.394/1996), com a garantia da participação das diversas denominações religiosas, especialmente, as Religiões de Matrizes Africanas;
  7. Sistema de Educação Superior: incluir no conceito de avaliação do Curso de Graduação em Pedagogia das Instituições de Ensino Superior (IES) Públicas e Privadas em seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e Plano Pedagógico do Curso (PPC), obrigatoriamente, na grade curricular as disciplinas Ensino Religioso ou Ciência da Religião;
  8. Sistema de Educação Superior: criação, obrigatoriamente, de Licenciatura em Ensino Religioso ou Ciência da Religião nas Instituições de Ensino Superior (Públicas e Privadas) para profissionais da educação que atuarão na Educação Básica;
  9. Sistema de Educação Superior: elaborar e regulamentar pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) de diretrizes curriculares nacionais para licenciatura em Ensino Religioso ou Ciência da Religião em prazo não superior a 06 (seis) meses da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a manifestação das diversas denominações religiosas na elaboração do currículo;
  10. Sistema de Educação Superior: elaborar e regulamentar pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) de diretrizes curriculares nacionais orientando os sistemas de ensino em relação ao Ensino Religioso ou Ciência da Religião em prazo não superior a 06 (seis) meses da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com a manifestação das diversas denominações religiosas na elaboração dos currículos;
  11. Sistema de Educação Superior: determinar, em caráter obrigatório, a Educação das Relações Étnico-Raciais (art. 26-A da Lei n. 9.394/1996 – LDB - estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena), nos cursos de Graduação em Pedagogia, Ensino Religioso ou Ciência da Religião, fazendo parte do conceito de avaliação do Curso de Graduação da Instituição de Ensino Superior (IES), bem o como no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e Plano Pedagógico do Curso (PPC), excluindo qualquer modelo em contrário;
  12. Garantir nos Sistemas de Ensino da Educação Básica e Superior, o direito de participação das diferentes denominações religiosas, incluindo as Religiões de Matrizes Africanas, na definição dos conteúdos das Diretrizes Curriculares Nacionais e na Formação dos Profissionais da Educação e durante os cursos de Graduação e pós-graduação;
  13. Educação Superior: seja obrigatório no Sistema de Avaliação da Educação Superior (SINAES), a Educação das Relações Étnico-Raciais (art. 26-A da Lei n. 9.394/1996) faça parte do conceito de avaliação das Instituições de Ensino Superior retirando qualquer modelo de avaliação em contrário;
  14. Determinar aos Estados, Distrito Federal e Municípios, que possuam regulamentação sobre o Ensino Religioso, inclua, obrigatoriamente, a Educação das Relações Étnico-Raciais (art. 26-A da Lei n. 9.394/1996), com a participação das denominações religiosas, nesse passo as Religiões de Matrizes Africanas nos cursos de Formação dos Profissionais da Educação;
  15. Determinar nos cursos de Licenciatura em Pedagogia das Instituições de Ensino Superior (Públicas e Privadas) tenha em seu currículo a disciplina Ensino Religioso e Educação das Relações Étnico-Raciais (art. 26-A da Lei n. 9.394/1996), com a participação das diversas denominações religiosas, especialmente, as Religiões de Matrizes Africanas, a partir do primeiro exercício seguinte à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no conceito de avaliação do Curso, independentemente da publicação do Acórdão;
  16. Educação superior: incluir nos processos de Credenciamento, Recredenciamento, Autorização, Reconhecimento, Renovação, Supervisão e Avaliação das Instituições de Ensino Superior nos currículos cursos de Graduação em Pedagogia, na grade curricular de formação o Ensino Religioso ou Ciência da Religião a Educação das Relações Étnico-Raciais (art. 26-A da Lei n. 9.394/1996), com a participação das diversas denominações religiosas,
    fazendo parte obrigatória do conceito de avaliação do curso, retirando qualquer modelo de avaliação em contrário.

 

Essa proposta considerou que o Ensino e História da África, dos Afro-brasileiros e Indígenas no Ensino Religioso, tanto na Educação Básica e Superior, têm entre seus objetivos a desconstrução ( do racismo (racism) e das teses acadêmicas do racialismo (racialism) na estrutura da Educação.

Bem como na formação dos profissionais da educação, especialmente, os (as) Professores (as) que atuarão na disciplina no Ensino Religioso e dos demais profissionais da área de controle governamental, garantindo a Educação das Relações Étnico-Raciais, de caráter obrigatório e permanente no conceito de avaliação dos Cursos de Graduação e Licenciatura das Instituições de Ensino Superior (Públicas e Privadas), retirando qualquer forma, modelo ou mecanismo em contrário.

Conclusão

O julgamento no Supremo Tribunal Federal foi pela improcedência da proposta do Ministério Público Federal, consequentemente, reconhece o direito ao Ensino Religioso Confessional e de Matrícula Facultativa, acatando a tese daqueles em sentido favorável ao ensino religioso.

O Acórdão do Ministro Relator Alexandre de Moraes discorre de forma explícita que o ensino religioso é consagrado como direito subjetivo, nos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, baseada na sua confissão religiosa e nos dogmas da fé, e de igual modo impede que o Estado crie um “modo artificial seu próprio ensino religioso”.

Tal observação se faz necessário, eis que o risco de modelos e mecanismos administrativos de evitar o cumprimento da decisão judicial, em tese, com a emissão de atos administrativos buscando de forma explícita ou implícita transformar o ensino religioso em disciplinas não vinculadas as religiões.

Esse fato tem relação direta com a condução do voto vencedor, o qual é a baliza para o cumprimento das normas pelos sistemas de ensino, além da observação pela estrutura da educação de garantir o “direito subjetivo constitucional do estudante de matricular-se no ensino religioso de sua confissão” (MORAES, 2018). Acentua-se aqui o fato de que apesar da ação versar sobre o ensino fundamental, o mesmo princípio aplica-se ao ensino médio daqueles Estados que preveem o ensino religioso nessa fase do ensino.

O voto do relator, de forma peremptória, assegura além da proteção do indivíduo e as diversas religiões das intervenções estatais, bem como mantêm a laicidade do Estado, porém, ressalta não se tratar de um “dever imposto pelo Poder Público”, todavia, resguarda o direito à oferta do ensino religioso de matrícula facultativa.

No Acórdão ressalta que não deve confundir os conteúdos do ensino religioso com o estudo de “história, filosófica ou ciência das religiões”, o qual denominou de “fictício conteúdo ministrado diversas crenças”, consequentemente, o direito a um ensino religioso segundo os “princípios da confissão religiosa do aluno, independente de sua crença”.

Por outro lado impõe o dever de respeito do Estado a todas as confissões religiosas, bem como não beneficiar ou privilegiar determinada religião, de modo a garantir a plena liberdade religiosa, repiso, sem a intervenção estatal, evitando-se mecanismos institucionais de não cumprimento por meios artificiais de criação de disciplinas não vinculadas à religião do discente.

Percebe-se do comando da decisão, de caráter vinculante, uma vez que decidido em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o qual define dentre as funções do Estado, o estabelecimento de regras administrativas gerais, e não interferência no conteúdo ou na escolha dos estudantes ou de seus pais/responsáveis.

Ou seja, caberá aos órgãos gerais de educação dos diversos sistemas de ensino, o cumprimento da norma para efetivo cumprimento, porém, não deverá efetuar instruções que determinem no modelo a ser ministrado por cada religião, evitando a interferência estatal, sob o risco de direcionamento ou favorecimento não previsto na decisão.

Nesse sentido a Educação das Relações Étnico-Raciais como princípio filosófico-jurídico e diretriz político-jurídica pela desconstrução ( do racismo (racism) e das teses acadêmicas do racialismo (racialism.

Segundo o voto condutor e da tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal, ficou evidente dentre as propostas apresentadas, aquela proferida pelas Religiões de Matrizes Africanas coadunou-se com a decisão proferida, ou seja, o direito subjetivo ao ensino religioso confessional, vinculado aos dogmas de cada fé, sem a interferência estatal, cujas atribuições são apenas de normas gerais de funcionamento.

 

 

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UNESCO. História Geral da África: Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática, 1982

YOUNG, Robert. Desejo Colonial. Perspectiva, 2005.

 


[1] Art.9º As Câmaras emitirão pareceres e decidirão, privativa e autonomamente, os assuntos a elas pertinentes, cabendo, quando for o caso, recurso ao Conselho Pleno.

§ 1º São atribuições da Câmara de Educação Básica:

a) examinar os problemas da educação infantil, do ensino fundamental, da educação especial e do ensino médio e tecnológico e oferecer sugestões para sua solução;

[3] Estar-se-á aqui se referindo ao conceito de fronteiras proposto por Barth (1998, p. 226) em relação às diferenças culturais e não o entendimento de nação atribuído às religiões afro-brasileiras.

[4] Cf. Greenberg (1982, p. 314) as línguas africanas classificam em quatro famílias principais (Línguas afro-asiáticas, Niger-Kordofaniano, Nilo-Saariana e Khoisan), no Brasil destacaram-se tão-somente as influência dos falantes do Niger-Kordofaniano, as línguas do grupo kwa (ioruba, fon, ewe, ibô, etc) e do grupo Bantu (Kimbundo, Kikongo, etc).

[5] A história das religiões afro-brasileiras e sua origem no continente Africano, conforme Luz (2000, p. 25) por ser “a civilização mais antiga do mundo”, deve ser observada a partir do historicismo das vertentes religiosas transferidas para o Brasil.

[6] Em razão do relevo geográfico, com exceção da África do Norte, o continente permaneceu por vários séculos fora das principais rotas de comércio, é certo que não completamente, o que só ocorreu com maior intensidade a partir do século XV (DIARRA, 1982, p. 337), portanto, a predominância das religiões seria àquelas referentes às regiões geográficas-econômicas e políticas dos quatros ciclos da escravidão incluído o tráfico clandestino para o Brasil, como bem assinalou Anjos (2009, p. 58) sendo “o território étnico seria o espaço construído, materializado a partir das referências de identidade e pertencimento territorial e, geralmente, a sua população tem um traço de origem comum”.

[7] Infere-se dos autos a ausência dos povos originários – indígenas -.

[8] Cf. Moura (idem, p. 194), a escravidão moderna ou colonial foi regulamentada pela Igreja Católica Apostólica Romana através da bula Romanus Pontifix, de 08 de janeiro de 1455, assinada por Nicolau V, conferindo aos navegadores a função de reduzir os infiéis, e o negócio de impor aos negros a perpétua escravidão.

[9] A título de exemplo o Distrito Federal que em sua Lei Orgânica prevê em todas as etapas da Educação Básica.

Art. 234. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina em horário regular de todas as etapas da educação básica.

[10] Exemplo o Distrito Federal.

 

 

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Volume/Edição

Autores

  • COSTA NETO, Antonio Gomes da

Páginas

  • 1 a 15

Áreas do conhecimento

  • Nenhuma cadastrada

Palavras chave

  • ENSINO RELIGIOSO, EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Dados da publicação

  • Data: 08/04/2020
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