DEZESSEIS ANOS DA LEI 10.639: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
DEZESSEIS ANOS DA LEI 10.639: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Liana Barcelos Porto
RESUMO
O presente artigo se propõe a realizar uma reflexão sobre os dezesseis anos da existência da Lei 10.639/2003 que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos currículos da Educação Básica no Brasil. Este estudo busca refletir sobre avanços e entraves da aplicabilidade desta lei, bem como discutir sobre algumas das razões da dificuldade de sua efetiva implementação, por meio da análise dos discursos de dez professores da rede municipal da cidade de Canguçu no estado do Rio Grande do Sul. Finalizamos este trabalho auferindo que a falta de conhecimento aprofundado sobre o tema e principalmente as dificuldades estruturais do sistema educacional brasileiro com suas bases ideológicas racistas são os principais fatores que corroboram para a ineficácia da efetivação plena dessa lei. No entanto olhando para os discursos dos partícipes dessa pesquisa talvez não tenhamos alcançado a aplicabilidade total e tão sonhada dessa lei. Entretanto, podemos festejar que saímos de duas posturas que tendiam a se cristalizar no fazer pedagógico: a redução do negro à condição de escravo submisso (nem mesmo de escravizados) e a exaltação do dia “13 de maio” como data a ser comemorada. Definitivamente, Zumbi entrou nas escolas. E o 20 de Novembro passou a ser uma data celebrada com muita reflexão do que significa o despertar do pertencimento negro, nossas raízes, nossas heranças, nossos desafios raciais. E alguns temas sobre o negro começaram a ser trabalhados e incorporados, ora enquanto disciplina, ora, transversalmente. A África e seus reinos, sua geografia, seus inventos, sua cultura, suas religiões. A escravidão dos africanos no processo de colonização das Américas e as formas de resistência dos negros em todos os tempos e lugares. Os quilombos, de ontem e de hoje. As revoltas negras, as lideranças e personalidades negras de todos os tempos. A tradição, a cultura, a beleza negra. O racismo foi pautado na escola não como coisa que só fora da ambiente escolar. São pontos que nos alegram e nos permitem continuar resistindo, lutando e sonhando com um mundo melhor e mais justo.
PALAVRAS-CHAVE: Lei 10.639/2003, Pertencimento, Implementação.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é refletir sobre a aplicação da Lei 10.639/2003 que institui a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos currículos da Educação Básica no Brasil, passados dezesseis anos dessa obrigatoriedade legal inserida nos currículos escolares de todas as redes de ensino do país. Pensamos... E aí? O que comemorar? O que mudou? Em que avançamos? A educação mudou? Mudou nossa forma de pensarmos a nós mesmos? O que temos, após dezesseis anos? Uma lei a ser ainda implementada?
Estas questões nos levaram a reflexões, ainda que incipientes, mas que foram ganhando corpo, a partir das leituras e de um olhar mais crítico sobre a implementação dessa lei nos espaços escolares.
Deste modo, começamos a perceber a importância deste debate na perspectiva da construção de relações sociais justas, humanas e coletivas. No entanto, para a grande maioria dos envolvidos no processo da educação escolar, a relação entre raça/racismo e educação passa despercebida. Esta parece ser invisível aos olhos dos brancos, amarelos, índios e dos próprios negros. Perpassa pelos bancos escolares uma névoa ideológica, “quase imperceptível” de sustentação à crença de inferioridade do grupo negro.
Com base nestas constatações ora estabelecidas, é possível suster a convicção de que só de forma coletiva é possível realizar ações de transformação na perspectiva da construção de uma sociedade norteada por relações sociais justas, igualitárias e solidárias. Portanto, entendemos ser fundamental avançar, das sensações e compreensões individuais, para a compreensão e ação coletiva. Qualquer fenômeno social precisa ser entendido na sua relação com a totalidade.
Sendo assim, o desafio deste trabalho é, a partir da pesquisa bibliográfica prévia sobre o tema e a análise dos discursos de dez professores da rede municipal de Canguçu que participaram da referida pesquisa respondendo algumas questões em entrevista presencial e semiestruturada, compreender como a Lei 10639/03 foi implementada nas escolas. Vale ressaltar que esta lei altera os dispositivos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino de educação básica, sejam estes públicos ou privados. Além do mais, a Lei institui a data de 20 de novembro, no calendário escolar, como dia da consciência negra. Essa legislação é fruto de antigas reivindicações e preocupações do movimento social negro em relação à educação.
2 DESENVOLVIMENTO
O ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana no Brasil celebra mais de dezesseis anos desde a data de sua publicação no Diário Oficial da União, em 10 de janeiro de 2003. A Lei 10.639 simboliza um marco histórico da luta antirracista no Brasil e transformação da política educacional e social brasileira.
A Lei em que trata essa pesquisa, estabelece diretrizes e bases para a educação nacional, ressalta a importância do ensino da cultura negra direcionado às escolas, espaço onde o negro sempre foi apontado nas aulas de História como escravo. Nunca é demais esclarecer que o negro africano trazido à força para o Brasil e seus descendentes não eram escravos como uma condição natural, submissa, preconceituosa e depreciativa, mas sim escravizados.
Uma conquista do Movimento Negro, hoje a Lei 10.639 ainda não é efetivamente cumprida em função de um conjunto de intolerâncias e discriminações enraizadas na sociedade brasileira. Segundo Araújo (2018, p.2):
O não cumprimento dessa lei corrobora a história da África não contada no Brasil, que faz com que não tenhamos referências negras nas ciências; nas artes; na política e em tantas outras áreas do conhecimento registradas nos livros didáticos utilizados nas escolas de ensino fundamental e médio. A dificuldade também se encontra no campo de formação da maioria dos educadores, que não reconhecem a importância da história e da cultura africana para a compreensão da verdadeira história do Brasil. A ausência de referências da história não contada sobre os negros mostra um país que entende que o negro só nasceu a partir da época da escravatura... (ARAÚJO, 2018, p.2).
Com base nisso, nosso trabalho enquanto educadores e cidadãos é diminuir essa lacuna por meio de políticas públicas de ações afirmativas. É um desafio, mas nós temos que fazer com que essas políticas sejam cumpridas. Mas ainda há muito o que fazer e transformar... Contamos com alguns importantes avanços no que se refere ao sistema de reserva de vagas oferecidas nos concursos públicos (Lei 12.990/2014) e o ingresso nas universidades públicas federais do país (Lei 12.711/2012).
As cotas são necessárias e deram certo. Agora o que precisamos é que as universidades e órgãos públicos possam juntos atuar para garantir o acesso e permanência do negro nos espaços acadêmicos e corporativos. Sobre isso Araújo (2018, p.4) diz:
O sistema de cotas foi implantado no Brasil objetivamente para que pudéssemos colocar um negro e um não negro em um mesmo ambiente escolar e mostrar o óbvio, que o intelecto e a capacidade independem da sua cor de pele. O nosso desafio é mostrar para a sociedade que o racismo existe e que, primeiro tem que ser reconhecido para que possamos então, com a execução das políticas públicas existentes, ser o remédio para que as desigualdades realmente sejam superadas. (ARAÚJO, 2018, p.4).
Jamais venceremos as desigualdades e o racismo ainda latente em nosso país se não tivermos o recorte racial, mas não adianta falarmos de enfrentamento ao racismo se o Legislativo, Executivo e o Judiciário não se comprometerem com a política de promoção da igualdade racial. Precisamos conscientizar os gestores de que a política de promoção da igualdade racial não é uma despesa, pelo contrário, a criação de órgãos e conselhos de igualdade racial fomentará a movimentação positiva de recursos.
Ressaltamos que nosso papel de cidadãos e educadores é de trabalhar de forma justa e igualitária, exigindo que a valorização da diversidade, das relações sociais e identidades, seja muito mais do que um discurso e sim uma prática concreta e efetiva.
Voltando a questão da lei 10.639/03 Passos (2013, p.3) constata que muitos educadores conseguiram redimensionar todo seu fazer escolar, seja qual for a disciplina, a matéria, o conteúdo, o lugar de ação, dialogando com a uma perspectiva plural de se pensar o ser humano e a sociedade. Esse mesmo autor (2013, p.4) nos provoca a refletir quem é esse professor que faz a lei 10.639/03 acontecer e também busca refletir em seus trabalhos acadêmicos sobre os desafios na formação dos professores no seu pertencimento étnico-racial enquanto condição para o respeito e valorização do legado africano e da diversidade, inclusive religiosa, que ele encontrará em sala de aula.
Entretanto, 16 anos depois dessa importante lei, temos a sensação de que vamos começar do zero a cada manhã, a cada conselho de classe, a cada jornada pedagógica, a cada aula. Mas, a sociedade já se enxerga de outra forma.
Ainda que de forma incipiente promovemos uma mudança de paradigma a partir da educação. A escola foi convidada a promover na sociedade uma auto reflexão, um olhar-se no espelho. Uma autoimagem, tanto do negro, quanto do não negro, surgiram a partir desse movimento. Falamos de negritude e de branquitude, de racismo e também de privilégios. Passos (2013, p. 4) fez um balanço da primeira década dessa legislação, o que continua vigente seis anos depois:
Talvez, fazendo um balanço dessa primeira década, já temos um saldo positivo: conseguimos tornar o racismo identificável em nossas relações escolares. E a auto-imagem da criança negra passou a ser considerada com mais cuidado dentro das relações escolares, dentro do próprio currículo. A criança saber-se descendentes de africanos, de reis, rainhas, príncipes, heróis civilizatórios, de uma cultura tão rica quanto as demais mundo afora, do berço da civilização humana, de milhares de povos com suas milhares de línguas, saberes, deuses e expressões é o que está em jogo. E, se em um determinado momento de nossa história, precisamos lançar mão uma lei federal que nos obrigasse a nos conhecermos e às nossas raízes plurais, após passarmos pelas fases da novidade “afro-pedagógica” e dos percalços que nossa própria condição eurocentrada e de pensamento colonizado nos impõe, chega a hora de avançarmos. (PASSOS, 2013, p. 4)
Os motivos pelos quais precisamos criar uma lei são os mesmos pelos quais precisamos lutar para que esta lei não se transforme em “letra morta”. Como dizia Florestan Fernandes, o brasileiro “tem preconceito de ter preconceito”. Nosso racismo é tão diluído em nossas relações, pessoais e institucionais, que não conseguimos identificá-lo espontaneamente, nem em nós, nem nos outros, nem nas estruturas.
Propomos pensar a 10.639/03 enquanto ponto de chegada e ponto de partida, um decreto que obriga o ensino da África e da presença do negro em nossa história e cultura, foi uma das maiores conquista da força da organização do movimento negro, dos movimentos negros, a nível mundial, culminando com a Conferência de Durban, em 2001, e a nível nacional, com a Marcha de Zumbi, de 1995. A 10.639/03 inaugura um período de diversas leis e decretos governamentais que servem de diretrizes para a compreensão do papel do Estado na efetivação de políticas de ações afirmativas. No entanto, enquanto ponto de partida, a 10.639/03 depende, da articulação entre governo e academia dialogando na busca de sua efetivação e os sistemas de ensino, onde a lei é, ao mesmo tempo, reivindicada, aplicada e pensada precisa ser ouvido e provocado a reflexão de suas ações.
O atual cenário não é tão animador, o movimento social negro passa por transformações, ainda tentando redefinir seu espaço de atuação. Os governos não entenderam seu papel, ou fazem de conta que não entendem. E a academia, mesmo com milhares de cotistas adentrando seus espaços e pesquisas, produz sobre o tema mas, muitas vezes, para si mesma. Sobre isso Passos (2013, p. 6) faz um importante chamamento:
É momento de avaliarmos com coragem. Se não conseguimos promover a educação das relações étnico-raciais é porque esse projeto incomoda, desestrutura nossas relações e nossa compreensão de sociedade, dividida, estratificada em classe, mas principalmente, em cor e raça. Não implementar a 10.639/03 significa manter a escola no seu papel colonial e colonizador de cristalizar as nossas desigualdades e assimetrias sociais, nas quais os papéis de negros e brancos já se encontram definidos e inquestionáveis. Cumprir a 10.639/03 significa compreender que adiar o pagamento da dívida educacional para com a população negra é postergar a possibilidade da construção de uma nação efetivamente democrática. Ainda há muito o que ser feito, principalmente por parte dos gestores públicos responsáveis pela educação oferecida em todos os níveis de ensino. E só o farão a partir de uma consciência do significado da 10.639/03. (PASSOS, 2013, p. 6)
Precisamos pensar que projeto de sociedade e de ser humano que cada um de nós acredita, busca e defende. E dependendo do lugar social em que estivermos, se alunos, se gestores públicos, se pais, se professores, se lideranças, cada um com sua parcela de responsabilidade social, o impacto dessa compreensão repercute na vida, não só nossa, mas de milhares de pessoas. Um exemplo claro disso é o alto grau de desconhecimento e alienação da comunidade escolar em geral, mas principalmente dos alunos, inclusive os concluídos do ensino médio, com relação à importância, relevância, pertinência, legalidade e legitimidade dos regimes de cotas na promoção de reparação pelos séculos de marginalização a que foram submetidos os negros neste país, bem como, da relevância da lei 10.639/03. Esperamos que em breve essa lei seja esquecida, mas, por um motivo nobre motivo, de termos superado o racismo até o ponto de encará-lo como um longínquo passado. Por enquanto, essa lei 10.639/03 continua sendo necessária e por sua real implementação devemos continuar lutando.
3 CAMINHOS METODOLÓGICOS
Foi realizada uma leitura bibliográfica das obras cujos autores discutem os conceitos referentes ao trabalho para se ter um conhecimento mais aprofundado do tema abordado. Durante o desenvolvimento desta pesquisa, foram revisitadas as bibliografias que serviram de apoio para a construção do referencial teórico-metodológico do trabalho. Minayo (2012, p. 40) reconhece a importância dessa prática ao escrever que “o apoio de revisões bibliográficas sobre os estudos já feitos ajuda a mapear as perguntas já elaboradas naquela área de conhecimento, permitindo identificar o que mais se tem enfatizado e o que tem sido pouco trabalhado”.
Foram realizadas ainda entrevistas semiestruturadas com a participação de dez professores que gentilmente se dispuseram a participar da pesquisa. Chegamos a estes sujeitos partícipes da pesquisa por intermédio da secretaria municipal de Canguçu que nos entregou uma lista com todos os professores atuantes no ensino fundamental das escolas localizadas na sede do município, essa limitação foi imposta pela pesquisadora, levando em conta a questão do deslocamento para os distritos do interior do município. Em Posse desses contatos, enviamos e-mail para todos esses professores que são ao todo quarenta professores, destes quinze responderam manifestando disponibilidade em participar da pesquisa, porém depois de algumas trocas de e-mail a fim de sistematizar a entrevista (presencialmente) somente dez professores se dispuseram a esse momento.
As entrevistas (semiestruturadas) foram aplicadas presencialmente, nas escolas de atuação dos professores participantes da pesquisa, as oito perguntas eram abertas, conforme a Tab. Um (essa tabela apresenta um resumo das respostas mais recorrentes dos dez sujeitos entrevistados). A entrevista semiestruturada tem a vantagem de possibilitar ao pesquisador a obtenção de informações além do previsto. Ramires e Pessoa (2009, p. 288) as descrevem da seguinte maneira: “As entrevistas semiestruturadas se constituem na interação entre perguntas abertas e fechadas (previamente formuladas), em que o informante tem a possibilidade de discorrer sobre o assunto proposto de forma mais espontânea.” Minayo (2012, p. 64) explica que a entrevista, no seu sentido amplo, “tem o objetivo de construir informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e abordagem pelo entrevistador, de temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo.” Ressaltamos que durante a análise das entrevistas foi fundamental o constante retorno ao referencial teórico-metodológico após a coleta de dados empíricos, pois segundo Lacoste (2006, p. 91) “o trabalho de campo, para não ser somente um empirismo, deve articular-se à formação teórica que é, ela também, indispensável”.
Tabela 1 - Entrevistas |
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Questões |
Principais Respostas dos Entrevistados |
São ou foram oferecidas formações para vocês professores sobre a lei 10.649/2003? |
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A escola que vocês atuam dispõem de material didático específico para trabalhar a história e cultura afro-brasileira em sala de aula? |
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Após dezesseis anos da implementação da lei 10.639/03 o que você considera que mudou na educação? |
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Quais os entraves e resistências que tentam diluir e descaracterizar a proposta de redimensionamento da própria LDB? |
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Quem é o professor que tem a missão de fazer a lei 10.639/03 acontecer de fato nas escolas? |
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O que significa não implementar a lei 10.639/03? |
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O que significa não implementar a lei 10.639/03? |
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Dezesseis anos depois da lei 10.639/03 o que alterou/modificou na sua maneira de pensar o seu fazer pedagógico? |
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Durante a aplicação das entrevistas os professores participantes deste estudo receberam as oito questões impressas, tiveram um tempo para ler e refletir, logo após a pesquisadora conduziu as entrevistas de forma oral e gravou todas essas, com o consentimento em termo impresso e assinado pelos entrevistados. Depois essas entrevistas foram transcritas e analisadas. Foi um processo muito significativo, pois através de uma conversa aberta se vai construindo respostas e novas questões acerca do tema pesquisado. Os professores participantes da pesquisa se mostraram interessados em participar do trabalho, ficaram pensativos nas questões que propunham reflexão sobre suas práticas o que ao nosso ver parece algo muito bom. Desabafaram preconceitos pessoais, resistências curriculares e de estrutura escolar, pensaram alternativas para contribuir de forma mais eficaz para a implementação da lei 10.639/03, sentiram necessidade de formação sobre o tema. Analisaram criticamente alguns entraves para a efetivação da referida lei e comemoraram avanços e espaços abertos por essa legislação.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nesta pesquisa podemos auferir que mesmo tendo se passado dezesseis anos da “implementação” da Lei 10.639/2003 essa legislação ainda não é totalmente aplicada em nossas escolas, o que denota certa tristeza e frustração, mas por outro lado, acena uma esperança, um movimento (ainda que lento) mas na busca pela igualdade de todos e pela valorização do legado negro, não podemos negar a abertura e até a exigência que essa lei trouxe para a discussão e reflexão sobre a temática afro-brasileira.
Podemos dizer com base nas leituras realizadas e nos dados coletados pelos entrevistados, que a grande mudança, após a 10.639/03, é que falar da África e do negro em sala de aula, de uma forma respeitosa para com nossa história e riqueza, deixou de ser “coisa” de alguns poucos militantes. Mas, não foi só nisso que avançamos. Muitos cursos de formação de professores foram criados, em redes públicas e privadas. Excelentes materiais didáticos foram produzidos, inúmeras dissertações, monografias e teses, apresentando uma visão profunda, acadêmica, contextualizada dos desafios desse processo de descolonização do pensar que é o fazer educação plural no Brasil. Talvez, o nosso maior e mais visível salto qualitativo foi a pujança de material didático e paradidático produzido. Passamos a pensar e fazer a educação de uma forma cada vez mais contextualizada, na perspectiva de Paulo Freire, uma educação para a autonomia que passa pelo respeito à diversidade. A educação indígena, quilombola, do campo, da diversidade sexual, da diversidade de gênero, da diversidade religiosa.
Outro aspecto que podemos comemorar foi a criação de dezenas de programas de pós-graduação, das disciplinas criadas nos programas de graduação, especialmente os de formação de professores, dos cursos criados em instituições, de Norte a Sul do país. Muitas secretarias municipais investiram na criação de órgãos de educação para a diversidade em suas coordenações pedagógicas, promovendo uma qualidade e continuidade dos projetos de formação dos professores e estruturação de diretrizes municipais de educação e diversidade étnico-raciais. Importante registrar que, em muitas regiões e redes de ensino, a Lei foi cumprida, ora por força da ação dos ministérios públicos, ora pela pressão de militantes, dentro e fora dos governos. No entanto, não temos dados precisos de quantos dos mais de 5 mil municípios colocam em prática a lei.
Mas, continuamos na marcha, na luta, na resistência. Não queremos concluir este trabalho dizendo que está bom ou ruim, mas que está em movimento, em construção. Lembrando que foram trezentos anos de período escravocrata em nosso país, árdua missão que temos de desconstruir esse pensamento cultural racista e colonialista que ainda temos. Mais estudos como este, teses e cursos são indispensáveis para promover a reflexão, a discussão e o conhecimento sobre essa temática para que assim possamos avançar cada vez mais na real e total aplicabilidade da lei 10.639/2003.
5 REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Juvenal. Os 15 anos da Lei 10.639. Disponível em: https://www.geledes.org.br/os-15-anos-da-lei-10-639/ Acesso em: Março/2019.
FERNANDES, Florestan. Significado do protesto negro. São Paulo. Cortez Editora. 1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Paz e Terra. São Paulo, 1996.
LACOSTE, Yves. A pesquisa e o trabalho de campo: um problema político para os pesquisadores, estudantes e cidadãos. In: BOLETIM PAULISTA DE GEOGRAFIA, Nº 84. O trabalho e campo em Geografia. São Paulo: AGB, jul. 2006.
Lei 10.639/03. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm Acesso em: Março/2019.
MATOS, Patrícia Francisca de; PESSOA, Vera Lúcia Salazar. Observação e entrevista: construção de dados para a pesquisa qualitativa em Geografia Agrária. In: RAMIRES, J.C.L.; PESSOA, V.L.S. (org.). Geografia e pesquisa qualitativa – nas trilhas da investigação. Urbelândia: Assis, 2009.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 31 ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
PASSOS, Flávio. 10 ANOS DA LEI 10.639/03: e como ficamos? Disponível em:
https://www.geledes.org.br/10-anos-da-lei-10-639-03-e-como-ficamos/ Acesso em: Março/2019.