19/07/2021

AGRICULTURA FAMILIAR EM COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO DO TERRITÓRIO NORTE DO ITAPICURU-BA

RESUMO

As comunidades de fundo de pasto são praticantes da agricultura familiar, base do sustento de muitas famílias de pequenos agricultores no Brasil, principalmente no Nordeste. Os produtos cultivados por esses pequenos agricultores são comumente vendidos nas feiras livres nordestinas e conhecidas como produtos orgânicos, porque esses agricultores familiares normalmente utilizam práticas tradicionais, que são ambientalmente sustentáveis. O objetivo deste trabalho é realizar uma breve discussão sobre a relação entre a sustentabilidade ambiental e a tradição cultural, tendo como argumento a agricultura familiar desenvolvida por comunidades de fundo de pasto do Território de Identidade Norte do Itapicuru, na Bahia. A metodologia constou de pesquisa bibliográfica e vivência de campo. As comunidades de agricultores familiares de fundo de pasto normalmente utilizam práticas agroecológicas em quintais produtivos e agroflorestas.

Palavras-Chave: meio ambiente, sustentabilidade, cultura.

ABSTRACT

The pasture bottom communities practice family farming, the basis of the livelihood of many small farming families in Brazil, mainly in the Northeast. The products grown by these small farmers are commonly sold in open markets in the Northeast and known as organic products, because these family farmers usually use traditional practices, which are environmentally sustainable. The objective of this work is to carry out a brief discussion on the relationship between environmental sustainability and cultural tradition, having as an argument the family agriculture developed by pasture communities in the Northern Identity Territory of Itapicuru, Bahia. The methodology consisted of bibliographical research and field experience. Pasture-back family farmer communities normally use agroecological practices in productive backyards and agroforestry.

Keywords: environment, sustainability, culture.

INTRODUÇÃO

As comunidades de fundo de pasto são tradicionais e reconhecidas oficialmente no Brasil, sendo aquelas originadas a partir de familias trabalhadoras em grandes fazendas do passado e que com o tempo adquiriram o direito a uma parte dessas terras, normalmente em áreas de fundo dos pastos.

Os fundos de pasto se constituem em centenas de comunidades espalhadas pela Caatinga e são considerados pelos órgãos oficiais do Brasil como populações tradicionais. Estas se caracterizam como grupamentos humanos marcados por identidades e valores comuns. Os traços étnicos e raciais e suas trajetórias de vida são os mais diversos, isto porque existem fundos de pasto quilombolas, indígenas ou de agricultores e agriculturas familiares que nasceram e cresceram naquelas localidades, se ocupando de plantações ou cuidando de seus animais, em geral caprinos e bovinos (CERRATINGA, 2021, p.1).

Essas comunidades se sustentam por meio da agricultura e criação de pequenos animais (caprinos, ovinos, galinhas) realizada de forma familiar. A agricultura familiar é uma modalidade agrícola praticada por grupos familiares que muitas vezes desenvolvem a cultura agrícola de maneira tradicional e sustentável.

A agricultura familiar tem origens distintas nas mais diversas regiões do Brasil. Ela é mais do que um simples modelo de economia agrária: é um meio de organização de produções gerenciadas por pequenos produtores. A produção gerada provém basicamente de um grupo familiar, ainda que seja possível contratar poucos funcionários para auxiliar nos serviços. Nesse modelo, diferente da agricultura patronal, a família mora na terra, é responsável por ela e por tudo que é produzido (GUIMARÃES et al. 2018, p. 4).

A agricultura familiar tem grande impacto na produção alimentar que é comercializada em feiras livres no nordeste brasileiro, especialmente nas cidades interioranas, servindo muito mais à produção e consumo local do que para a exportação, que é conduzida basicamente pelo agronegócio.

O desenvolvimento industrial principalmente das agroindústrias, atrelado ao desemprego e falta de recursos para a sobrevivência do homem no campo, acabam conduzindo muitas dessas famílias a migrarem para os centros industrializados, levando ao aumento do êxodo rural. Por outro lado, alguns agricultores que insistem em permanecer no campo podem sofrer influência do desenvolvimento tecnológico e da modernização da agricultura, já outros permanecem com suas tradições agrícolas geracionais.

Em muitas situações, a agricultura familiar que antes era realizada de forma tradicional e menos agressiva, passa, em muitos casos a se modernizar e a causar um enorme impacto ambiental. Em razão da falta de conhecimento técnico para manusear algumas inovações tecnológicas agrícolas, aliada a interesses financeiros, alguns pequenos produtores agrícolas acabam sendo conduzidos a práticas inapropriadas e perigosas para a saúde humana e o ambiente.

A agricultura familiar sofre a pressão da indústria de agroquímicos, contudo ainda existem comunidades que produzem em sistemas agroecológicos e de modo orgânico na tentativa de manter suas tradições.

O nosso artigo tem o objetivo de debater a situação das comunidades campesinas de fundo de pasto voltadas à agricultura familiar relacionada ao cultivo tradicional orgânico no Território de Identidade Piemonte Norte do Itapicuru, Bahia. A pesquisa foi feita com base em vivência de campo.

REVOLUÇÃO VERDE E AGRICULTURA FAMILIAR

Com a Revolução Verde (movimento iniciado a partir da década de 1960 com a quimificação e mecanização da agricultura), a agricultura familiar que antes era feita de forma totalmente orgânica e tradicional e destinada principalmente ao consumo pelos pequenos agricultores que a praticava, começa a adquirir um caráter comercial, sendo produzida também com o objetivo de obtenção de lucro. Assim, fica cada vez mais evidente na agricultura familiar, a utilização de agrotóxicos, produtos transgênicos e maquinários, bem como um maior desmatamento e a realização de grandes queimadas, que podem gerar diversos danos ambientais e à saúde humana.

Para Sepulcri (2005), a modernização da agricultura constitui uma etapa de sua evolução, no qual a mesma tem como base as transformações tecnológicas, insumos, máquinas e equipamentos. A agricultura familiar também sofreu e sofre influência dessa mecanização e quimificação da agricultura e em alguns locais a tradição passou a ser esquecida, além disso grupos familiares campesinos começaram a migrar do campo para a cidade em busca de uma vida melhor, intensificando o êxodo rural.

Nesse sentido, a agricultura familiar, ao se render aos agroquímicos acaba por prejudicar aqueles que adquirem seus produtos, bem como aqueles que cultivam. Segundo Guimarães et al. (2018), pesquisas confirmam que grande parte dos agricultores familiares que utilizam agrotóxicos não tem acesso às informações técnicas e muitas vezes à políticas de segurança do trabalho. Assim, se por um lado a modernização dessa parcela da agricultura auxilia ao aumento da produção, a falta de apoio técnico e de políticas públicas acaba por prejudicar agricultores e clientes. Isso resulta não apenas a prejuízos à saúde dos que cultivam e dos que se alimentam, mas a danos ao ambiente quando são provocados pela agricultura mal planejada.

O crescimento evidenciado da agricultura vem ocasionando diversos danos ambientais, em razão de empresas e agricultores realizarem manejo indevido dos recursos naturais, proveniente de uma agricultura feita de forma inconsciente e exacerbada. Segundo Santos; Cândido (2013), o uso inadequado dos recursos naturais vem ocasionando intensa degradação ambiental, pois levam a destruição de hábitat e de espécies ecologicamente necessárias para a sobrevivência do planeta. Práticas agrícolas inapropriadas, aliada ao uso inconsciente dos recursos naturais, causam diversos danos ambientais, reflexo da ambição e ignorância humana, ao utilizar técnicas, tecnologias e manejo inadequadamente durante o processo de produção. De acordo com Deus (2013), a degradação na agricultura ocorre através do abuso das fontes naturais (água, solo e ar) e poluição das mesmas, bem como pelo manejo inadequado das plantações, com o uso de agroquímicos, desmatamento, uso excessivo do solo, entre outros.

Contudo, existem culturas que naturalmente são bem rústicas e resistentes e que necessitam pouco ou nenhum agroquímico para o cultivo. Mas, se estas forem plantadas em forma de monocultura podem demandar químicos para a redução de ervas daninhas. No entanto, se plantadas em rotação de cultura, com variedade de vegetais associados, ou em manejos relacionados a quintais produtivos ou agroflorestas, o uso de agroquímicos é desnecessário.

AGRÍCULTURA ORGÂNICA DAS COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO

As comunidades de fundo de pasto do Piemonte Norte do Itapicuru, no Estado da Bahia, têm quintais produtivos que consistem em pequenos espaços (quintais) onde de tudo se plantam desde frutíferas, ervas medicinais, verduras e tubérculos que podem ser usadas para o consumo próprio e também para serem vendidos nas feiras livres.

Os Quintais Produtivos fazem parte da composição da paisagem de uma pequena propriedade baseada na produção familiar. No quintal próximo a casa a família planta e cultiva plantas alimentícias, frutíferas, ornamentais, leguminosas e medicinais (PEDROSA, 2016, p.1).

Em tais quintais os agrotoxicos não entram e a adubagem é feita de forma agroecológica, com esterco de gado, galinhas e bode (este último bastante diluído), humus de quixabeira e de mamona, dentre outras técnicas tradicionais orgânicas.

A produção agroecológica é fundamentada na utilização de insumos internos produzidos no próprio local de produção como: folhas de árvores, palhadas, cinzas, estercos (aves e bovinos e outros). Galhos apodrecidos oriundos de podas de formação e podas produtivas. Todos esses insumos favorecem a ação dos organismos benéficos do solo melhorando a sua composição química, física e biológica (PEDROSA, 2016, p.1).

As agroflorestas são áreas mais extensas com plantio em sistema florestal, contendo árvores lenhosas, frutíferas, ervas medicinais, tubérculos, leguminosas, gramíneas, hortaliças e verduras, dentre outros vegetais.

São comuns nesses espaços o cultivo de vegetais típicos da caatinga e também de outros biomas, nessas agroflorestas e quintais produtivos é comum se encontrar pés de frutíferas como licuri, manga, jaca, maracujá e maracugina, acerola, laranja, banana, caju, limão, tangerina, araçá, goiaba, jaboticaba, seriguela, árvores lenhosas como sabiá, ipê, juazeiro, jurema, dentre outras como a barriguda e as nativas da caatinga como o umbuzeiro que são árvores comuns nessas agroflorestas e quintais.

As plantas lenhosas se utilizam para construção de residências, de cercas e uso como lenhas para as próprias casas ou outras finalidades. Nessas agroflorestas e quintais se intercalam essas árvores com tubérculos como a mandioca e o aipim, feijões arbustivos como andu, fava e feijão de corda e de arranque. Gramíneas como milho, a depender do local podem plantar o arroz vermelho. Outros produtos importantes são o café e vegetais como abóbora, jerimun, melancia, pepino, couve, batata doce, maxixe, quabo, repolho, chuchu, cenoura, tomate, urucum, pimentas, palma, lingua de vaca e outras folhas comestíveis.

Três dessas plantas se destacam pela versatilidade e importância regional: a mandioca, o licuri e a palma que tanto servem para o consumo humano quanto para ração animal.

A mandioca é o produto mais importante da agricultura familiar no nordeste, sua utilização serve tanto para o consumo de seus produtos (farinha, goma, tapioca, puba, beijus) quanto para adubo, pesticidas orgânicos e ração animal (folhas e subprodutos tratados previamente para a eliminação de toxinas).

A palma, uma cactácea, pode ser consumida pelos seres humanos como um cortadinho guisado, servindo também como importante alimento para as criações durante o período de seca, pois além de nutrientes, por ser uma cactácea é rica em água.

O ouricuri, ou licuri, é muito usado como alimento no nordeste e é rico em próvitamina A. É utilizado também como ração animal durante as secas prolongadas, suas folhas consistem muitas vezes como um dos últimos recursos de forragem nas secas extremas. O ouricuri tem ainda função no artesanato local, além de suas diversas utilizações na produção de óleos, e outros derivados.

Todos esses vegetais nessas agroflorestas e quintais produtivos convivem em associação ecológica, necessitando do agricultor conhecimentos tradicionais acerca da disposição e proximidades dos diversos vegetais e suas relações com solos, disponibilidade de água e luz.

Importante ressaltar que essas agroflorestas e quintais produtivos tem normalmente o incentivo de Associações de Produtores Rurais que buscam tecnologias para o incremento da produção orgânica.

A forma de plantio orgânico e em quintais sempre foi um costume entre as comunidades de fundo de pasto, pois são tradições, passadas de geração em geração. Nesse sentido, a maneira como as pessoas percebem, interagem e se relacionam com o ambiente é reflexo da cultura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos sistemas de agricultura familiar estudados neste artigo, os quintais produtivos e as agroflorestas constituem espaços agrícolas orgânicos que causam uma redução de impactos ambientais, quando comparada com outros sistemas de produção, pois o manejo mais rudimentar das áreas de cultivo, em que não há a utilização de agroquímicos e maquinários pesados, acaba por evitar problemas ambientais. Tais atitudes provem da consciência e cuidado ambiental que essas comunidades possuem, pois estas são comunidades que apresentam fortes laços geracionais com a terra, de onde tiram o sustento e têm relações emocionais fortes.

REFERÊNCIAS

CERRATINGA. Comunidades de fundos de pasto – Resistência e sustentabilidade na Caatinga. 2021. Disponivel em: < http://www.cerratinga.org.br/populacoes/comunidades-de-fundos-de-pasto/> Acesso: 13 jul. 2021.

DEUS, R. M. Impacto Ambiental na Agricultura: Aspectos Ecológicos e Necessidade de Mudanças. 4 th International Workshop – Advances in Cleaner Production – Academic Work, São Paulo, 2013. Disponivel em: http://advancesincleanerproduction.net/fourth/files/sessoes/6A/1/deus_work.pdf Acesso: 15 jan. 2020.

GUIMARÃES, A.; GONÇALVES, J.; RIBEIRO, F. R.; SANTOS, R. Agrotóxicos e os impactos na agricultura familiar. ConSciência, 2018. 8 p. UEaDSL. Disponível em: https://eventos.textolivre.org › mod_data › content Acesso: 28 out. 2020.

PEDROSA, R. A. A importância dos quintais produtivos na economia familiar. Agroecol, Dourados, 2016. 3pp. Disponível em: <https://www.cpao.embrapa.br/cds/agroecol2016/PDF's/Minicurso.Oficinas/Minicurso-%20Rosangela%20Pedrosa-%20QUINTAIS%20PRODUTIVOS.pdf> Acesso em: 13 jul. 2021.

SANTOS, J. G.; CÂNDIDO, G. A. Sustentabilidade e agricultura familiar: um estudo de caso em uma associação de agricultores rurais. Revista de Gestão Social e Ambiental - RGSA, São  Paulo, v. 7, n. 1, p. 70-86, jan./abr. 2013. disponivel em: https://rgsa.emnuvens.com.br/rgsa/article/view/528/pdf_42 Acesso: 20 dez. 2020.

SEPULCRI, O. Estratégias e Trajetórias Institucionais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (EMATER-PR). 161 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação Profissionalizante em Desenvolvimento Econômico) - Centro de Pesquisas Econômicas, Universidade Federal do Paraná, 2005. Orientador: Prof. Dr. Nilson M. de Paula. Disponível em: http://www.economia.ufpr.br/Teses%20Doutorado/Odilio%20Sepulcri.pdf Acesso: 02 dez. 2020.

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Volume/Edição

Autores

  • ARAÚJO, Damásio Torres de; SANTANA, Cristiana de Cerqueira Silva

Páginas

  • 1 a 8

Áreas do conhecimento

  • Nenhuma cadastrada

Palavras chave

  • Meio ambiente, Sustentabilidade, Cultura

Dados da publicação

  • Data: 19/07/2021
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