12/07/2017

Cinema: Entretenimento, Indústria e Importante Fonte Para a História

Resumo:

 

A presente pesquisa busca analisar o histórico do cinema, desde a criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, até tornar-se uma poderosa indústria do entretenimento.  Após foi realizado um levantamento abordando a apropriação do cinema como fonte histórica por parte dos historiadores, apresentando o cinema como um campo de possibilidades para resgatar ações de diferentes grupos humanos atuando nas várias dimensões do social.

Palavras-chave: Cinema; Fonte histórica; Cinema e História.

 

Abstract:

The present research seeks to analyze the history of cinema, from the creation of the cinematograph by the Lumière brothers, until it becomes a powerful entertainment industry. Afterwards, a survey was made on the appropriation of cinema as a historical source by historians, presenting cinema as a field of possibilities to rescue actions of different human groups acting in the various dimensions of the social.

Keywords: Movie theater; Historical source; Cinema and History.

 

INTRODUÇÃO:

Nosso contexto histórico atual vende a todo o momento imagens e propagandas, e a indústria cinematográfica cresce e se destaca mais a cada dia. Os filmes além de geradores de prática social exercem um grande fascínio e identificação, desde sua criação pelos irmãos Lumière, até os dias atuais, inde invertem-se fortunas nas produções dos chamados blockbuster, que arrastam legiões de fãs as salas de cinema mundiais. No entanto, o que muitos ignoram, é que além de um entretenimento os filmes também são valiosos  documentos históricos, que pode enriquecer as pesquisas hiostoriográficas, quando aproveitado em sua totalidade.

Nesta pesquisa, inicialmente abordaremos o histórico do cinema, começando pela criação do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, e discorrendo sobre sua consolidação como uma grande indústria do entretenimento, no decorrer dos anos. Também comentaremos sobre a linguagem própria que o cinema possui, bem como sua apropriação como fonte histórica, por parte dos historiadores que buscam compreender a sociedade que produziu determinada obra cinematográfica, tendo por base Marc Ferro, precursor do uso do cinema como fonte histórica, Mônica Kornis, Eduardo Renato Morettin, Alexandre Vallin, José Baldissera e Marcos Napolitano. Esperamos que a presente pesquisa possa contribuir para a compreensão de da importância da consolidação do cinema como fonte histórica

 

DA UTILIZAÇÃO DO CINEMATOGRÁFO À INDUSTRIALIZAÇÃO DA SÉTIMA ARTE

O cinema surgiu do final do século XIX e suas primeiras cenas foram exibidas publicamente no ano de 1895, no Grand Café, pelos irmãos Lumière[3], pioneiros no uso público da máquina, chamada cinematografo que além de filmar, projetava filmes. Inicialmente os irmãos filmaram cenas cotidianas, fazendo uma transposição entre o real e o animado:

Filmar a vida: eis o que fizeram os operadores Lumière, cujas primeiras tomadas de cena testemunham a saída de trabalhadores da usina que possuíam (que pode também ser lida como ancestrais da publicidade empresarial), a refeição deles com seus filhos (modelo do filme de família) assim como manifestações públicas da vida política ou de acontecimentos jornalísticos que rapidamente nutrirão os jornais de atualidades. (LAGNY, 2009 p. 99).

 

Segundo Kornis (1992, p. 240) “Os irmãos Lumière defendiam o valor da imagem cinematográfica que era por eles entendida, como testemunho ocular verídico e infalível”. Mais tarde, porém, chega-se a conclusão que os filmes não passam de uma montagem de cenas sucessíveis e previstas, ou seja, por se tratar de uma montagem, um filme não era uma cópia fiel à realidade.

Já o responsável por tornar o cinema um espetáculo, o francês Georges Meliès, não se deteve em utilizar apenas cenas cotidianas e investiu na expressão artística, empregando vários atores e utilizando efeitos especiais, para contar uma história. Seu filme mais famoso, Viagem à Lua, foi lançado em 1912. A partir desde momento o cinema passou a ser utilizado como entretenimento. (NAPOLITANO, 2011).

 Durante o início do século XX, o cinema foi desprezado pela elite intelectualizada, uma vez que era visto como um divertimento da classe popular. (MOCELLIN, 2009). Segundo Ferro (1997, p.83) para a elite dominante o cinema não passava de uma atração de feira, “o filme era considerado como uma espécie de atração de quermesse, o direto nem sequer reconhecia o autor”, esta mesma aceitação cultural influenciou o seu uso político, como no caso da Revolução Russa, onde Trotsky utilizou o cinema para doutrinar a população, podemos ver que:

Nos anos de 1920 e 1930 floresceu na União Soviética um centro importante do cinema clássico. Depois da Revolução Russa de 1917, que criou o primeiro país socialista da História, a maioria dos artistas se engajou em tarefas culturais com fins políticos, coordenados pelo partido comunista. Alguns deles conseguiram ir além do imediatismo imposto pela política “pedagogizante” do Partido e, incorporando a rica vanguarda estética à poesia e às artes plástica, constituíram uma das mais importantes escolas clássicas de cinema, o cinema épico soviético. (NAPOLITANO, 2011, p. 72)

 

Na Alemanha nazista, os filmes também, foram utilizados para disseminar a doutrina do Estado. (MOCELLIN, 2009). Através destes exemplos podemos perceber como o cinema, foi utilizado pelas elites predominantes, a partir do século XX, para influenciar no modo de pensar da população e auxiliar na construção do nacionalismo e dos grandes feitos dos heróis nacionais, como podemos observar que:

Paralelamente, desde que o cinema se tornou arte, seus pioneiros passaram a intervir na História com filmes, documentários ou de ficção, que, desde sua origem, sob a aparência de representação, doutrinam e glorificam. Na Inglaterra, mostram essencialmente a rainha, seu império, sua frota, na França, uma exposição, as instituições republicanas. Também na ficção o filme de propaganda aparece desde a origem: a favor ou contra Dreyfus, estigmatizando os boxers, etc. (FERRO, 1997, p.13)

Para Ferro (1997), os dirigentes de uma determinada sociedade ao perceberem a influência do cinema, buscaram submetê-lo a seu serviço. Porém o Estado não foi o único a perceber a influência dos cinema sob as massa, vários cineastas independentes, ao perceberem este fato, viram nos filmes o que Ferro chamou de contra-poder, que refere-se, quando começa-se a produzir filmes que vão contra a ideologia predominante do Estado, “estes cineastas, conscientemente ou não, estão cada um a serviço de uma causa, de uma ideologia, explicitamente ou sem colocar abertamente a questão” (FERRO, 1997, p. 14).

[...] o cinema não é apenas uma prática social, mas um gerador de práticas sociais, ou seja, o cinema, além de ser um testemunho das formas de agir, pensar e sentir de uma sociedade, é também um agente que suscita certas transformações, veicula representações ou propõe modelos. Sendo assim, investigar os meios pelos quais alguns filmes tentam induzir os indivíduos a se identificar com as ideologias, as posições e as representações sociais e políticas dominantes e quais as rejeições a essas tentativas de dominação propicia a uma visão mais crítica da sociedade. (VALIN, 2012 p.285).

Mais que uma arte, o cinema se consolidou no século XX como uma poderosíssima indústria – a primeira indústria de entretenimento em massa. (MOCELLIN, 2008, p.28). Inicialmente Itália e França foram as duas principais potências no ramo da produção cinematográfica mundial, porém, pós Primeira Guerra, a produção francesa caiu quase que completamente e os longas italianos veicularam somente dentro do país. A Europa e o restante do mundo começam a consumir filmes norte-americanos, onde começaram-se a destacar os grandes estúdios de Hollywood, principal centro produtor e distribuidor de filmes, até nos dias de hoje. (MOCELLIN, 2008).

A partir da década de 1920, com o crescimento e a popularização dos filmes norte-americanos, surgiram os primeiros ídolos e galãs/mocinhas, mundiais do cinema, como: Rodolfo Valentino, Mary Pickford, Douglas Fairbanks, e também os gênios da comédia, como Oliver Hard (o Gordo), Stan Laurel (o Magro), e Charles Chaplin, apresentando o cinema mudo. (NAPOLITANO, 2011).

Na década de 1930, marcada pela Grande Depressão, destacou-se o diretor americano Frank Capra, conhecido pelos seus filmes: O Galante Mr. Deeds (1936) e Felicidade não se compra (1946), onde Capra, em uma época de desilusão e insegurança geradas pela crise, produziu filmes otimistas e progressistas, que valorizavam a solidariedade e o otimismo. Já nos anos de 1950 os filmes policiais e as superproduções épicas tomaram conta do cenário. A partir de 1960 o cinema Americano foi renovado através do filme O tubarão[4] (Steven Spielberg) e Guerra nas Estrelas[5] (George Lucas), produções estas altamente tecnológicas para a época, aparato tecnológico este que até nos dias de hoje é mundialmente conhecido e sinônimo de Hollywood. (NAPOLITANO, 2011).

Atualmente o cinema tornou-se uma poderosa indústria de entretenimento, além de estar cada vez mais popular, temos acesso aos filmes das mais diversas formas, na sala de cinema, em casa, onde quisermos, através de sistemas de reprodução de som e imagem, nas mais diversas formas, através de suporte digital, BLU-RAY, DVD, internet, entre outras. Os filmes estão cada vez mais tecnológicos e apropriaram-se da tecnologia 3D e da realidade virtual. Gastam-se milhões para produzir um filme que use tecnologia de ponta.

Atualmente Bollywood é a maior indústria cinematográfica do mundo, seu nome é uma mescla do já conhecido Hollywood com o B de Bombay (hoje, Mumbai), pois foi nesta cidade banhada pelo Mar da Arábia que esta indústria começou. Bollywood produz filmes de todos os gêneros e sua principal formula é uma boa trama, música, coreografia, romance tem conquistando fãs no mundo todo.  No entanto, Hollywood ainda produz o que mais se consome ao redor do mundo, principalmente, os chamados blockbusters[6]. Para o mundo cinematográfico a expressão blockbuster é usada para definir filmes com grandes produções, campeões de bilheteria, filmes que o público em geral gosta, e que em grande maioria recebem muito investimento e tem uma ótima campanha de marketing.

A LINGUAGEM CINEMATOGRÁFICA

Com a modernização e com o surgimento de novas tecnologias, o mercado cinematográfico se popularizou e se populariza cada vez. Esta indústria de entretenimento em massa, segundo Napolitano apresenta alguns elementos importante de serem estudados, pois estes “transmitem ideologias e valores tanto quanto a trama e os diálogos explícitos” (2011, p.57).

O primeiro passo apresentado por Napolitano é o ROTEIRO, “o roteiro é o guia básico para o diretor, que pode fazer algumas alterações ao longo da filmagem” (IDEM). Muitas vezes o roteiro do filme é elaborado pelo diretor, mas maioria das vezes é feita por um profissional especializado. O roteiro é a estrutura do filme e muitas vezes responsável pelo seu sucesso ou fracasso.

Após roteiro estar devidamente estabelecido, chega o momento da PRODUÇÃO, “nesse momento, são escolhidos os profissionais, a equipe de filmagem e os atores que irão interpretar os personagens, são avaliados os recursos necessários para a compra de instrumentos básicos...” (NAPOLITANO, 2011, p.58). Para que esta produção consiga ser efetivamente realizada, é necessário um orçamento, que varia dependendo do país e da produtora do filme, “no EUA um filme é considerado barato quando custa vinte milhões de dólares” (IDEM). Segundo noticia em sites de cinema, o filme mais caro produzido até os dias atuais é Piratas do Caribe: O fim do mundo[7] (2007), totalizando US$ 332 milhões em seu orçamento, mas também com uma arrecadação de US$ 963.4 milhões, superando os gastos gerados com o filme e dando lucro a empresa, “atualmente, os maiores custos de um filme por incrível que pareça, não está na produção, e sim no marketing e na distribuição” (NAPOLITANO, 2011, p.58). Já no cenário brasileiro, o filme de maior orçamento trata-se de Lula: o filho do Brasil[8] (2009), custando R$ 16 milhões, gasto bem inferior às produções de Hollywood.

Após todas as cenas filmadas e devidamente editadas e reorganizadas, chega o momento da EXIBIÇÃO, onde o filme começa sua inserção no mercado.  Um filme com grandes gastos de produção precisa arrecadar muito no mercado, para isto necessariamente, precisa de espectadores. Desta forma é investido muito dinheiro em publicidade em diferentes meios de comunicação, tais como: sites, revistas, jornais, televisão, entre outros. Já os filmes que seguem uma linha mais artística/autoral, não investem tanto em publicidade, pois já possuem um público definido e fiel.  Para Napolitano, “não basta fazer filmes com vocação para o sucesso, é necessário fazê-lo chegar às salas de exibição e, posteriormente, às locadoras de VHS e DVD” (2011, p.60).

Napolitano, também aborda que basicamente, existem quatro diferentes GÊNEROS FICCIONAIS (metagêneros), estes “influenciam na receptividade das obras, pois sugere ao espectador como o filme deve ser visto” (NAPOLITANO, 2011, p.61). O primeiro gênero apresentado pelo autor é o DRAMA, que geralmente fixam sua história em um personagem central com conflitos individuais, “os dramas costumam partir de um conflito inicial, uma situação tensa que pode ou não ser reparada no desfecho” (NAPOLITANO, 2011, p.61). Este gênero é intenso e busca mexer com a emoção do espectador.  O segundo gênero trata-se da COMÉDIA, onde “situações patéticas, jogos de linguagem verbal ou peripécias que levam a mal-entendidos” (NAPOLITANO, 2011, p.62). O objetivo deste tipo de filme é provocar risos na plateia.  Logo após temos os filmes de AVENTURA, “o elemento que predomina é a ação, envolvendo conflitos físicos, pondo o Bem contra o Mal [...] encenando situações-limite de risco ou morte” (IDEM). O objetivo deste gênero é envolver sensorialmente a plateia, com as situações limites. O último gênero apresentado é o SUSPENSE, nestes filmes o mais importante é “o mistério a ser desvendado, as situações envolvendo peripécias não previstas pelo espectador” (IDEM). Este tipo de filme busca causar no espectador a tensão e um susto repentino.

A principal importância desta divisão por gêneros é direcionar seus filmes a públicos específicos, que se identificam com determinados tipos de enredos e de personagens.

Outro ponto a suscitar questões, que Severo (2004) nos traz é a noção e definição de FILME HISTÓRICO. Para este autor a maioria dos professores, sempre faz referencia ao uso dos ditos filmes históricos, porém não tem claro para si mesmo a conceituação do que é ser histórico ou não. “1492 – A conquista do paraíso é um filme histórico e Ghost - O outro lado da vida, não, esta é uma apropriação típica de senso comum” (SEVERO, 2004, p.35). Esta informação é reveladora, pois muitos professores utilizam o dito filme história em suas aulas, sem nunca terem refletido sobre o significa do termo e se sentem satisfeitos com o conceito baseado no senso comum que estabeleceram.

O que define o caráter histórico da obra não é, pois, a distribuição entre figuras decalcadas num modelo real e as puramente imaginárias, mas a intenção de problematizar a História tornando-a um tema ou, pelo menos, uma preocupação explicita do narrador (CHAVES apud SEVERO, 2004, p. 35).

 

Através desta questão que foi levantada por Severo, percebemos que filme histórico, é aquele que faz uma reflexão, que levanta questionamentos sobre a sociedade que o produziu e a sociedade que a narrativa fílmica busca representar. Então, dessa forma compreendemos que todo filme pode ser histórico, desde que o professor compreenda este conceito e auxilie na construção do olhar do aluno para tal obra, através de métodos que primem pela reflexão.  Para Severo “A tela do vídeo deve ser entendida como uma janela – via de duas mãos- para o mundo, para o universo agora ampliado. E o que deve ser uma aula de História fazer, se não acolher o mundo?” (2004, pp. 36-37).

O CINEMA COMO FONTE HISTÓRICA

A palavra História vem do grego e significa investigação, procura e informação. Desde a invenção da escrita o homem busca deixar registrada a sua história, e a escrita da mesma muda de acordo com a política e com a ideologia dominante, muitas vezes não se preocupando com a veracidade dos fatos. Porém a partir do século XIX, influenciados por uma corrente filosófica, os historiadores buscaram tornar a História uma ciência, construindo um conjunto de critérios empíricos para a análise documental, tendo como objetivo narrar os fatos tal como aconteceram, mas a consequência disto foi à criação de uma história que privilegiava os grandes homens e os grandes feitos (MOCELIN, 2009).  Nesta época o cinema não era considerado uma fonte histórica, como podemos ver que:

O cinema sempre foi desprezado pelos historiadores e pela sociedade. Este desprezo pelo cinema reflete um distanciamento do historiador diante de informações de outra natureza, como risos, gestos e gritos, sempre considerados produtos de um discurso tido como fútil e subalterno, que escapavam do olhar do historiador, por razões tanto sociológicas e ideológicas como técnicas. (FERRO apud MORETTIN, 2011, p. 47)

 

Ainda vale ressaltar que:

A exclusão da imagem cinematográfica do fazer histórico ocorreria em função desta pertencer ao imaginário da sociedade que, por sua vez, também não era considerado pelo historiador. A vinculação entre cinema e imaginário é fundamental para o seu trabalho, é o seu postulado: “aquilo que não se realizou, as crenças, as intenções, o imaginário do homem, é tanto História quanto a História”. (FERRO apud MORETTIN, 2011, p. 48).

 

Segundo Ferro (1997, p.83) “aquilo que não é escrito, a imagem, não tem identidade: como os historiadores poderiam referir-se a ela e mesmo citá-la? ”. O uso do cinema como fonte histórica era crítica, pois sua veracidade era colocada em cheque, alegando que as imagens e as histórias eram forjadas frente às câmeras. Para Baldissera esta mesma problemática apontada quanto à veracidade do cinema, pode ser questionada na história escrita:

Há historiadores que veem com simpatia a possibilidade de refletir a história através do cinema. Mas também há outros que tendem a usar os textos escritos para criticar a história visual, como se a história escrita não tivesse problemas com a sua veracidade e sua relação com o passado. Talvez o cinema seja um dos maiores expoentes sobre a questão, pois, em última análise, ele, além de imagem, é imagem em movimento. Alguns acusam a imagem de ser polissêmica, mas aqui estamos diante do problema de que as palavras também são polissêmicas. E há quem afirme que a polissemia está em nós, antes de estar nas imagens e nas palavras. (2014, p.26).

 

Segundo Burke (2004), foi apenas no final do século XX, com a reestruturação do marxismo, através de E.P Thompson, Christopher Hill e Raymond Williams, que a Escola do Annales, se voltou para uma abordagem mais cultural, deixando um pouco de lado o viés social que foi sempre produzido através dos estudos da lutas de classe, bem como a narrativa rígida de fatos da escola positivista. Os anos 60 e 70 foram um grande marco na reestruturação da profissão do historiador, seguidos da década de 80, onde surge a chamada, “nova história cultural”, onde diversos temas antes deixados em segundo plano começaram a ser investigados: mentalidades, imaginário, crenças, mitos, valores, etc., permitindo perceber o lado humano e sensível.

Dessa forma percebemos que a forma como a história era escrita começou a mudar, assim como a diversidade das fontes, uma vez que o racionalismo não conseguia mais explicar e dar conta dos acontecimentos vividos no século XX, negando uma História positiva, progressista, linear e otimista:

A nova tendência passou a afirmar a não existência de verdades absolutas, marcando o recuo de uma posição cientificista herdada do século passado. Estimulando novos olhares e abordagens com a realidade, em uma e outra vertente, a história social dos anos 60 e 70 restabeleceu o ofício do historiador. Como um mestre da narrativa, este é alguém que munido de um método, resgata da documentação empírica as “chaves” para recompor o encadeamento das tramas sociais (PESAVENTO, 1995, p.12).

 

A partir das décadas de 60 e 70, os limites da pesquisa histórica e suas fontes passaram a ser ampliados, e as fontes não escritas começaram a ser incluídas, e o cinema começa a se beneficiar desta abertura. (BALDISSERA, 2014)

O Movimento de renovação da historiografia francesa denominando “Nova Historia” teve como uma de suas mais importantes características a identificação de novos objetos e novos métodos, contribuindo para uma ampliação quantitativa e qualitativa dos domínios já tradicionais da história. (KORNIS, 1992, p.238)

 

Abriu-se então um gigantesco espaço para o uso das mais diferentes formas de documentos. Além da fonte escrita, que já era utilizada, e os documentos oficiais, os historiadores se lançaram em direção de diversas fontes, como: obras de arte utensílios domésticos, fontes escritas não oficiais de pessoas comuns e toda uma categoria de cultura material nunca antes trabalhada, como o cinema (KORNIS, 1992).

 O cinema foi elevado à categoria de novo objeto e incorporado ao fazer histórico dentro dos domínios da História Nova. Um dos grandes responsáveis por essa incorporação foi o historiador francês Marc Ferro (MORETTIN, 2008). Em seu livro Cinema e História (1992), Ferro discute a relação entre história e cinema, através de determinados filmes, ele não analisa o cinema de uma perspectiva artística: “O filme, aqui, não está sendo considerado do ponto de vista semiológico também não se trata de estética “(...) Ele está sendo observado não como uma obra de arte, mas sim como um produto, uma imagem-objeto” (1992, p. 87)

O historiador escolheu esse ou aquele conjunto de fontes, adotou esse ou aquele método de acordo com a natureza de sua missão, de sua época, trocando-os como um combatente troca de arma ou tática quando aquelas que utilizava perdem a eficácia.[...] certamente já era sabido que ninguém escrevia a história inocentemente, mas este julgamento parece jamais ter sido tão verificado quanto as vésperas do século XX, quando começou a aparecer o cinematografo. (FERRO, 1992, p. 80-1).

 

Para Ferro, o cinema é a testemunha ocular do seu tempo podendo disseminar as ideologias dominantes ou podendo atuar como um “contra poder” de sua época, uma vez que é autônomo em relação ao poder. Outros autores, como Valin, na obra Novos Domínios da História, considera o cinema além de um gerador de práticas sociais, um representante de sua época:

O cinema não é apenas uma prática social, mas um gerador de práticas sociais, ou seja, o cinema, além de ser um testemunho das formas de agir, pensar e sentir de uma sociedade, é também um agente que suscita certas transformações, veicula representações ou propõe modelos. Sendo assim, investigar os meios pelos quais alguns filmes buscam induzir os indivíduos a se identificar com as ideologias, as posições e as representações sociais e políticas dominantes e quais as rejeições a essas tentativas de dominação propicia uma visão mais crítica da sociedade. (VALIN, 2012, p. 285).

 

O cinema passa a ser considerado fonte histórica, no momento em que o historiador busca por outras respostas. Esta renovação das fontes de dos métodos, esta nova forma de se escrever a história se dá em função da ineficácia da forma antiga de se produzir história. (MORETTIN, 2008). Também começa-se a perceber o relativismo da verdade absoluta, é inatingível, desta forma os filmes não representam uma verdade absoluta, mas representa a sociedade e época em que foi produzido, segundo Napolitano (2008, p.67), “para o historiador voltado para o estudo do cinema, é sempre preciso lembrar que todo o filme pode ser tomado como documento histórico de uma época, a época que o produziu”. Desta forma não devemos nos deter somente no enredo dos filmes, que pode retratar os mais diversos períodos da história, como Grécia, Roma, Egito, Idade Média, entre outras, mas também lê-lo as entrelinhas, em seus aspectos implícitos, como analisar a sociedade que o produziu e como ela se reproduziu, neste roteiro fictício:

[...] o filme “fala” do presente, isto é, da época em que foi realizado. O filme Cleópatra (1934), do diretor Cecil B. DeMille esforça-se em mostrar a nova mulher americana da época, que, numa visão mais moralista, devia ser a perfeita mulher casada de classe média norte-americana, autossuficiente, mas, acima de tudo, fiel e apaixonada por seu marido. Em contrapartida, Cleópatra (1963) embarcou na onda da liberação da mulher, que estava em andamento naquele momento. [...] A realidade de libertação sexual vivida pela atriz podia não corresponder ao momento em que Cleópatra viveu, mas atriz e personagem mesclaram-se mutuamente, trazendo Cleópatra mais para o século XX do que o próprio filme queria vê-la em sua época (séc. I a.C). (BALDISSERA, 2014, pp. 21-22)

 

Podemos perceber ainda que:

Apesar de a “reprodução do passado” ser exemplar, “o passado que estes filmes reconstroem é um passado mediatizado” pelo seu presente, perceptível através das escolhas dos temas, dos gostos da época, das necessidades da produção, das capacidades da escrita. Dos “lapsos” dos criadores. É no presente que se situa o verdadeiro real histórico destes filmes, e não na representação do passado (o vestuário ou fragmentos de diálogos autênticos colocados à parte). (MORETTIN, 2008, p. 56)

 

Para Napolitano (2008, p.67) “[...] o filme histórico é um espião da cultura histórica de um país, de seu patrimônio histórico [...]”. Para Pierre Sorlin (apud NAPOLITANO, 2008, p.67), a análise da relação entre história e cinema, deve levar em consideração três aspectos, a saber: a) A relação entre o passado, época em que se passa a ficção, e presente, a época em que é produzido e a sociedade que representa; b) reprodução do “saber histórico de base”, seu significado social para os diversos espectadores e, c) tensão entre ficção e história, ou seja, os conflitos entre os documentos não ficcionais e as encenações.  Desta forma cabe ao historiador saber dialogar com a fonte que se propôs analisar, neste caso o cinema:

Em alguns casos, o historiador pode reproduzir esse fetiche em seu trabalho de análise, o que fica claro nos casos em que a analise é pautada pela avaliação do grau de “realismo” e “fidelidade” do filme histórico, em relação aos eventos “realmente” ocorridos. Em outras palavras, é menos importante saber se tal ou qual filme foi fiel aos diálogos, à caracterização física dos personagens ou a reprodução de costumes e vestimentas de um determinado século. O mais importante é entender o porquê das adaptações, omissões, falsificações que são apresentadas num filme. (NAPOLITANO, 2014, p. 237).

 

É no presente que “se situa o verdadeiro real histórico destes filmes, e não na representação do passado” (FERRO apud NAPOLITANO, 2008, p. 56). Para Baldissera (2014), os historiadores não deveriam olhar o cinema, não como um simples entretenimento ou fantasia, mas como uma das formas como se constrói o conhecimento histórico na atualidade:

Já é bastante aceito pelos estudiosos do cinema e de suas relações com a história que um filme, inclusive de ficção, pode ser considerado um documento histórico. Mas um filme vai muito além de ser considerado um documento. Ele permite, mas do que qualquer meio de expressão, estudar as interações entre o imaginário coletivo e a realidade de uma sociedade. (BALDISSERA, 2014, p.33)

 

Para Kornis (1992), o historiador que se propõe a trabalhar com tais fontes visuais, deve primeiramente compreender que ela não reproduz a realidade, mas sim a reconstrói a partir de uma linguagem simbólica própria. Para isto o pesquisador deve educar seu olhar para “ler” e compreender estas imagens. Citando Jacques Le Goff, Kornis afirma:

Documento é monumento. Resulta do esforço de sociedades históricas de impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo (...) é preciso começar por desmontar, demolir esta montagem [a do documento], desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos (1992, p. 238).

 

Desta forma percebemos, que atualmente, mesmo considerado como fonte histórica, alguns historiadores ainda têm receio em utilizar esta fonte em suas pesquisas, isto se dá segundo Lagny (2009, p.101): “É que a utilização do filme como fonte e como instrumento de reflexão epistemológica, apresenta certo número de dificuldades, a ponto de tornar eu uso problemático”. Segundo a mesma autora, é importante o historiador saber a finalidade deste uso, e o que vai analisar levantando questões como: o que neste filme representa as memórias coletivas desta sociedade, o cinema pode desenvolver uma história crítica? O que testemunha o filme? Valin (2012), também chama a atenção para a falta de formação do historiador no quesito analise ou teoria do cinema, citando Jonh E. O´Connor:

Existe pouca comunicação entre historiadores do cinema e historiadores que utilizam filmes. Embora muitos historiadores sintam a necessidade de compreensão dos filmes “nos seus próprios termos”, eles relutam em estudar o aparato teórico dos estudos de cinema, que, por ser bastante amplo, constitui um obstáculo entre as duas disciplinas. Neste sentido, o ideal em um bom estudo de filmes no âmbito da história é sempre ter como norte o equilíbrio entre a teoria cinematográfica, a crítica cinematográfica e a história do cinema. (VALIN, 2012, p. 284)

 

Para Kornis (1992 p.242), ao analisarmos um filme devemos ter uma nova técnica de analise que nos possibilite deter-nos em alguns aspectos, como: “as circunstâncias de produção, exibição e produção envolveriam toda uma gama de variáveis importantes que deveriam ser consideradas na análise de um filme”. Um segundo aspecto que a autora destaca é que todo e qualquer filme são dignos de analise por parte do historiador, “com isso não só os cinejornais e os documentários, mas também filmes de ficção se tornam objetos, de análise histórica, em última estância, pelo fato de nenhum gênero fílmico encenar a verdade” (1992, p. 243).

O valor do filme para o historiador reside na sua capacidade de retarar uma cultura e dirigir-se a uma grande audiência na condição de meio de controle social e de transmissor da ideologia dominante de uma sociedade (KORNIS, 1992, p.247).

 

Para Napolitano (2014, p. 247) “o cinema é sempre manipulação, e é essa sua natureza que deve ser levada em conta nos trabalhos historiográficos, com todas as implicações que isto representa”. Desta forma percebemos que o cinema pode sim, ser utilizado como uma rica fonte para compreendermos melhor a sociedade que o produziu, desde que o pesquisador esteja teoricamente seguro de como dialogar com esta fonte.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Através da revisão bibliográfica, pudemos inicialmente traçar um histórico, desde a criação do cinematografo pelos irmãos Lumière, onde nos anos posteriores foi visto como um divertimento popular, uma “atração de feira”. Mais tarde, vários regimes políticos, apropriaram-se do cinema para doutrinar a população, pois o perceberam como um influenciador e gerador de opiniões e práticas sociais. Foi na década de 20, com Hollywood, que o cinema se transformou em uma poderosa indústria, modernizando-se cada vez mais e popularizando-se, até os dias atuais, onde temos acesso aos filmes, não apenas nas salas de cinema, mas em nossas casas, através da TV aberta ou via streming. Dessa forma podemos perceber que o cinema é presente na vida de quase todo cidadão do século XXI, sendo ele aluno ou professor, adulto ou criança, todos assistem filmes.

Discorremos também sobre o advento da Escola dos Annales, e como, novas fontes começaram a serem aceitas, como fonte de construção da historiografia, entre elas,na década de 70, o cinema torna-se fonte histórica, dentro dos novos domínios da história. Para Marc Ferro, principal estudioso do cinema, e outros historiadores, o cinema é fonte, pois ele fala muito sobre a sociedade que o produziu, e que práticas sociais ela quis gerar, com determinado filme, ele é um “espião” de sua sociedade. Dessa forma seu uso é válido como fonte de pesquisa histórica, basta que o pesquisador proponha a metodologia adequada de uso.

 

Referências:

BALDISSERA, José Alberto &  RUINELLI, Tiago de Oliveira. 'Tempo e Magia' - A história vista pelo Cinema. Porto Alegre: Escritos, 2014.

 

FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

 

__________. Filme uma contra-análise da sociedade, in História Novos Objetos, dir Jacques Le Goff & Pierre Nora. 3ª Ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988, p. 201 e 202.

 

KORNIS, Mônica Almeida. História e cinema: um debate metodológico. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.5, n. 10, 1992, p. 237-250.

 

 

LAGNY, Michèle. O cinema como fonte de História, in Cinematografo um olha sobre a História.  Salvador: São Paulo, Editora UNESP, 2009, p. 99-132.

 

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[1] Historiadora formada pela Universidade Feevale. Especializanda em Mídias na Educação (IFSUL), Literatura Infantojuvenil (FISIG) e em Ensino de Filosofia para Ensino Médio (UFSM). Atualmente é professora no município de Campo Bom/RS. E-mail: vitoriawingert@hotmail.com

 

[2] Pedagogo formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Especialista em TIC (FURG). Mestrando do PPG Processos e Manifestações Culturais. Atualmente é professor no município de Campo Bom/ RS. E-mail: martinsjander@yahoo.com.br;

[3] Primeiros filmes: La Sortie dês ouvriers de l´usine (A saída dos operários da fábrica) e L´Arrivéd d´um train em gare (A chegada de um trem a estação).

[4] 1975, baseado no romance de Peter Benchley. 

[5] Em 1977, foi lançado o primeiro filme da sequência, intitulado Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança, totalizando, até os dias atuais sete longas metragens, sendo que o foi último lançado 2015: Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força. A sequência ainda não foi finalizada, são previstos mais quatro filmes futuramente.

[6] Durante a II Guerra Mundial foi utilizada uma bomba aérea que era capaz de destruir um quarteirão inteiro, dai o temos o significado em sua tradução livre de Blockbuster: Arrasa-quarteirão. Disponível em: http://portalmidiacriativa.com/voce-sabe-o-que-e-um-blockbuster/. Acesso em 25 de outubro de 2016.

[7] Dirigido por Gore Verbinski, Informações do site: http://cinepop.com.br/confira-os-filmes-mais-caros-da-historia-do-cinema-55461 , acesso em 26 de agosto de 2016.

 

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Volume/Edição

Autores

  • WINGERT, Vitória; MARTINS, Jander Fernandes

Páginas

  • 1 a 15

Áreas do conhecimento

  • Nenhuma cadastrada

Palavras chave

  • História; História e Cinema; Fonte Histórica;

Dados da publicação

  • Data: 12/07/2017
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